AbdonMarinho - Ode ao ladrão.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Ode ao ladrão.


Ode ao Ladrão.

Por Abdon C. Marinho*.

O ladrão que trato na pre­sente crônica não é aquele a quem os reis (ou o povo) entregam as admin­is­trações das provín­cias ou mesmo aque­les que se ocu­pam de espre­itar os ban­his­tas para roubar-​lhes as vestes, ou que fam­intos, roubam o pacote de bis­coito ou um quilo de carne, con­forme nos faz lem­brar Vieira** no ser­mão do “Bom ladrão”.

O ladrão a que me refiro é aquele em quem você con­fiou, ou trouxe para perto de si, ou que é seu con­hecido, ou aquele lhe rouba o celu­lar, o salário do mês e ainda o chama de vagabundo, quando é ele o vagabundo.

O ladrão que trato é tam­bém aquele a quem esten­destes a mão em uma difi­cul­dade e até o teve por irmão.

O ladrão a que me refiro nessa crônica de ficção é aquele que tu jul­gastes mere­ce­dor de con­fi­ança e lhe deu crédito que ele jamais teve.

O ladrão que trato não é um ladrão deter­mi­nado, mas muitos e inde­ter­mi­na­dos podem vestir a cara­puça que lhe será con­fortável.

O ladrão é um ser desprezível, asqueroso, imundo, repug­nante, nojento, petu­lante, debochado, sujo, abjeto, infame, torpe, sór­dido, fétido …

O ladrão não tem qual­quer pre­ocu­pação com os danos que causa as pes­soas ao seu redor – ou de qual­quer lugar do mundo –, con­heci­das ou não.

O ladrão não liga se está cau­sando sofri­mento as cri­anças, mul­heres, enfer­mos, as famílias.

O ladrão sequer se pre­ocupa se os seus atos prej­u­dicam a sua própria família – se a tiver.

O ladrão não está “nem aí” se dos seus atos decorre a destru­ição dos son­hos das pes­soas, pois ele próprio não pos­sui sonho algum.

O ladrão se aprox­ima de ti na “maciota”, fin­gindo ser bom moço, ter sen­ti­men­tos nobres, famil­iares, tudo para des­per­tar uma certa empa­tia – isso até con­seguir o que quer.

O ladrão, em ver­dade, não tem empa­tia por nada além dos próprios inter­esses sub­al­ter­nos, mesquinhos …

O ladrão não ama a natureza, as pes­soas (só as quer para usar), os ani­mais, ou qual­quer ser vivente.

O ladrão é nar­ci­sista, ele se acha o máx­imo quando na ver­dade não é nada, quando se faz a apu­ração da sua vida vê-​se que nunca fez a difer­ença na vida de ninguém, entrou e saiu da vida sem deixar nada de útil para a posteridade.

O ladrão cul­tiva o ódio às mino­rias, às difer­enças, ao ser humano … pois ele próprio não sabe o que seja humanidade.

O ladrão é vai­doso chegando a orgulhar-​se da própria indigên­cia do seu caráter (ou seria da ausência?).

O ladrão é tam­bém um inve­joso. A mín­gua de con­quis­tar as coisas por seus próprios méri­tos, tenta – e as vezes con­segue –, roubar aquilo que é seu objeto de desejo.

O ladrão quer a sua vida. Ele inveja seu sucesso, seu tal­ento, suas amizades, suas conquistas.

O ladrão tem como uma das prin­ci­pais e primeiras mis­sões ten­tar con­quis­tar teus ami­gos, até chegar ao ponto de pro­por a eles que lhe deem uma “rasteira”.

O ladrão se não con­segue o seu intento ante­rior passa a ter esses ami­gos como tam­bém seus inimi­gos e passa a tra­bal­har para roubá-​los.

O ladrão é um infe­liz que não se pre­ocupa com os próprios riscos que corre no mal­ogro de suas tentativas.

O ladrão é um Midas reverso, tudo que ele toca, mesmo ouro, con­segue trans­for­mar em m… .

O ladrão não tem tal­ento para escr­ever, por isso se ocupa em criticar os escritos alheios, à procura de um erro de grafia ou de uma vír­gula ou ponto fora de lugar.

O ladrão não tem tal­ento para ler nada além dos man­u­ais de tra­paças ou as biografias dos trapaceiros.

O ladrão não tem tal­ento para os negó­cios pois não con­segue, sequer, ser um “ban­dido hon­esto”, estando sem­pre ocu­pado em “pas­sar a perna” em quem lhe con­fiou qual­quer coisa.

O ladrão não con­hece a arte, a lit­er­atura, a música, nada que o faça cul­ti­var bons sentimentos.

O ladrão não tem ami­gos, nen­huma amizade duradoura, no seu entorno só pros­peram os sabu­jos, adu­ladores e parasitas …

O ladrão não tem amizades porque é inca­paz de cul­ti­var bons sen­ti­men­tos estando sem­pre a espre­ita para aplicar um novo golpe em quem come­teu a ingenuidade de lhe confiar.

O ladrão é tão vigarista que quando não con­segue ninguém para roubar tenta roubar de si próprio.

O ladrão é inca­paz de agir com qual­quer escrúpulo, guia-​se pelos man­u­ais de tra­paça e de con­tratos fajuto, pouco lig­ando para o brio e o peso da palavra dada.

O ladrão não sabe o que é pejo, não sabe o sig­nifi­cado de caráter ou de decên­cia ou da antiga e pouco usual ver­gonha na cara.

O ladrão só se pre­ocupa em se “dar bem”, seja roubando um mil­hão ou mesmo um tostão.

O ladrão é tam­bém um covarde, ao roubar tudo de todos, no fim está em busca de alguém que dê cabo a sua vida de crimes.

O ladrão é inca­paz de assumir suas próprias respon­s­abil­i­dades por isso tenta roubar a vida de alguém junto com a sua.

O ladrão que é inca­paz de ir a guerra ou de qual­quer outro gesto de grandeza busca “matar”, tirar as vidas alheias com suas tor­pezas.

O ladrão de tão infame jamais con­seguirá lam­ber os pés daque­les a quem rouba.

O ladrão imag­ina que o hábito de roubar lhe con­fere outro sta­tus além do que mis­er­av­el­mente já é: ladrão.

*Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor e cro­nista.

** Padre Antônio Vieira (Lis­boa, Por­tu­gal, 16081697, Sal­vador, Brasil).

Post Scrip­tum (P.S.) — iden­ti­fique o ladrão que con­hece e atrasa sua vida e o coloque no espaço da fotografia.

Out­ros que se iden­ti­fi­carem podem colo­car a própria imagem ou onde tem ladrão colo­car o nome.