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Os tri­bunais vir­tu­ais eternos.

Escrito por Abdon Mar­inho


OS TRI­BUNAIS VIR­TU­AIS ETER­NOS.

Por Abdon C. Marinho*.

WEL­GER FREIRE dos San­tos, advo­gado dos mais bril­hantes do país e meu sócio há quase trinta anos, cos­tuma dizer que pen­sar não é arte fácil de se praticar e que exige certa ded­i­cação e concentração.

Dando razão a sua opinião, nos últi­mos dias tenho me ded­i­cado a refle­tir sobre as con­se­quên­cias soci­ais e jurídi­cas (pre­sentes e futuras) para um dos fenô­menos surgido na nossa era, e que temo pelo nosso futuro – não tando eu, pois se as estatís­ti­cas estiverem cer­tas minha pas­sagem por aqui, com sorte, não ultra­passa mais duas décadas –, mas, sobre­tudo, das ger­ações vin­douras.

Falo isso a respeito dos notórios tri­bunais vir­tu­ais, que com a conivên­cia e omis­são de muitos, por ignorân­cia ou má-​fé, vêm gan­hando sta­tus de eternos.

Um dos gênios incon­testáveis da humanidade, Albert Ein­stein, disse certa vez: “não sei como será a ter­ceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus”. Dizia isso notando que o pode­rio bélico da atu­al­i­dade (já assim em mea­dos do século pas­sado quando mor­reu) é tamanho destru­iria tudo em seu cam­inho, rel­e­gando o homem ao seu estado prim­i­tivo.

Com os tri­bunais vir­tu­ais eter­nos, dar-​se algo bem pare­cido. Evoluí­mos tanto tec­no­logi­ca­mente que esque­ce­mos os fun­da­men­tos do con­hec­i­mento analógico e até mesmo de como cheg­amos aqui.

Ora, até bem pouco tempo era nor­mal a tor­tura física e psi­cológ­ica, os cas­ti­gos cor­po­rais, o “olho por olho, dente por dente”, do código de Tal­ião, a cru­ci­fi­cação, os empala­men­tos e diver­sos out­ros cas­ti­gos cruéis e degradantes, inclu­sive, que as penas pas­sasse das pes­soas que come­teram os deli­tos, para seus famil­iares, fil­hos, pais e por ger­ações; era comum que se jogasse um con­de­nado no poço e que o esque­cessem por lá até que mor­resse.

Muitas das penas relatadas acima – e out­ras quem nem ouso imag­i­nar –, per­sis­tem em algu­mas ditaduras e/​ou regimes total­itários ao redor do mundo. Onde, o Estado usa do seu pode­rio para oprimir e mas­sacrar o seu povo e os inimi­gos pes­soais dos poderosos ou mesmo aque­les que ape­nas ousam diver­gir.

Quando estu­dante de dire­ito, aprendi com o mestre Alberto Tavares, que as inter­pre­tações das leis dev­e­riam ser feitas com o que chamava de “grano salis”, ou seja, com parcimô­nia ou mod­er­ação e, tam­bém, que as nor­mas legais dev­e­riam ser com­patíveis com o entendi­mento da sociedade a quem se dire­cionava, é dizer, estarem ao alcance da com­preen­são do “homem médio”, do cidadão comum, e, ainda, que a lei não era sucedâ­neo para vin­gança pri­vada ou estatal.

E a razão de ser assim é que qual­quer cidadão pode ser sujeito ativo do crime. Não existe “cidadão de bem” que em algum momento da vida seja imune ao crime.

Outro grande jurista maran­hense, João Dam­a­s­ceno Mor­eira, o saudoso Bazar, crim­i­nal­ista de mão cheia, sem­pre que me encon­trava e, notada­mente, quando o per­gun­tava sobre suas ativi­dades lab­o­rais na seara crim­i­nal excla­mava, parafrase­ando out­ros grandes crim­i­nal­is­tas: — excelên­cia, o crime persegue o homem como sua própria som­bra!

A Con­sti­tu­ição Fed­eral de 1988, em boa hora, trouxe diver­sas garan­tias aos cidadãos sujeitos ativos de crimes, con­forme podemos ver­i­ficar abaixo, e que acho rel­e­vantes para o pre­sente texto:

III — ninguém será sub­metido a tor­tura nem a trata­mento desumano ou degradante;

XXXIX — não há crime sem lei ante­rior que o defina, nem pena sem prévia com­i­nação legal;

XL — a lei penal não retroa­girá, salvo para ben­e­fi­ciar o réu;

XLV — nen­huma pena pas­sará da pes­soa do con­de­nado, podendo a obri­gação de reparar o dano e a dec­re­tação do perdi­mento de bens ser, nos ter­mos da lei, esten­di­das aos suces­sores e con­tra eles exe­cu­tadas, até o lim­ite do valor do patrimônio transferido;

XLVI — a lei reg­u­lará a indi­vid­u­al­iza­ção da pena e ado­tará, entre out­ras, as seguintes:

a) pri­vação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alter­na­tiva;

e) sus­pen­são ou inter­dição de dire­itos;

XLVII — não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declar­ada, nos ter­mos do art. 84, XIX;

b) de caráter per­pé­tuo;

c) de tra­bal­hos forçados;

d) de bani­mento;

e) cruéis;

Pois bem, fiz todas essas con­sid­er­ações para aden­trar no assunto que motivou minha reflexão sobre a existên­cia de tri­bunais eter­nos, que ape­sar de vir­tu­ais exe­cu­tam penas reais nas vidas das pes­soas que come­teram crimes e/​ou fal­has com con­se­quên­cias diver­sas para seus famil­iares muitos dos quais nem exis­tiam na época dos dos fatos.

O caso que des­per­tou minha atenção e que cai como uma luva sobre os tri­bunais vir­tu­ais eter­nos é o que envolve o téc­nico de fute­bol Cuca.

Nos últi­mos dias, por conta de sua con­tratação por um clube de fute­bol – a despeito de ter sido téc­nico de out­ros grandes clubes ao longo da car­reira –, teve a sua vida, a vida de sua família e mesmo a vida dos seus com­pan­heiros de infortúnio e de suas famílias viradas de ponta cabeça por conta de um crime cometido em 1987 e pelo qual foram con­de­nado, dois anos depois, 1989, a 15 meses de prisão, em Berna, Suíça.

Emis­so­ras de rádio, tele­visão, sites, redes soci­ais, for­maram um novo tri­bunal para revis­i­tar o caso, com tanto destaque, que o cidadão que come­teu o crime (grave) foi obri­gado a pedir demis­são do clube – e não sabe, depois da reper­cussão do caso, se achará outro emprego em algum lugar do país como treinador, sendo mais provável que mude ramo ou se aposente.

O crime de estupro sob qual­quer cir­cun­stân­cia é abom­inável, ainda mais se prat­i­cado em grupo e con­tra uma menor de idade – que é o caso, ou seja, inde­s­culpável sob todos os aspectos.

Mas, vejam, os cidadãos brasileiros foram jul­ga­dos nos moldes das leis suíças e rece­beram pena de 15 meses de prisão, o que, em quase todo lugar do mundo, não leva ninguém à prisão, sendo quase sem­pre sub­sti­tuída por alguma restrição de dire­ito ou multa.

Como o processo seguirá em seg­redo de justiça por mais algu­mas décadas, além das infor­mações de ter­ceiros, imag­ino, pela pena apli­cada (15 meses) que a con­duta dos con­de­na­dos tenha sido pro­por­cional a ela.

O que fez o tri­bunal vir­tual eterno? Pegou a con­duta de 1987 (grave, abom­inável, etc), trouxe para os dias atu­ais, apli­cou a pena da leg­is­lação brasileira e a “exe­cuta” de forma per­ma­nente con­tra os cidadãos brasileiros que a praticaram, com os efeitos da mesma sobre seus famil­iares e amigos.

Vejam, não estou dizendo que o crime não ocor­reu, que não foi grave, que não foi abom­inável, hor­rendo e tudo mais, o que estou dizendo é que a Con­sti­tu­ição Fed­eral proíbe pena de caráter per­pé­tuo ou que as penas passem das pes­soas dos con­de­na­dos, como estão tratando o caso, sem que ninguém (ou quase ninguém) se atente para ordem jurídica.

Em 1987 ainda cur­sava o ensino médio no Liceu Maran­hense, em 1989, fazia cursinho pré-​vestibular e já tendo se pas­sado 34 anos da con­de­nação, os efeitos daquela con­de­nação de 15 meses de prisão con­tinua a pro­duzir efeitos con­tra aque­les con­de­na­dos.

Ora, mesmo que o cidadão tivesse con­de­nado por homicí­dio, matado a mãe (crime mais grave do orde­na­mento jurídico brasileiro) 34 anos depois, já teria pago “sua dívida para com a sociedade”.

Ao meu sen­tir, não faz sen­tido que uma con­de­nação de 15 meses con­tinue a pro­duzir efeitos até hoje e até con­tra out­ras pes­soas, fil­hos dos con­de­na­dos, que sequer exis­tiam na época dos fatos.

O meu alerta e o meu temor é que o prece­dente “Cuca”, se torne a nova bal­iza das relações jurídi­cas nacionais – essa é a razão das min­has reflexões –, violando garan­tias con­sti­tu­cionais que muito nos cus­taram alcançar.

Imag­inemos que um cidadão, com dezoito ou vinte anos, cometa qual­quer deslize ou falha ou mesmo cometa um crime, ele e seus par­entes e ami­gos terão que con­viver sob os efeitos de tal mácula por toda a eternidade? Se assim for, essa não é uma pena de caráter per­pé­tuo, cruel e não está pas­sando para além da pes­soa do con­de­nado, coisas vedadas pela Constituição?

Imag­inemos, como dizem os mais sábios que eu, sujeito ativo nato para o come­ti­mento de algum delito ou mesmo qual­quer falha ou impro­bidade, pelo prece­dente do tri­bunal vir­tual eterno, não terá mais qual­quer chance de reabil­i­tação pelo resto da sua vida bas­tando que erre ou seja con­de­nado ou mesmo proces­sado por algum fato, em qual­quer momento de sua existên­cia.

O TVE sem­pre estará à espre­ita. Fulano de tal, quando tinha 18 anos envolveu-​se em um aci­dente trân­sito, foi acu­sado de tal crime; Bel­trano de tal: — ah, esse é filho de fulano de tal, que em mil nove­cen­tos e carne de porco, come­teu crime tal, “deleta”.

Já pen­saram que situ­ação exdrúx­ula é essa que vive­mos? É isso mesmo que quer­e­mos para nós e para nossa descendência?

Essas são algu­mas das min­has reflexões, antes de me con­denarem por elas, tam­bém, refli­tam: quem nunca …?

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O MEDO QUE ME CONDUZ.

Escrito por Abdon Mar­inho


O MEDO QUE ME CON­DUZ.

Por Abdon C. Marinho*.

MINHA IRMÃ mais velha, Aldeiza, “Deiza”, para os ínti­mos, já avançando na casa dos setenta anos, “entrou” na cam­panha do quinto con­sti­tu­cional que escol­herá os doze advo­ga­dos e advo­gadas que com­porão a lista a ser sub­metida aos demais legit­i­ma­dos até a escolha final pelo, gov­er­nador do estado, do novo desem­bar­gador da classe dos advo­ga­dos para inte­grar o Tri­bunal de Justiça do estado.

Onde sabe que tem um advo­gado ou advo­gada, lá na nossa região (Gonçalves Dias ou Gov­er­nador Archer ou mesmo Dom Pedro), entra em con­tato para pedir voto para o mano aqui.

Quase todos os dias me manda um áudio ou men­sagem de texto: — bom dia, mano, hoje falei com Dr. fulano ou a Dra. Sicrana e pedi voto pra você. Pas­sei seu con­tato caso queiram falar com você.

Out­ras vezes: — bom dia, mano! Segue o número da doutora fulana, pedi voto a ela e disse que você iria entrar em contato.

Como disse, já indo além dos setenta anos, pos­sui uma ativismo exem­plar, tra­bal­hando todos os dias, de segunda a sábado, no seu comér­cio na praça em frente a prefeitura de Gonçalves Dias. Até durante a pan­demia, via­java (e nos angus­ti­ava) para For­t­aleza — CE, onde com­prava as mer­cado­rias que abastece seu comér­cio.

Dev­ido às amizades feitas e com o advento das novas tec­nolo­gias – para o nosso alívio –, os fornece­dores, agora, man­dam as lis­tas e fotografias das mer­cado­rias e ela só faz o pedido e eles man­dam deixar.

Veio do Rio Grande do Norte ainda muito jovem (dos meus irmãos, só ela e Adil­son nasce­ram lá), quando meus avós pater­nos, com fil­hos, noras, netos e ader­entes, deixaram aque­las ter­ras por causa da seca para se esta­b­ele­cerem no Maran­hão. Saudosa, em um domingo qual­quer, meses atrás, lem­brava da sua com­pan­heira de infân­cia, uma boneca de pano que deixara por não ter como trazer.

Fico muito feliz com o esforço da minha querida irmã – e de toda família, out­ros irmãos sobrin­hos, etc.

A minha irmã sim­boliza todo esse esforço, pois, muito sim­ples, acred­ito que até bem pouco tempo, nunca tinha ouvido falar em quinto con­sti­tu­cional, desem­bar­gador, tri­bunal de justiça, e todas essas coisas e, de repente, acaba por se tornar uma das mel­hores “cabo eleitoral” da nossa cam­panha.

Outro dia, meu sobrinho-​neto, Ruy­lon Peixoto (neto dela), chegou-​me com essa: — ah tio, a vó me disse que “essas coisas” (ser can­didato a desem­bar­gador) não eram para o sen­hor. Disse que o sen­hor é muito “cert­inho”.

Acho que esse foi o elo­gio mais “fofo” e enviesado que recebi na minha vida: o recon­hec­i­mento por parte da minha irmã, que espelha o resto da família, de que sou “cert­inho” demais.

Já perdi alguns clientes por conta de tal “defeito”.

Há alguns anos apre­sen­tei o amigo e par­ceiro de cam­in­hadas na advo­ca­cia e con­tabil­i­dade públi­cas, Max Harley Pas­sos Fre­itas, a um cliente (e tam­bém amigo) – sem­pre faço isso com ele e com out­ros par­ceiros por con­fiar na com­petên­cia e na respon­s­abil­i­dade –, para realizar deter­mi­nado serviço con­tá­bil de alguma cam­panha.

Anos depois, esse cliente candidatou-​se a prefeito e Max foi assisti-​lo nas questões rela­cionadas a prestação de con­tas. Eu estava ocu­pado com out­ras mis­sões.

Pas­sadas a eleição, com a vitória do amigo comum, na primeira opor­tu­nidade que tem, Max intro­duz o assunto: — seu fulano de tal, não seria bom chamar­mos o doutor Abdon Mar­inho para nos aju­dar no gov­erno que vai começar? Ele tem vasta exper­iên­cia, é com­pe­tente, nosso amigo … (e todos demais elo­gios para “vender o peixe” e for­t­ale­cer a parceria).

Dias depois, Max me conta a descon­cer­tante resposta que obteve do futuro ou já novo gestor e amigo: —doutor Max, o doutor Abdon é tudo isso que você diz e até mais, sei muito bem disso, mas, para o gov­erno que pre­tendo fazer, ele não serve, é “cert­inho demais”.

Quando contou-​me tal episó­dio, Max disse ter exper­i­men­tado sen­ti­men­tos antagôni­cos: feliz por seu amigo ter rece­bido tal recon­hec­i­mento e triste por ter­mos per­dido o con­trato e chance de tra­bal­har­mos jun­tos naquele municí­pio.

Pois é, meus ami­gos, já pas­sei pela exper­iên­cia de perder con­trato (din­heiro) por “excesso de cor­reção”.

Esse “defeito” trago de longe. Como ficamos órfãos bem jovens (a minha irmã mais velha com vinte anos e o mais novo tendo acabado de nascer, minha mãe mor­reu “de parto” há cinquenta anos), fomos cri­a­dos “como Deus cria batatas na beira do rio”, como cos­tumo dizer, cada um para um canto, uns morando com out­ros, hora na casa de um, hora na casa de outro. Uma escad­inha des­feita e em seus próprios uni­ver­sos.

Essa exper­iên­cia – tão mar­cante –, foi cru­cial para que desen­volvesse o medo. Sim, o medo.

O medo de decep­cionar, prin­ci­pal­mente, meus irmãos; o medo de enver­gonhar meus par­entes; o medo de fal­har com meus sobrin­hos; o medo de causar con­strang­i­men­tos as pes­soas que con­fi­aram e con­fiam em mim, e por aí vai.

Esse medo sem­pre con­duziu min­has ações. Sem­pre que me deparei com situ­ações “pouco orto­doxas” ou alguma pro­posta inde­cente, a resposta já estava (está) pronta: — meu doutor, meu amigo, eu tenho família grande, não posso envergonhá-​los.

E é ver­dade, tenho uma família enorme. Meus avós pater­nos tiveram mais que uma dúzia de fil­hos, cada um deles, um número enorme de descen­dentes. Meu pai, mesmo, só os que sabe­mos, teve dez fil­hos com minha mãe e mais qua­tro com sua segunda esposa. E não teve mais porque par­tiu cedo.

Um “mundo” de gente que sem­pre tive receio de decep­cionar e/​ou enver­gonhar. Além, claro, de mostrar e servir de exem­plo para os que vieram depois de mim, que é pos­sível levar um vida reta e sem enga­nar os out­ros.

Esse medo que cau­sou o “defeito” de ser cor­reto, acabou por tornar-​se parte inte­grante do meu ser. Cole­gas ou mesmo clientes e até as partes “ex adver­sas” nunca tiveram motivos para acusar-​me de quais­quer deslizes ou fal­has de caráter. Muitas vezes, preferi perder din­heiro, por algum excesso de con­fi­ança, a ter qual­quer um dizendo que fui des­on­esto ou desleal.

Com o tempo aprendi que din­heiro ou bens, você pode gan­har, você pode perder, mas as nódoas da biografia ou do nome, essas nunca saem, ainda que os out­ros, nos dias de hoje, as rel­a­tivizem, você saberá o que fez, nos verões ou nos inver­nos pas­sa­dos.

Entendo que mesmo os ban­di­dos – talvez esses mais que os out­ros –, pre­cisam ser hon­estos.

Quando ter­minei o ensino médio no Liceu Maran­hense, fiz, durante alguns meses, cursinho no pro­fes­sor do José Maria do Ama­ral, na Rua dos Afo­ga­dos, de tal mestre que nomi­nava o curso aprendi uma lição. Ele, que além da cadeiras de sua área, ensi­nava qual­quer outra para que não perdêsse­mos tempo, na even­tu­al­i­dade de fal­tar algum pro­fes­sor, cos­tu­mava dizer: — meus sen­hores, todo homem tem um preço, mas é certo que nunca vale o preço que lhe pagaram.

Sem­pre tive, tam­bém, esse medo de alguém ou alguma coisa alcançar o meu preço.

Ao chegar no final dessa dis­puta que mobi­li­zou tan­tos ami­gos, par­entes, cole­gas de profis­são e tan­tos out­ros de todas as áreas e segui­men­tos da sociedade, posso dizer uma coisa: não sei se for gan­har ou se for perder; ou como acen­tuou minha tão amada irmã, se sou “cert­inho” demais para “essas coisas”, mas, gan­hando ou per­dendo, de uma coisa tenho – e ten­ham certeza –, não me “perdi” e se Deus per­mi­tir, jamais me perderei pelo cam­inho.

Não pode haver sucesso onde não há princí­pios.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A vitória e o pre­con­ceito reverso.

Escrito por Abdon Mar­inho


A VITÓRIA E O PRE­CON­CEITO REVERSO.

Por Abdon C. Marinho.

DEPOIS que me inscrevi para dis­putar a vaga de desem­bar­gador no critério do quinto con­sti­tu­cional – nos ter­mos da Con­sti­tu­ição um quinto das vagas dos tri­bunais devem ser des­ti­nadas alter­nada­mente aos mem­bros da Advo­ca­cia e do Min­istério Público –, alguns e queri­dos ami­gos têm me abor­dado com uma indagação:

—Abdon, quais são as “nos­sas” chances de chegar lá, de lhe ter­mos como desem­bar­gador?

A todos – até para evi­tar fal­sas esper­anças diante da com­plex­i­dade do processo: primeiro os advo­ga­dos escol­hem 12 (doze); depois o Con­selho do OABMA escolhe 06 (seis); aí o TJMA escolhe 03(três); e por fim, o gov­er­nador escolhe 01(um) –, tenho dito:

— A nossa maior vitória é ter­mos chegado até aqui.

Se algum mais “teimoso” ou curioso argu­menta que diver­sos out­ros cole­gas igual­mente capazes tam­bém chegaram “até aqui”.

Com­pleto a resposta com ver­são “standard”:

— Pois é, mas difi­cil­mente (ou descon­heço) algum fez o mesmo “cam­inho” que fize­mos para chegar onde chegamos.

Con­cluo dizendo que até esse ponto da cam­in­hada depen­deu de nós, já, daqui para frente, depende de out­ras pes­soas: do jul­ga­mento dos cole­gas advo­ga­dos e das cole­gas advo­gadas que, pela primeira vez, terão a opor­tu­nidade de escol­her livre­mente quem gostariam de ter como rep­re­sen­tante no Tri­bunal de Justiça; do Con­selho Estad­ual; dos mem­bros do próprio tri­bunal; e do governador.

É o grau de con­sciên­cia e de con­sci­en­ti­za­ção sobre a importân­cia do ato de escol­her que fará a difer­ença. E esse ato já não depende de mim – ou de qual­quer outro can­didato, mas, sim, dos “eleitores”: advo­gadas e advo­ga­dos.

Imagina-​se – e essa é a minha real expec­ta­tiva –, que antes de votar nos can­didatos à vaga disponível, esse eleitorado faça uma análise cri­te­riosa da vida de cada um, para escol­her aque­les que mel­hor possa desem­pen­har a mis­são que lhe será con­fi­ada.

Trata-​se de uma escolha impor­tante e, tam­bém, uma respon­s­abil­i­dade imensa dos advo­ga­dos e advo­gadas, pois, difer­ente de eleições comuns – de prefeitos, vereadores, dep­uta­dos, gov­er­nadores, senadores e até pres­i­dente da República –, que se sub­me­tem ao jul­ga­mento de rotina a cada qua­tro anos, escol­her­e­mos alguém que ditará a justiça de forma vitalí­cia, por anos, por décadas – muitas décadas, em alguns casos.

Acred­ito que todas essas questões serão sope­sadas na hora da escolha.

Não será um tap­inha nas costas, um “happy hour”, um almoço, um jan­tar ou uma visita que serão deter­mi­nantes para a escolha do futuro rep­re­sen­tante da advo­ca­cia nos tri­bunais, mas, sim, o que as e os pos­tu­lantes fiz­eram ao longo da vida – pelo menos imag­ino isso.

Nesse sen­tido que “con­tabi­lizo” como vitória ter­mos chegado até aqui – ainda mais quando lem­bro que há pouco mais de cinquenta anos, quando fui acometido pela poliomielite, os médi­cos dis­seram que não sobre­vive­ria, caso viesse a “escapar”, jamais iria andar –, cinquenta anos depois, sobre­vivi, andei, corri pra cima e pra baixo, e, ape­sar de tudo, sobre­vive­mos “sem um arran­hão” e aqui esta­mos como can­didato a desem­bar­gador.

Vez ou outra quando algum me per­gunta como estou. Respondo: — escapando. Rsrs.

Essa é a ver­dadeira vitória. Um filho de agricul­tores anal­fa­betos, que pas­sou por todas as difi­cul­dades da vida, nunca se deu por ven­cido e levou uma vida pro­du­tiva e respeitável.

Essa pos­tu­lação tem mostrado isso.

Tenho rece­bido diver­sas man­i­fes­tações de cole­gas advo­ga­dos.

Outro dia recebi uma men­sagem de apoio emo­cionada do Dr. Car­los Couto, que muito me ensi­nou; não faz muito li em um grupo de What­sApp uma declar­ação do Dr. Vini­cius César de Berrêdo Mar­tins, me colo­cando entre aque­les cole­gas que dig­nifi­cam a advo­ca­cia maran­hense – reg­istro que na nossa car­reira comum de advo­ga­dos, doutor Viní­cius e eu sem­pre estive­mos em lados opos­tos; doutra feita, há mais tempo, recebi uma declar­ação do pro­fes­sor doutor José Claú­dio Pavão San­tana, onde o mesmo dizia sen­tir orgulho por ter sido seu aluno.

Essas ape­nas algu­mas declar­ações já que as out­ras, igual­mente impor­tantes, por não terem sido dadas em ambi­ente público ou por não ter sido autor­izado, guardo reservas.

São essas coisas que me fazem vito­rioso inde­pen­dente do resul­tado dos vários escrutínios do processo eleitoral para o quinto: a certeza que não me afastei dos meus princí­pios.

Agora mesmo, sou colo­cado diante de uma questão.

Como sabem – informei isso no dia –, por ocasião do reg­istro da can­di­datura ao quinto não estava na cidade. Como decidi ser can­didato na undécima hora, deixei com amigos/​auxiliares a incum­bên­cia de jun­tar os últi­mos doc­u­men­tos (cer­tidões de atu­ação proces­sual e out­ros doc­u­men­tos), com a ori­en­tação de não deixar de jun­tar nada, bem como, de efe­t­uar o reg­istro já que estaria ocu­pado em diver­sos com­pro­mis­sos inadiáveis de tra­balho no inte­rior e que a inter­net, às vezes, sobre­tudo em perío­dos de chuva, nos deixa na mão.

Estava em uma reunião na Câmara de Vereadores de Luís Domingues, às 17:30 horas, quando recebo uma lig­ação da equipe. Do outro lado linha, o amigo Emer­son Pinto, que estava coor­de­nando o reg­istro informa: — pre­cisamos de uma fotografia 3×4, para jun­tar no reg­istro. Outra coisa, tu te declaras, branco, preto ou pardo?

A resposta veio automática, pois desde sem­pre foi assim que me iden­ti­fiquei: — Pardo.

E corri para prov­i­den­ciar a dita fotografia. Alguém empurrou-​me, numa cadeira de rodízio, para uma parede de fundo branco para que ficasse mel­hor, tiramos e encam­in­hamos para o reg­istro. Ato con­tínuo, seguimos com a reunião e no iní­cio da noite anun­ci­ava que fiz­eram o reg­istro de can­di­datura.

Esqueci do assunto e segui com a “cam­panha”, normalmente.

Na última sem­ana (terça-​feira) recebi da Comis­são Eleitoral um edi­tal para com­pare­cer a comis­são para identificar-​me, bem como, uma inti­mação sobre uma impug­nação da can­di­datura por haver me declar­ado pardo.

Não teria qual­quer con­se­quên­cia, caso não com­pare­cesse, bem como, a impug­nação seria jul­gada deserta se me RETRATASSE.

Aí surgiu uma questão de princí­pio e pre­con­ceito reverso.

Ora, não me declarei pardo para inte­grar qual­quer cota – muito emb­ora recon­heça a importân­cia das ações afir­ma­ti­vas –, no meu tempo não exis­tia essa política, pobres, ricos, pre­tos, bran­cos, par­dos, indí­ge­nas, amare­los ou de qual­quer cor, faziam o mesmo vestibu­lar e dis­putavam as mes­mas vagas nos vestibu­lares da UFMA ou da UEMA.

Quando, no calor do pedido de reg­istro disse que era pardo, o fiz por ser essa uma expressão da ver­dade.

Meus avós pater­nos eram negros; meus avós mater­nos, emb­ora não fos­sem “bran­cos”, eram mais claros; logo, meu pai era negro e minha mãe “branca”. E nós, seus fil­hos, por parte de pai, mãe e parteira, nasce­mos mul­ti­col­ori­dos, uns mais escuros, uns mais claros. Os mais escuros, aliás, até os chamamos de “nego”, o nego Goça, o nego Armando …

Muito emb­ora não tenha tido qual­quer intenção de con­cor­rer uti­lizando cota – se fosse uti­lizar alguma teria sido em relação a defi­ciên­cia, pois tal condição e o fato de ter que fazer fisioter­apia três vezes na sem­ana por conta da ter­ceira recidiva da doença, têm impe­dido de via­jar em cam­panha pelo inte­rior e até mesmo de vis­i­tar os cole­gas –, retratar-​me para dizer que sou “branco” seria/​será negar minha história, min­has ori­gens – e até meus doc­u­men­tos ofi­ci­ais –, e não posso fazer isso pois tenho orgulho delas.

Ninguém pode se retratar da ver­dade e das suas ori­gens.

Aliás, quando estudei no Liceu Maran­hense, tive uma pro­fes­sora extra­ordinária, Profª. Maria da Luz, ela lecionava Orga­ni­za­ção Social e Política Brasileira (OSPB), no Liceu e matéria sim­i­lar no Santa Tereza, dessa con­vivên­cia com real­i­dades tão dís­pares nos doava o mel­hor que podia.

Essa pro­fes­sora, uma “negra ret­inta”, como se dizia antiga­mente, uma autên­tica princesa da África, me dizia sem­pre: — Abdon, teus genes negros são mais acen­tu­a­dos que os meus, branco nen­hum tem esse for­mato de nariz que tens.

Mas essa é ape­nas uma digressão. Não pre­tendi de forma alguma con­cor­rer através de cota, mas retratar-​me para sat­is­fazer algum tipo de patrulha, negando min­has ori­gens e ances­tral­i­dade é algo que não posso aceitar. Não vou negar meus avós, negar os meus pais, negar meus irmãos. Jamais faria isso.

Como disse na defesa, aceitarei a decisão da comis­são, mas não posso me retratar da ver­dade. Não faço isso por uma questão de dig­nidade e princí­pio.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.