Uma preta no Supremo.
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- Criado: Domingo, 01 Outubro 2023 12:24
- Escrito por Abdon Marinho
UMA PRETA NO SUPREMO.
Por Abdon C. Marinho.
CERTAMENTE muitos já falaram e escreveram sobre a necessidade de termos um Supremo Tribunal Federal — STF – e outros tribunais superiores –, mais diversificado. Certamente todos apelos serão ignorados pelo presidente da República e por aqueles que influenciam o seu pensamento e as suas ações.
Aliás, equivocadamente, sua excelência já declarou publicamente que na escolha para tais cargos não tem compromisso com a afirmação de gênero ou de raça.
Como todos que me conhecem sabem, sou teimoso (os próximos dizem que sou “teimosão”) e por isso mesmo não é o fato de “advogar” uma causa perdida que não devemos fazê-lo, ainda mais quando fazemos na defesa de convicções firmes.
A ministra Rosa Weber aposentou-se, ao completar 75 anos, no último dia 30 de setembro. Ela era uma das duas únicas ministras da Suprema Corte do Brasil, a outra é a ministra Carmen Lúcia, que, também, não tarda a se aposentar.
A bolsa de apostas sobre quem sucederá a ministra Rosa Weber crava como certa que a escolha do sucessor estará entre os senhores Flávio Dino, atual ministro da Justiça; Bruno Dantas, ministro presidente do Tribunal de Contas da União; e Jorge Messias, Advogado-Geral da União. Os três, aliás, já trabalham com tal perspectiva, tanto que em tom de pilhéria na posse de Roberto Barroso, como presidente do STF celebraram um “pacto” de continuarem amigos independente de quem dos três seja o escolhido.
Pois bem, deixemos os para lá uma vez que nossa crônica semanal trata do tipo de democracia que desejamos para o nosso país, melhor dizendo, para o futuro do país.
Nesse sentido é necessário, sim, que o presidente da República tenha compromisso com as politicas de afirmação de gênero e de raça. Não faz sentido que nomear mais uma vez alguém do sexo masculino e branco para ficar no STF vinte ou trinta anos. Trata-se de um lamentável equívoco fazer isso.
Como temos uma Suprema Corte “jovem” é cada vez mais necessário que ela seja diversa refletindo o tecido social que compõe o Brasil.
O que acrescenta ao país um ministro do STF, jovem, branco, rico e bem nascido? A resposta é uma só: representa a realidade da qual nunca nos afastamos que é a de “Casa Grande e Senzala”, com os pretos e pardos só tendo acesso aos palácios da Justiça para engraxar os sapatos dos brancos ou fazerem a faxina do ambiente.
Essa é a realidade do Brasil desde que por aqui aportaram os portugueses em 1500.
Os indicadores sociais e econômicos do país ainda hoje apontam a terrível desigualdade educacional entre pardos e pretos em relação aos brancos; a desigualdade entre a qualidade da educação básica pública, destinada aos pobres e educação privada destinada aos ricos.
Os dados estão aí, à disposição de todos, basta ter o trabalho de examinar o último censo divulgado pelo IBGE.
Temos um país desigual em relação a gênero, em relação a raça, em relação a diversidade.
Uma das formas de corrigirmos isso são os governantes do país, dos estados, Distrito Federal e dos municípios se comprometerem com as políticas públicas de afirmação é justamente o oposto do que declarou sua excelência.
Defendo que a indicação para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria de Rosa Weber recaia sobre uma mulher preta e, de preferência, nordestina.
Como disse anteriormente, não se trata “apenas” de uma indicação e nomeação de uma pessoa, não é nada disso, as indicações de ministros para tribunais ou para outras posições de ponta precisam refletir a diversidade que temos no país.
Se a ascensão social não ocorre por conta das condições do racismo e machismo estrutural que não é por ninguém desconhecida ela precisa ocorrer com o comprometimento dos governantes de romper com tais correntes.
Apenas para ficar no “caso” do STF, caso se concretize o que se tem desenhado, teremos onze ministros, com apenas uma mulher e nenhum preto. E será assim ainda por muitas décadas, pois já como dito lá atrás, temos ministros relativamente jovens para os cargos que ocupam.
O constituinte originário ao escrever a Constituição Federal cidadã estabeleceu: “Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Vejam que os critérios são bem claros: mais de 35 anos e menos de 70 anos de idade, com notável saber jurídico e reputação ilibada.
A regra estabelecida foi para que os governantes tivessem dentro da sociedade uma ampla possibilidade de escolhas e que refletisse o país e não para que tratasse a escolha de ministros do STF como de “sua cota pessoal”.
Não temos na majoritária população negra e feminina pessoas que preencham os requisitos constitucionais? Claro que temos – e muitos.
Chega ser ridículo achar que não temos mulheres e pretos capazes de preencherem os requisitos constitucionais para ocupar essas funções de Estado.
Se não tivéssemos seria muito pior, significaria que o Brasil teria fracassado como projeto de nação.
Acontece, infelizmente, que essas pessoas estão “ocultas”, estruturalmente falando, não é dada visibilidade sobre o talento de pretos, pardos e mulheres.
Tenho dúvidas se essa falta de visibilidade não ocorre de forma intencional para manter o sistema de “Casa Grande e Senzala” que nunca deixou de existir.
Uma outra distorção – solidificada sobretudo nos últimos tempos –, é a que se estabeleceu de que os cargos de ministros do STF e de outros tribunais superiores são “cargos de confiança” dos governantes de plantão – vício que se estendeu aos estados com a nomeação de desembargadores e conselheiros de tribunais de contas –, e não funções de Estado.
Vejam que absurdo, ninguém fica indignado ou vai para ruas ao assistir o presidente ou o governador indicar/nomear para tais cargos pessoas de suas “cozinhas” ou mesmo de suas famílias.
Trata-se de um absurdo, esses cargos, essas funções, repito, são de Estado e não da confiança do governante.
Vou além, arrisco dizer que mesmo os cargos de ministros ou de secretários dos poderes executivos também deveriam refletir a composição do tecido social e do pacto federativo e não preenchidos por pessoas, vulgarmente falando, da “curriola” dos governantes ou partidos.
Nessas distorções vamos cada vez mais nos tornando atrasados.
Veja que os governantes, os donos do poder, a mídia e mesmo uma parcela significativa trata com tanta naturalidade esses desatinos que ninguém protesta.
Ninguém acha um absurdo o presidente dizer que para escolher que é indiferente a composição de gênero e raça. Ouviu-se um ou dois muxoxos e só.
Tudo normal que escolha o advogado pessoal, o amigo íntimo ou o que o valha.
O mesmo ocorre quando os governadores fazem o mesmo tipo de escolhas.
Ao que parece, estamos longe de sabermos o que é uma república.
Mas o pior de tudo não é os governantes não terem tal noção e por isso mesmo se locupletarem do poder para o seu deleite e satisfação pessoal é a população não ter consciência de que tais práticas estão erradas, são criminosas, lesam a pátria.
O Brasil precisa de uma mulher preta no STF e que não seja para servir o cafezinho ou limpar o chão dos impolutos homens brancos.
Só com a população ocupando seus espaços teremos uma democracia, teremos uma república, o resto será engodo e cortina de fumaça para o fracasso de um projeto de nação.
Abdon C. Marinho é advogado.