AbdonMarinho - Democracia e arbítrio.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Democ­ra­cia e arbítrio.

DEMOC­RA­CIA E ARBÍTRIO.

Por Abdon C. Marinho..

ALGUNS DIAS o pres­i­dente da República, sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva, em entre­vista à uma emis­sora de rádio, inda­gado sobre a situ­ação política da Venezuela, cun­hou que democ­ra­cia seria um con­ceito rel­a­tivo, argu­men­tando que tal con­ceito pode­ria sofrer vari­ações, jus­ti­f­i­cando que a “democ­ra­cia venezue­lana” estaria assen­tada no fato de ter eleições per­iódi­cas – algo mais ou menos assim.

Com razão – e com os opor­tunis­mos de sem­pre –, houve uma “grita” geral, todos ten­tando tirar uma “casquinha’’ ou se aprovei­tando da “espinafrar” mais uma, entre tan­tas, tolices ditas pela excelên­cia.

Muito emb­ora em seu con­ceito primário, democ­ra­cia seja a forma de gov­erno car­ac­ter­i­zada pela sobera­nia pop­u­lar, sabe­mos que o sim­ples fato de haverem eleições “de vez em quando”, não torna essa ou aquela nação uma democ­ra­cia.

Um exem­plo, já citado tan­tas out­ras vezes, é o que se dava no Iraque nos anos em que foi gov­er­nado por Sad­dam Hus­sein, lem­bro que tratá­va­mos como fol­clore o resul­tado das eleições ocor­rida naquele país em que o gov­er­nante sagrava-​se vito­rioso com quase 100% (cem por cento) dos votos.

Situ­ação idên­tica aos “pleitos” ainda hoje ocor­ri­dos na Cor­eia do Norte – alguém duvida que uma eleição nesse país não ocorra com cem por cento dos sufrá­gios em favor do atual líder? Podemos dizer, porque houve uma “eleição” que tal país é uma democracia?

A chancela eleitoral de um povo escrav­izado de todas as for­mas por um gov­erno autoritário e autocrático está muito longe de garan­tir a existên­cia de uma democ­ra­cia.

E são diver­sos os exem­p­los de nações coman­dadas por regimes autoritários e autocráti­cos onde usam instru­men­tos democráti­cos per­ver­tidos para se diz­erem democ­ra­cias.

Em muitos casos a democ­ra­cia “vai se per­dendo” ao longo do cam­inho.

Às vezes se faz uma alternân­cia de poder – instru­mento próprio da democ­ra­cia –, e esse “novo” gov­erno eleito pelo povo em eleições livres passa a instru­men­talizar seu grupo político e mesmo o Estado para se man­terem indefinida­mente no poder, “matando” a democ­ra­cia.

Essa diva­gação é ape­nas para dizer que alguém “encher” a boca para falar de democ­ra­cia ao argu­mento de eleições reg­u­lares é ape­nas uma tolice.

O pre­sente texto, entre­tanto, não é para tratar – ou para faz­er­mos um “tratado” –, sobre democ­ra­cia, mas para dizer que emb­ora não sejam tênues os lim­ites entre democ­ra­cia e arbítrio muitas vezes “foca­dos” nos próprios inter­esses gov­er­nantes e lid­er­anças dos vários segui­men­tos da sociedade acabam por “mis­tu­rar” alhos com bugal­hos.

A minha per­cepção é que o Brasil, nos últi­mos anos “cam­in­hou” para a imple­men­tação de um régime autoritário, talvez tendo como mod­elo o régime hún­garo, turco ou russo ou mesmo uma ver­tente do que se encon­tra em curso em Israel ou na Polônia.

Desde 2019 que escrevo sobre isso.

Não tenho qual­quer dúvida, tam­bém, que os gov­er­nantes com seus apoiadores, muitos deles, inclu­sive, das Forças Armadas e das polí­cias mil­itares bus­caram via­bi­lizar um golpe de estado que os man­tivessem no poder quando der­ro­ta­dos nas urnas em segundo turno.

Assim como não tenho dúvi­das de que em 8 de janeiro tive­mos uma ten­ta­tiva de golpe insti­tu­cional, incen­ti­vada, patroci­nada e apoiada senão pelo próprio ex-​presidente, mas por pes­soas muito próx­i­mas a ele.

A ten­ta­tiva de golpe insti­tu­cional – que mais assemelhou-​se a uma cam­panha do exército de Bran­ca­le­one, com tiaz­in­has do What­sApp fan­tasi­adas de verde amarelo, muitos out­ros ali­ci­a­dos entre os desem­pre­ga­dos “vesti­dos” de patri­o­tas vin­dos dos qua­tro can­tos do país –, fra­cas­sada, como não pode­ria deixar de sê-​la, fun­ciona como um divi­sor de águas com a democ­ra­cia for­mal se impondo à bisonha inten­tona.

Acred­ito e sus­tento que todos os respon­sáveis pelo ato (desde os inspi­radores, finan­ciadores e execu­tores), como já vem sendo pre­cisam, com o dev­ido processo legal, sofr­erem a repri­menda da lei, até como forma de pre­venir futuras “recaí­das”.

Pois bem, dito isso, é impor­tante prin­ci­pal­mente para as autori­dades dos con­sti­tuí­dos que não se afastem dos lim­ites da lei.

É dizer, à guisa de se diz­erem “defen­sores da democ­ra­cia” não podem, eles próprios e por moti­vações pes­soais come­terem arbi­trariedades.

Como vimos nas lin­has ante­ri­ores é muito fácil aos dete­tores do poder diz­erem que estão “defend­endo a democ­ra­cia”, “defend­endo a Con­sti­tu­ição” ou que estão “jogando den­tro das qua­tro lin­has”.

São dis­cur­sos fáceis mas que estão dis­tantes das práti­cas do dia a dia.

Não passa de abuso que uma querela pes­soal ou uma dis­cussão mesmo que moti­vações políti­cas ou com agressão jus­ti­fique a mobi­liza­ção da Polí­cia Fed­eral para se fazer busca e apreen­são, con­fis­car celu­lares, com­puta­dores ou coisas do gênero.

Os “defen­sores da democ­ra­cia” que se pode até recon­hecer terem cumprido o seu papel, não podem sob a jus­ti­fica­tiva eterna de estarem defend­endo a democ­ra­cia, come­terem arbi­trariedades, repete-​se.

A história está rec­heada de exem­p­los de tais práti­cas: os deten­tores do poder “elegem” os inimi­gos do “estado”, muitas das vezes dizem que são “inimi­gos do povo” e pas­sam a dar vazão a toda sorte de perseguição e de sadismo.

Quan­tas inocentes não viraram cin­zas nas fogueiras sob o argu­mento de que seriam “bruxas”? Daí advém o termo “caça às bruxas”. Quan­tos crimes não foram imputa­dos aos judeus ao redor do mundo para que os nazis­tas imple­men­tassem a sua “solução final”, a diz­imação pura e sim­ples de mil­hões de seres humanos pelo “crime” de serem judeus? Assim como fiz­eram com os homos­sex­u­ais, os povos ciganos e tan­tos out­ros. Diz­ima­dos, tor­tu­ra­dos, mor­tos, lev­a­dos à lou­cura por serem quem eram.

Ainda hoje é assim em diver­sos países do mundo – aliás, de tem­pos em tem­pos ressurgem esbir­ros autoritários querendo impor seus ideários aos demais –, Venezuela, Cuba, Nicarágua, Rús­sia só para citar alguns que se auto­de­nom­i­nam “democ­ra­cias”, ado­tam mod­e­los de “paz de cemitérios” ou seja, elim­i­nam a pos­si­bil­i­dade dos adver­sários, alça­dos à condição de “inimi­gos do povo” de chegarem ao poder.

Em todos os tempo e em todos os lugares a ten­tação autoritária ronda os “donos do poder” fazendo-​os acharem que ape­nas eles (quando muito seu grupo) são capazes de con­duzirem os des­ti­nos da nações.

É dessa “ten­tação” autoritária que o Brasil pre­cisa “fugir”, não acei­tando que falso dis­curso de “defesa da democ­ra­cia” seja o veneno que vai matá-​la.

Dizia Lorde Acton que «o poder tende a cor­romper, e o poder abso­luto cor­rompe abso­lu­ta­mente, de modo que os grandes homens são quase sem­pre homens maus”.

Em tal pen­sa­mento dizia que o processo histórico desenvolve-​se ori­en­tado pela liber­dade humana ou livre-​arbítrio, no sen­tido de uma liber­dade cada vez maior.

O grande prob­lema do Brasil da atu­al­i­dade é que mesmo os ver­dadeiros democ­ratas não perce­beram – ou não quis­eram perce­ber –, que o seu silên­cio aos des­man­dos, ven­ham eles de quais­quer dos poderes da República ou dos seus inte­grantes, é o colchão mole onde repousam os ideários autoritários e, assim, como a história já está cansada de mostrar, só perce­beram quando forem eles próprios as víti­mas dos dita­dores de plan­tão.

A democ­ra­cia, difer­ente do muitos podem achar, não é um valor rel­a­tivo. Acred­i­tar ou defender isso é fler­tar com o arbítrio.

Abdon C. Mar­inho é advogado.