AbdonMarinho - Sarney, Cafeteira e uma gratidão final.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Sar­ney, Cafeteira e uma gratidão final.


SARNEY, CAFETEIRA E UMA GRATIDÃO FINAL.

Por Abdon C. Marinho*.

SOBRE a mesa de cen­tro na minha sala no escritório da Rua dos Pin­heiros repousa um livro que conta a história do Pro­jeto Reviver – a recu­per­ação do cen­tro histórico de São Luís, empreen­dida durante o gov­erno Cafeteira (19871990) –, que me foi dado pelo próprio ex-​governador quando tra­bal­hei na sua cam­panha ao gov­erno do estado no ano de 1994 – quase uma relíquia.

O livro estava guardado em uma gaveta e por um motivo qual­quer o trouxe para fazer “com­pan­hia” a um outro livro, este sobre os lençóis maranhenses.

Em um dia da sem­ana, aten­dia o amigo, o prefeito de Luis Domingues, Gilberto Braga, quando aden­tra a sala outro amigo, o ex-​prefeito de Bequimão, José Mar­tins.

Enquanto aguarda, Mar­tins começa fol­hear o livro e acabamos, os três, numa única con­versa, recor­dando alguns fatos pitorescos de Cafeteira e da política do estado como um todo. Mar­tins acabou por tocar na reaprox­i­mação entre o ex-​presidente Sar­ney com ex-​governador, fato ocor­rido a par­tir das eleições de 2006, quando esse último elegeu-​se senador na chapa com Roseana Sar­ney, que fora sua adver­sária nas eleições de 1994 (aquela que gan­hamos); e na de 1998 (aquela que perdemos). Como teste­munha ocu­lar da história, estava em ambas.

Em 22 de maio de 2018, por ocasião da extinção do ex-​governador, ocor­rida no dia 13 daquele mês, escrevi sobre o que vivi naque­las duas cam­pan­has eleitorais e nos seus des­do­bra­men­tos, chegando, já alguns pará­grafos antes quadra final do texto, a fazer refer­ên­cia a essa reaprox­i­mação entre os dois políti­cos e o desabafo feito por Cafeteira na última vez que estive­mos jun­tos.

Como já disse em tex­tos ante­ri­ores, con­heci pes­soal­mente Cafeteira por ocasião da eleição estad­ual de 1994, já tra­bal­hava com Juarez Medeiros, que foi can­didato a vice-​governador na chapa com ele, e fui chamado para, junto com mais duas ou três pes­soas, tomar conta daquela cam­panha eleitoral.

Olhando com os olhos de hoje (na época tinha 25 anos) fico imag­i­nando como uma cam­panha eleitoral sem recur­sos, sem sus­ten­tação política con­sis­tente, com tão pou­cas pes­soas no seu comando chegou tão longe enfrentando toda a força política de um gov­erno estad­ual, fed­eral, poder dos meios de comu­ni­cação todos nas mãos dos adver­sários (o grupo Mirante, da família da can­di­data e com pen­e­tração em todo o estado e a grupo Difu­sora, da família do então gov­er­nador, tam­bém apoiando Roseana).

Acred­ito que nunca antes – nem depois –, teste­munhamos uma cam­panha como aquela. Foi o que se pode chamar de uma epopeia. Cafeteira tinha um apelo político e pop­u­lar naquela eleição que nunca vi depois, nem mesmo na vitória de Jack­son Lago, em 2006 ou na de Flávio Dino, em 2014, viu-​se algo com­parável ao desejo de mudança exper­i­men­tado em 1994.

Quando, ao som da música de cam­panha “liber­dade é o respeito pelo dire­ito é a chama em nosso peito …” e Frank Matos anun­ci­ava a fala do can­didato, sentia-​se um mag­net­ismo envol­vendo a mul­ti­dão nos comí­cios.

O comitê, no Sitio Leal, era o local onde ficava todos os dias, man­tendo con­tato através de um tele­fone fixo com as lid­er­anças políti­cas do inte­rior e para nos infor­mamos do que vinha acon­te­cendo: as pressões políti­cas, os abu­sos, a reti­rada de pro­pa­ganda eleitoral por “falta de ener­gia” ou por “defeito téc­nico”.

Imag­inem que se ainda hoje o Maran­hão é um estado atrasado, há trinta anos era muito mais, com os “donos do poder” político man­dando de uma forma muito mais acin­tosa.

O poder era exer­cido com tanta força que mesmo antes de inventarem as chamadas “fakes News”, o Maran­hão teve uma fake news – e séria. Às vésperas do segundo turno das eleições, inventou-​se que Cafeteira teria man­dado matar um cidadão por nome de Reis Pacheco (já con­tei essa história em tex­tos ante­ri­ores. O fato é que só conseguiu-​se provar a farsa no dia do último pro­grama eleitoral, que não chegou a ser visto em todo estado pelos prob­le­mas já relata­dos acima, falta de ener­gia, emis­so­ras de rádio e tele­visão fora do ar e tudo mais.

Ape­sar de tudo é certo que Cafeteira venceu a eleição de 1994 – e não levou.

Um amigo que teste­munhou todos aque­les fatos certa vez desabafou: — Abdon, se eu fosse Cafeteira toda vez que o Sar­ney entrasse no plenário do Senado eu o chamaria de canalha.

Naquela época tanto Sar­ney quanto Cafeteira tin­ham ainda pela frente qua­tro anos de mandato como senador da República, o primeiro pelo Amapá e o segundo pelo Maran­hão.

A relação dos dois, exceto pelo “armistí­cio” ocor­rido em 1986 – na esteira da eleição Tancredo/​Sarney –, e que durou até 1990, sem­pre foi de antag­o­nismo, que vinha desde o iní­cio da car­reira política de ambos, nos idos dos anos cinquenta.

Os fatos da eleição de 1994, teria azedado de vez o que nunca foi bom.

Em 1998, Cafeteira dis­putou o gov­erno estad­ual nova­mente con­tra Roseana Sar­ney e dessa fez perdeu, ficando sem mandato.

Foi a segunda eleição em que tra­bal­hei com ele, dessa vez o nosso comitê foi no antigo palacete dos Archer, na praça Gonçalves Dias – com a estru­tura do Sitio Leal fun­cio­nando como apoio.

Cada um cuidando de seus afaz­eres e sendo eu alguém que não é dado a vis­i­tar ninguém ou a fre­quen­tar a “sociedade”, tive pouco con­tato com Cafeteira nos anos seguintes.

No final de 2006 – ou iní­cio de 2007 –, recebo uma lig­ação de Chico Branco, um amigo comum de ambos: — Abdon, o chefe quer falar con­tigo. Esta­mos pas­sando aí.

Não demorou muito lá estavam Cafeteira e Chico Branco na minha frente, recor­dando os bons momen­tos que pas­samos jun­tos nas duas cam­pan­has eleitorais.

O propósito da visita era que Cafeteira que­ria que assumisse a defesa dele numa ação eleitoral. Alguém entraram con­tra ele sob a ale­gação de que os gas­tos dele naquela cam­panha seriam incom­patíveis, ou seja, ele não teria “gas­tado” din­heiro sufi­ciente ao número de votos que teve.

Com o bom humor de sem­pre ele con­fi­den­ciou: — poxa, Abdon, nem isso que con­sta da prestação de con­tas foi efe­ti­va­mente gasto, fiz minha cam­panha toda casada com a cam­panha da branca.

Naquela eleição, 2006, tra­bal­hei com Ader­son Lago, no primeiro turno e, no segundo turno, com Jack­son Lago, fato público. Cafeteira fora eleito na chapa com Roseana Sar­ney.

Con­ver­samos sobre essas cir­cun­stân­cias, tendo ele dito que con­fi­ava em mim para sua defesa. Foi o que fize­mos. Hon­orários na base da amizade.

Tem­pos depois, processo ven­cido, acho que quase no fim do mandato mas já, cer­ta­mente, decor­rido mais da metade, recebo outra lig­ação de Chico Branco: — Abdon, está no escritório? Vou pas­sar aí com o chefe.

A prefeitura da cap­i­tal estava fazendo umas refor­mas nas rotatórias e removendo os famosos corações de con­creto car­ac­terís­ti­cos das obras que realizara quando foi gov­er­nador. Dire­ta­mente ou através de alguém ele tomou con­hec­i­mento e não gos­tou da ati­tude do gestor munic­i­pal que estava sub­sti­tuindo os ditos corações por alguns arran­jos artís­ti­cos.

Foi naquela visita que Cafeteira revelou-​me a enorme gratidão por Sar­ney depois de uma vida inteira de rus­gas e desavenças. Não foi por causa da eleição de 2006, que lhe pos­si­bil­i­tou voltar ao Senado numa artic­u­lação de Sar­ney.

A gratidão nos rev­e­lada foi pelo fato de Sar­ney ter ficado ao seu lado quando do inci­dente em que quase mor­reu.

Nas suas palavras, Sar­ney teria sido seu “anjo da guarda”: — meu filho, eu estava ali, naquela cama ou maca, nu, ape­nas enro­lado com um lençol e Sar­ney estava lá segu­rando minha mão.

Naquela altura da vida Cafeteira já com quase noventa anos – se já não pas­sava disso –, ainda assim ou talvez por conta disso, era capaz de emocionar-​se com um gesto de sol­i­dariedade e amizade de um eterno desafeto.

A rev­e­lação causou-​me uma sen­sação “difer­ente”.

Não con­heço o ex-​presidente Sar­ney, mas, pelo menos em duas cam­pan­has eleitorais, tive estre­ito con­tato com o ex-​governador Cafeteira, a ponto de saber que aquela gratidão ali rev­e­lada era fruto de uma sin­cera emoção.

Cafeteira deixou o escritório me dizendo que não tinha intenção de con­cor­rer a uma reeleição, e riu. Acho que foi a última vez que estive pes­soal­mente com ele.

Na con­versa com José Mar­tins e Gilberto Braga, o primeiro rev­elou ter ouvido do próprio Cafeteira, em uma reunião em Brasília, salvo engano, na casa de Roseana, declar­ação semel­hante.

Antes de saírem recor­damos out­ros cau­sos do ex-​governador.

Acabei por rev­e­lar que dia desses ia escr­ever sobre o mesmo depois de uma matéria que vi em um jor­nal ou site de que deter­mi­nado estado havia pin­tado todos os veícu­los que aten­dem as del­e­ga­cias das mul­heres de rosa, segundo os autores da ideia, para causar con­strang­i­mento nos cidadãos que come­tem vio­lên­cia domés­tica. Dizia que nada daquilo era novi­dade, pois Cafeteira quando assumiu em 1997, man­dou pin­tar foi toda a frota de veícu­los do estado de “amarelo-​abóbora” para evi­tar o mal uso de tais veícu­los.

Depois de tudo, devo dizer que foram exper­iên­cias mem­o­ráveis. Foi mágico ter vivido tudo aquilo.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.