AbdonMarinho - O MEDO QUE ME CONDUZ.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O MEDO QUE ME CONDUZ.


O MEDO QUE ME CON­DUZ.

Por Abdon C. Marinho*.

MINHA IRMÃ mais velha, Aldeiza, “Deiza”, para os ínti­mos, já avançando na casa dos setenta anos, “entrou” na cam­panha do quinto con­sti­tu­cional que escol­herá os doze advo­ga­dos e advo­gadas que com­porão a lista a ser sub­metida aos demais legit­i­ma­dos até a escolha final pelo, gov­er­nador do estado, do novo desem­bar­gador da classe dos advo­ga­dos para inte­grar o Tri­bunal de Justiça do estado.

Onde sabe que tem um advo­gado ou advo­gada, lá na nossa região (Gonçalves Dias ou Gov­er­nador Archer ou mesmo Dom Pedro), entra em con­tato para pedir voto para o mano aqui.

Quase todos os dias me manda um áudio ou men­sagem de texto: — bom dia, mano, hoje falei com Dr. fulano ou a Dra. Sicrana e pedi voto pra você. Pas­sei seu con­tato caso queiram falar com você.

Out­ras vezes: — bom dia, mano! Segue o número da doutora fulana, pedi voto a ela e disse que você iria entrar em contato.

Como disse, já indo além dos setenta anos, pos­sui uma ativismo exem­plar, tra­bal­hando todos os dias, de segunda a sábado, no seu comér­cio na praça em frente a prefeitura de Gonçalves Dias. Até durante a pan­demia, via­java (e nos angus­ti­ava) para For­t­aleza — CE, onde com­prava as mer­cado­rias que abastece seu comér­cio.

Dev­ido às amizades feitas e com o advento das novas tec­nolo­gias – para o nosso alívio –, os fornece­dores, agora, man­dam as lis­tas e fotografias das mer­cado­rias e ela só faz o pedido e eles man­dam deixar.

Veio do Rio Grande do Norte ainda muito jovem (dos meus irmãos, só ela e Adil­son nasce­ram lá), quando meus avós pater­nos, com fil­hos, noras, netos e ader­entes, deixaram aque­las ter­ras por causa da seca para se esta­b­ele­cerem no Maran­hão. Saudosa, em um domingo qual­quer, meses atrás, lem­brava da sua com­pan­heira de infân­cia, uma boneca de pano que deixara por não ter como trazer.

Fico muito feliz com o esforço da minha querida irmã – e de toda família, out­ros irmãos sobrin­hos, etc.

A minha irmã sim­boliza todo esse esforço, pois, muito sim­ples, acred­ito que até bem pouco tempo, nunca tinha ouvido falar em quinto con­sti­tu­cional, desem­bar­gador, tri­bunal de justiça, e todas essas coisas e, de repente, acaba por se tornar uma das mel­hores “cabo eleitoral” da nossa cam­panha.

Outro dia, meu sobrinho-​neto, Ruy­lon Peixoto (neto dela), chegou-​me com essa: — ah tio, a vó me disse que “essas coisas” (ser can­didato a desem­bar­gador) não eram para o sen­hor. Disse que o sen­hor é muito “cert­inho”.

Acho que esse foi o elo­gio mais “fofo” e enviesado que recebi na minha vida: o recon­hec­i­mento por parte da minha irmã, que espelha o resto da família, de que sou “cert­inho” demais.

Já perdi alguns clientes por conta de tal “defeito”.

Há alguns anos apre­sen­tei o amigo e par­ceiro de cam­in­hadas na advo­ca­cia e con­tabil­i­dade públi­cas, Max Harley Pas­sos Fre­itas, a um cliente (e tam­bém amigo) – sem­pre faço isso com ele e com out­ros par­ceiros por con­fiar na com­petên­cia e na respon­s­abil­i­dade –, para realizar deter­mi­nado serviço con­tá­bil de alguma cam­panha.

Anos depois, esse cliente candidatou-​se a prefeito e Max foi assisti-​lo nas questões rela­cionadas a prestação de con­tas. Eu estava ocu­pado com out­ras mis­sões.

Pas­sadas a eleição, com a vitória do amigo comum, na primeira opor­tu­nidade que tem, Max intro­duz o assunto: — seu fulano de tal, não seria bom chamar­mos o doutor Abdon Mar­inho para nos aju­dar no gov­erno que vai começar? Ele tem vasta exper­iên­cia, é com­pe­tente, nosso amigo … (e todos demais elo­gios para “vender o peixe” e for­t­ale­cer a parceria).

Dias depois, Max me conta a descon­cer­tante resposta que obteve do futuro ou já novo gestor e amigo: —doutor Max, o doutor Abdon é tudo isso que você diz e até mais, sei muito bem disso, mas, para o gov­erno que pre­tendo fazer, ele não serve, é “cert­inho demais”.

Quando contou-​me tal episó­dio, Max disse ter exper­i­men­tado sen­ti­men­tos antagôni­cos: feliz por seu amigo ter rece­bido tal recon­hec­i­mento e triste por ter­mos per­dido o con­trato e chance de tra­bal­har­mos jun­tos naquele municí­pio.

Pois é, meus ami­gos, já pas­sei pela exper­iên­cia de perder con­trato (din­heiro) por “excesso de cor­reção”.

Esse “defeito” trago de longe. Como ficamos órfãos bem jovens (a minha irmã mais velha com vinte anos e o mais novo tendo acabado de nascer, minha mãe mor­reu “de parto” há cinquenta anos), fomos cri­a­dos “como Deus cria batatas na beira do rio”, como cos­tumo dizer, cada um para um canto, uns morando com out­ros, hora na casa de um, hora na casa de outro. Uma escad­inha des­feita e em seus próprios uni­ver­sos.

Essa exper­iên­cia – tão mar­cante –, foi cru­cial para que desen­volvesse o medo. Sim, o medo.

O medo de decep­cionar, prin­ci­pal­mente, meus irmãos; o medo de enver­gonhar meus par­entes; o medo de fal­har com meus sobrin­hos; o medo de causar con­strang­i­men­tos as pes­soas que con­fi­aram e con­fiam em mim, e por aí vai.

Esse medo sem­pre con­duziu min­has ações. Sem­pre que me deparei com situ­ações “pouco orto­doxas” ou alguma pro­posta inde­cente, a resposta já estava (está) pronta: — meu doutor, meu amigo, eu tenho família grande, não posso envergonhá-​los.

E é ver­dade, tenho uma família enorme. Meus avós pater­nos tiveram mais que uma dúzia de fil­hos, cada um deles, um número enorme de descen­dentes. Meu pai, mesmo, só os que sabe­mos, teve dez fil­hos com minha mãe e mais qua­tro com sua segunda esposa. E não teve mais porque par­tiu cedo.

Um “mundo” de gente que sem­pre tive receio de decep­cionar e/​ou enver­gonhar. Além, claro, de mostrar e servir de exem­plo para os que vieram depois de mim, que é pos­sível levar um vida reta e sem enga­nar os out­ros.

Esse medo que cau­sou o “defeito” de ser cor­reto, acabou por tornar-​se parte inte­grante do meu ser. Cole­gas ou mesmo clientes e até as partes “ex adver­sas” nunca tiveram motivos para acusar-​me de quais­quer deslizes ou fal­has de caráter. Muitas vezes, preferi perder din­heiro, por algum excesso de con­fi­ança, a ter qual­quer um dizendo que fui des­on­esto ou desleal.

Com o tempo aprendi que din­heiro ou bens, você pode gan­har, você pode perder, mas as nódoas da biografia ou do nome, essas nunca saem, ainda que os out­ros, nos dias de hoje, as rel­a­tivizem, você saberá o que fez, nos verões ou nos inver­nos pas­sa­dos.

Entendo que mesmo os ban­di­dos – talvez esses mais que os out­ros –, pre­cisam ser hon­estos.

Quando ter­minei o ensino médio no Liceu Maran­hense, fiz, durante alguns meses, cursinho no pro­fes­sor do José Maria do Ama­ral, na Rua dos Afo­ga­dos, de tal mestre que nomi­nava o curso aprendi uma lição. Ele, que além da cadeiras de sua área, ensi­nava qual­quer outra para que não perdêsse­mos tempo, na even­tu­al­i­dade de fal­tar algum pro­fes­sor, cos­tu­mava dizer: — meus sen­hores, todo homem tem um preço, mas é certo que nunca vale o preço que lhe pagaram.

Sem­pre tive, tam­bém, esse medo de alguém ou alguma coisa alcançar o meu preço.

Ao chegar no final dessa dis­puta que mobi­li­zou tan­tos ami­gos, par­entes, cole­gas de profis­são e tan­tos out­ros de todas as áreas e segui­men­tos da sociedade, posso dizer uma coisa: não sei se for gan­har ou se for perder; ou como acen­tuou minha tão amada irmã, se sou “cert­inho” demais para “essas coisas”, mas, gan­hando ou per­dendo, de uma coisa tenho – e ten­ham certeza –, não me “perdi” e se Deus per­mi­tir, jamais me perderei pelo cam­inho.

Não pode haver sucesso onde não há princí­pios.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.