O QUE O FUTURO NOS RESERVA.
Em tempos de comunicação moderna, meu sobrinho me aciona pelo WhatsApp. Nas mensagens que se seguiram, entre os palavrões que foram incorporados ao palavreado destes dias, a revolta com o fato das pessoas que o assaltaram e levaram seu carro outro dia, no momento em que parava numa farmácia para comprar algo para os filhos recém-nascidos, já estarem soltos. Juntos com os termos de revolta que não ouso publicar, por impróprios, um vídeo com a imagem e declarações dos assaltantes. Em seus depoimentos, impressiona que pessoas tão jovens, adolescentes, conforme dito com dezesseis anos, seja capazes de, sem qualquer temor, colocar uma arma na cabeça de um outro jovem, apenas um pouco mais velho, um pai de família, tomar-lhe um veículo e talvez ceifar-lhe a vida sem preocupar-se com os deste jovem, esposa, filhos. Contava isso a um amigo quando ele me interrompeu para dizer que há menos de três meses sofreu um assalto na saída do banco. Os ladrões numa moto pensavam que ele sacara dinheiro, colocaram a arma na cabeça dele exigiram tudo que tinha, ante a informação que nada possuía no momento – tinha ido ao banco depositar e não sacar –, passou momentos de angústia com o parceiro do lhe apontava a arma metendo “pilha” para que ele atirasse na vítima.
Fatos como estes estão acontecendo todos os dias na nossa cidade, no nosso estado, no nosso país. A sucessão de tragédias mais parece um risco arranhado, de tanto que se repete.
Nos meus anos de infância e adolescente convivi com a ideia de que os jovens eram o futuro da nação. Hoje me pergunto qual é a ideia de futuro que temos para o país.
confrontado com a violência que vitimou meu sobrinho e meu amigo, refletia sobre o que vem acontecendo com ö futuro do país”. Temos crianças já a partir dos dez anos empunhando armas, já a partir dos doze chefiando quadrilhas. A maioria deles, segundo relato das vítimas, mais cruéis e violentos que os maiores.
A violência é, hoje, a maior urgência nacional. Não digo pelos atos desumanos que estamos sujeitos todos os dias, mas sim porque a ela está comprometendo o próprio futurou da nação. Os efeitos disso não tardarão a aparecer de forma mais consistente. Hoje já se sente os reflexos em diversos setores, daqui a alguns daïs será determinante para a economia, a cultura, a educação.
Ao lado da necessidade de combatermos a impunidade que viceja numa legislação que faz o crime compensar, há também a necessidade de estudarmos as razões da violência que tomou de conta dos lares brasileiros.
A impressão que tenho é que a sociedade brasileira está anestesiada de tal forma que acha normal viver trancada dentro seus condomínios, com suas casas de muros elevados e toda a parafernália de proteção – que apenas inibe a violência – enquanto nas ruas, a guerra corre solta. A conformação é tamanha que diante do fato de se perder os entes queridos quase todos os dias existe apenas a resignação. Como se fosse comum e normal vivermos presos, como se fosse razoável nos resignarmos diante da perda de crianças, jovens, que mal conheceram a vida. Objetivamente a sociedade se coloca em dois grupos um que acha que a repressão resolve e um outro que acha que devemos manter a situação de impunidade, uma vez que a violência é fruto da desigualdade social.
Acredito que as duas teses ao invés de antípodas deveriam convergir. Assim como é fundamental termos leis que punam e coíbam o crime com severidade, pondo fim a cultura de que o crime compensa, seja pela impunidade, seja por conta das leis brandas, é igualmente importante que toda sociedade e seus governos estabeleçam uma política de proteção e prevenção a violência por e contra crianças e jovens.
Até aqui a sociedade tem perdido seus filhos para criminalidade. E isso começa cedo, desde a ausência de planejamento familiar, educação, assistência social à leniência diante dos crimes. As intervenções do Estado, as políticas de proteção e prevenção têm sido, até aqui, quase sempre nefastas. Como podemos explicar que crianças de dez, doze anos estejam no crime? A primeira explicação é que não houve para elas qualquer referência familiar, ninguém lhes ensinou quaisquer valores, nem o sagrado valor que tem a vida, tanto do seu semelhante quanto a sua própria pois raramente os que enveredam pelo caminho do crime passam dos 30 anos.
Os debates que travam sobre o assunto são na maioria das vezes estéreis. Há um erro de origem com as famílias abdicando de suas responsabilidades, do seu dever paterna. E esses erros vão se ampliando na falta de uma política educacional que vá além dos estreitos limites dos conteúdos e tente, ao menos, passar alguma noção de cidadania a esses infantes. Por fim uma sociedade absolutamente indiferente a seu próprio destino.
Em todos os cantos assistimos a reclamação geral contra o caos que se instalou na sociedade, contra os morticínios indiscriminados, etc. Mas há que se indagar, alguém, exceto quando a violência bate a sua própria porta, se preocupa com o que vem acontecendo? Tomemos como exemplo as corporações de advogados, médicos, juízes, promotores, empresários, temos visto suas preocupações além dos seus interesses mais imediatos? Quase nunca. A maioria sequer ousa reclamar, fingem que não é com elas, com seus integrantes. Se reclamam é como se estivessem pedindo desculpas aos mandatários de plantão. Criou-se a ideia – falsa – de que a crítica é uma ofensa pessoal aos governantes e que não podemos, os cidadãos, fazermos isso. A participação social que é – ao menos deveria – um dever do cidadão ganha ares de escândalo. Se alguém diz ou reclama de algo, vira inimigo. Ano após ano os indicadores apontam piora na educação, um ou outro faz um proselitismo político aqui ou ali mas ninguém ousa chamar para si, enquanto cidadão, a responsabilidade para a denunciar as falhas. A educação vem perdendo qualidade a cada ano e ninguém parece se importar com isso. Agora mesmo – e é assim quase todos os anos –, a educação dos principais municípios do Maranhão está paralisada. Faz mais de 60 dias que muitas escolas estão com as portas batidas, exceto pelos professores e alguns pais em protestos, o restante da sociedade parece desconhecer essa situação. Ignorar que a criança sem escola hoje, pode ser o marginal de amanhã.
A omissão da sociedade tem uma parcela considerável nos altos índices de violência que assombra a todos. Ninguém quer se indispor com as autoridades, ninguém quer dizer a verdade.
O Brasil tem comprometido o seu presente com essa política de covardes. Temos no mínimo três ou quatro gerações perdidas e se não fizermos algo com urgência, as próximas gerações, o futuro da nação também estará comprometido, restará a todos leitura do manual não escrito da covardia.
Abdon Marinho é advogado.