O SENADO E O CHEQUE DE NORONHA.
Um dos mais famosos empresários do Maranhão foi Luís Antônio Noronha. Não bastasse sua verve para os negócios, seu reconhecido tino empresarial, era também conhecido pelas inúmeras “pérolas” gramaticais com as quais brindou a sociedade. Logo que aqui cheguei era comum ouvir-se dizer: “Sabes a última do Noronha?” Ríamos muito com as histórias contadas. Muitas, claro, a menos ao meu juízo, não passava de invenção, como aquela que diz voltou muito impressionado dos Estados Unidos ao constatar que as crianças de lá com 05 anos já sabiam falar inglês. Outra foi aquela em em disse a um amigo que iria a grande forró e tendo este lhe perguntado qual, disse que era o forró do Gerson. Na verdade o tal forró não passava de uma empresa que colocava forro de gesso. Cada um tinha uma destas histórias na quais lendas e realidades se fundiam.
O passamento do empresário, em julho de 2006, deixou uma lacuna, não apenas no mundo empresarial, mas como referência como cidadão, sobretudo por povoar o imaginário da cidade com suas tiradas. Ao partir já era uma espécie de patrimônio da cidade e do povo maranhense.
Por estes dias, me lembrava de uma, que como muitas outras, talvez não passé de invenção. Vamos a ela. Conta que certa vez a secretária do empresário tinha um cheque a preencher e chegou para ele: \\\»– Seu Noronha como se escreve sessenta?\\\» O empresário sem perder o ponto foi logo respondendo: \\\»– Minha filha, se tem dúvida, faz logo dois de trinta.\\\»
Lembrava-me desta história ao ler que uma das comissões do Senado da República tencionaria propor mais algumas alterações no acordo ortográfico da língua portuguesa. Colho do site de Veja a seguinte informação: \\\«Segundo a versão que circulou, um grupo do Senado defenderia uma \\\«simplificação\\\» do idioma escrito propondo para isso que palavras grafadas com \\\«ç\\\», \\\«ss\\\», \\\«sc\\\» e \\\«xc\\\» passassem a ser redigidas exclusivamente um \\\«s\\\»; o \\\«h\\\» no início das palavras, por sua vez, seria suprimido — \\\«homem\\\» viraria “omem”. Isso evitaria confusões na hora de escrever.”
Embora, após a repercussão, começassem a dizer que tudo não passou de mal-entendido, não resta dúvidas que chegaram a cogitar o absurdo. Como, aliás, tem sido comum naquela Casa.
A língua portuguesa, como todas as outras, são vivas, podem e devem sofrer alterações. Agora mesmo estamos implantando uma reforma ortográfica para tentar uniformizar o padrão linguístico em todas nações que falam o português, na minha opinião com enorme perda. Não me acostumo em ter que suprimir um trema, um agudo. Angustia-me toda vez que tenho que fazer isso. Entretanto, não é essa a questão.
O que está errado na proposição de suas excelências, os senadores, é a motivação. Ao invés de se discutir a educação no Brasil, melhorar o aprendizado, se busca o atalho. O povo não sabe escrever corretamente? Não percamos tempo com isso, vamos escrever conforme se fala, reduzir as dificuldades. Esse é o principal problema.
A educação brasileira vem sendo destruída ao longo dos anos por conta de ideias como estas, a busca dos atalhos. Inventaram que os estudantes não podiam mais reprovar. Fizessem o que não fizessem, os professores tinham a obrigação de passá-los de ano. Com isso os professores foram perdendo o comando de sala de aula, tiveram sua autoridade diminuída. Por que estudar se vou passar do mesmo jeito? Um erro terrível. A falta de autoridade – entre outras coisas – tem levado à violência, ao desestímulo dos professores, a insatisfação. O professor não pode dizer nada que corre o risco de ser agredido, de apanhar em sala de aula. Criou-se o mito da educação de iguais em sala de aula. Estamos falando de crianças de 6, 7, 8, 10, 12 anos, é tolice. Não existe educação de iguais. Se o aluno não respeita o professor e sabe que isso não terá qualquer consequência, estamos produzindo o caos em sala de aula. É isso que estamos assistindo.
A estratégia de passar alunos de ano, de qualquer modo, foi um erro que ainda, por muito tempo, sentiremos seus efeitos. Não tem como se educar sem método, sem autoridade. Os currículos foram, ao longo dos últimos anos, sendo alterados para pior. Não há compromisso em educar e, por suas vez, os estudantes, não tem mais o desejo de aprender, não há o esforço, o receio de ficar reprovado, de repetir de ano. Assisto, perplexo, os apelos patéticos que fazem para que os alunos não abandonem a sala de aula no meio do ano letivo. Isso se dá porque não há consequência alguma. tanto faz estudar ou não. A vida do crime, como não temos um estado forte com leis rigorosas, é até mais atrativa que a vida dentro lei.
Voltando ao debate sobre a ideia dos nossos senadores, o erro está em buscar, como sempre se faz, mais um atalho, mais um jeitinho. Como se ao supostamente “facilitar\\\» a escrita das palavras estivéssemos melhorando a educação do povo. O grave é ver que o Senador da República, que deveria ter as maiores preocupações com os temas nacionais, esteja enveredando pela cultura do “jeitinho”, da facilitação. Isso é que é grave. A concepção que não se deve aprender mais e sim adaptar a língua escrita (e isso serve para tudo) à forma que as pessoas falam, sem obediência a qualquer regra, sem o interesse em saber a razão de ser assim ou assado. A continuar assim chegaremos ao dia em que não mais existirá a escrita. Nos comunicaremos apenas através da palavra falada. Será isso um grande avanço? Na minha opinião, não. Representará um retrocesso. Apesar disso estamos caminhando neste sentido. O avanço tecnológico já nos tirou o hábito da escrita cuneiforme. As pessoas estão desprendendo a escrita. Entreguem um lápis ou uma caneta para alguém escrever um texto e vejam o tamanho do desastre. A educação brasileira caminha para as cavernas.
O lamentável é ver que muitos educadores, estudiosos e até senadores da República não se dêem conta do que vem ocorrendo. A educação é preocupante não no sentido de alguém ignorar uma hora ou outra uma letra, se a escrita correta de palavra é com “x\\\» ou “ch”, com “ç\\\» ou “ss”, “sc”, “xc”, etc., é o conjunto, é a série de despautérios que ocorrem com a cumplicidade e à vista de todos. A educação preocupa na questão curricular, na falta de estrutura, na falta de compromisso de educadores e educandos. A política de facilitação é apenas mais um desserviço.
Os senadores, que supomos saberem escrever corretamente as palavras, ao menos deveriam, poderiam se dá aos desfrute de enxergar a floresta ao invés de uma árvore. Poderiam também se ocuparem dos grandes temas nacionais, da política externa, do comércio exterior. Quanto à educação, deveriam preocupar-se no sentido inverso do que veem se preocupando hoje, que é destruí-la com uma falsa argumentação.
Assistindo a tudo isso, temo não apenas pelo dia em que tenhamos que escrever dois cheques de trinta no lugar de um de sessenta, temo mais por saber que talvez nem mais trinta saibamos escrever.
Abdon Marinho é advogado.