NÃO VAMOS NOS DISPERSAR…
Neste domingo, 26/10/2014, acordei lembrando daquele famoso discurso proferido por Tancredo Neves em 15/01/1985. Naquela terça-feira, há quase trinta anos reunia-se o Colégio Eleitoral, resquício derradeiro da ditadura. Numa televisão em preto e branco acompanhávamos voto a voto a escolha daqueles eleitores a quem coube escolher o destino do Brasil. Após proclamação do resultado, Tancredo Neves, eleito presidente da República, foi chamado à Mesa do Congresso de onde proferiu o seu discurso de união do país. Entre tantas coisas belas e esperançosas dizia: \«Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste País uma grande Nação. Vamos fazê-la.\»
O Brasil de hoje precisa mais que nunca destes ditos. Não podemos nos dispersar.
A vitória de Dilma Rousseff e o projeto facista de seu partido para o Brasil deve manter o país alerta e vigilante para que o pior não aconteça e as esperanças que ainda restam se dissipem.
A presidenta-candidata acaba de ser reeleita com uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos.
A considerar a campanha que fizeram deveriam se sentirem derrotados. Nunca na história deste país um governante usou e abusou de tantos métodos ilegais para se alcançar uma vitória sofrida, calcada na mentira, no ódio e na divisão do país.
Essa diferença pífia de votos é oriunda dos que sofreram a ameaça irresistível de perderem um ‘bolsa-família’ ou um outro programa social qualquer, conforme foram lembrados, reiteradamente, na campanha oficial.
Que liderança é essa que ameaça justamente as pessoas mais necessitadas do país?
Esse grupo, segundo informam, alcançam mais de 50 milhões de pessoas, um quarto da população, pessoas constrangidas a decidirem – ameaçadas que foram –, mais com a barriga que com a cabeça. Não recrimino nenhuma delas. São pessoas que mantidas numa situação de miséria, acham que esmolas significam avanço social.
Podemos dizer que a presidente-candidata teve quase a mesma quantidade de votos que as consciências compradas com o dinheiro público através dos benefícios que depositam mensalmente nas contas dos desvalidos.
Não consigo enxergar mérito nisso. Não consigo enxergar mérito numa vitória conseguida graças a um eleitorado cativo. E quando uso essa palavra é porque não existe outra mais adequada para definir os cidadãos votaram obrigados pelo medo. E foram uma grande parcela.
Durante a campanha a presidente-candidata fez questão de espalhar que a candidatura adversária era contra os pobres, contra o nordeste, contra as mulheres, que iria acabar com os programas sociais como o “Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, com o “Pronatec”, com o “Enem” e tudo mais que lhe pudesse vir a cabeça. Ao lado disso escapava de responder às indagações da sociedade sobre o lamaçal que subiu as rampas dos palácios e se alojou nos gabinetes presidenciais; dos seus amigos e correligionários que continuam assaltando os cofres públicos enquanto as instituições republicanas não os investigam, os denunciam, e os colocam para cumprir as penas impostas pela legislação penal.
Hoje o terrorismo derrotou o Brasil decente. Essa derrota não deve nos alquebrar, pelo contrário, deve nos fortalecer para continuar a luta.
Não, não podemos nos dispersar. Contabilizados os votos válidos, somos quase 51 milhões de brasileiros conscientes, que votaram sem medo e sem receio, unidos num único sentimento. O sentimento que é preciso mudar o Brasil. Que é preciso acabar com a aparelhamento do Estado; que é urgente acabar com a roubalheira; que necessário acabar com a infindável sucessão de escândalos que nos assombram todos dias quando abrimos os jornais ou ligamos o rádio, a televisão ou acessamos a rede mundial de computadores.
Não podemos nos dispersar porque temos a missão de livrar o país dos desmandos, da corrupção, da falta de medida…
Não podemos nos dispersar porque somos o que restou ao nosso país, a consciência cívica, os não que cederam aos encantos ou as chantagens do poder e dos favorecimentos.
Não somos direita.
Não somos tucanos;
Não somos ricos.
Somos brasileiros;
Somos trabalhadores, médicos, advogados, estudantes, donas de casa, empresários, operários;
Somos cidadãos dos campos e das cidades;
Somos decentes;
Somos os cansados da roubalheira;
Somos os cansados dos escândalos;
Somos os cansados do aparelhamento do Estado;
Somos os que clamam por desenvolvimento igualitário que alcance a todos e vá muito além das esmolas que dão aos pobres;
Somos o que não aceitam a política do ódio e divisionista que busca a secessão do país;
Por tudo isso, não vamos nos dispersar. O país, mais do que nunca, precisa de nós, não iremos fugir à luta.
Abdon Marinho é advogado.