AbdonMarinho - O JORNALISMO DA ESCATOLOGIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O JOR­NAL­ISMO DA ESCATOLOGIA.

O JOR­NAL­ISMO DA ESCATOLOGIA.

Escrevi outro dia o texto \\\«A ÉTICA E O JOR­NAL­ISMO DE TÉO PEREIRA”. Cheguei a pen­sar se as coisas pode­riam pio­rar no campo da mídia e das suas con­vergên­cias voltadas à infor­mação. Tais dúvi­das foram dis­si­padas logo em seguida. Sem­pre aparece alguém a escan­dalizar mais que o per­son­agem de ficção na vida real do Brasil, Maran­hão incluso.

Jor­nal­is­tas ou não, pes­soas que escrevem pre­cisam com­preen­der a respon­s­abil­i­dade que pos­suem ao levar uma infor­mação ou a difundir uma noti­cia, e, ainda, a relevân­cia da mesma. Coisas que qual­quer pes­soa com um mín­imo de bom senso é capaz de dis­tin­guir. Infe­liz­mente não fazem esse filtro.

Por estes dias três fatos dom­i­naram as pau­tas sujas. Não sei os detal­hes dos casos porque me recuso a clicar nas reporta­gens. É o meu protesto individual.

O primeiro dava conta que um estuprador mor­rera ao ser empal­ado. A imagem do indi­ví­duo foi para os blogues e de lá para as redes soci­ais através de inúmeros com­par­til­hamen­tos e tuítes, com dire­ito a foto para os curiosos e/​ou incau­tos seja con­duzindo ao blogue e aumente a audiên­cia do espetáculo escatológico.

O segundo dava conta de uma suposta relação sex­ual não con­sen­tida entre dois cidadãos. O cabeçalho do texto infor­mava que um deles aproveitando-​se do estado de embriaguez do outro teria cometido o ato abusivo.

O ter­ceiro episó­dio – e o mais duradouro –, se arrasta por conta de des­do­bra­men­tos sor­di­da­mente explo­rados num sadismo sem prece­dentes, narra e expõe o fato de um vereador de municí­pio qual­quer do Brasil ter sido fotografado enquanto man­tinha relações sex­u­ais com um outro cidadão, em um ban­heiro público.

As ima­gens do fato estão expostas em blogues, sites e nas redes soci­ais como se se tratasse de uma real­ity show, com as leg­en­das mais tene­brosas. Num sadismo sem prece­dentes, pas­saram a infor­mar que o vereador teria cometido suicí­dio por conta da exposição que sofr­era e depois – como a lamen­tar –, que a ten­ta­tiva de dar cabo à própria vida fra­cas­sara. Tudo isso, explo­rado nos mín­i­mos detal­hes capazes de causar inveja ao blogueiro retratado no fol­hetim global.

Como disse ante­ri­or­mente, não abri nen­huma das reporta­gens sobre os fatos nar­ra­dos. Estas infor­mações foram com­pi­ladas uni­ca­mente dos tex­tos que apare­cem no feed de noti­cias da rede social que tenho conta através de dezenas de com­par­til­hamen­tos, forçando até quem não quer ou não se inter­esse pela escat­olo­gia explicita que se tornou a mídia brasileira, deles não escapem.

Assim como eu, mil­hões de brasileiros, de todas as idades, sexo ou religião tomaram con­hec­i­mento destes fatos. Aos adul­tos que podem dis­tiguir ou for­mar um juízo de valor difer­en­ci­ado não digo nada, menos mal. Entre­tanto, o que dizer dos mil­hões de cri­anças, ado­les­centes e jovens que inter­agem com a inter­net e com as redes soci­ais como elas fos­sem exten­sões de suas próprias vidas? Que espé­cie de adul­tos esta­mos for­mando? Como fica a mente em for­mação destes jovens ao con­viverem com a vio­lên­cia, a exposição de vidas pes­soal de out­rem de forma tão explicita? Decerto que acharão que é nor­mal, que é assim mesmo, quando é.

Esta­mos vivendo o Ter­ceiro Milênio, uma era que deve pri­mar pelo respeito às liber­dades indi­vid­u­ais. As pes­soas devem apren­der a respeitarem as pes­soas e não a tratarem tudo com despu­do­rado relativismo.

Nos episó­dios nar­ra­dos, não há desre­speito ape­nas às pes­soas expostas ou as suas famílias, emb­ora isso esteja mais que pre­sente, o desre­speito maior é aos leitores e as famílias dos leitores, o desre­speito maior é à sociedade, como um todo. Fico imag­i­nando como fica um pai ou mãe de família tendo que explicar a uma cri­ança de 5, 6 ou 10 anos as ima­gens que apare­cem nos seus feed de noticias.

E tudo isso por que o cidadão que se inti­t­ula jor­nal­ista quer vender que pos­sui muitos aces­sos no seu blogue, site ou canal.

A solução para isso, não é a cen­sura prévia pro­posta pelo gov­erno, que dia sim e no outro também,flerta com o autori­tarismo. A solução é a sociedade repu­diar esse tipo de com­por­ta­mento, recusar-​se a aces­sar esse tipo de veículo de comu­ni­cação; é o Min­istério Público apu­rar e respon­s­abi­lizar os abu­sos cometi­dos, requerendo a apli­cação de mul­tas civis; são as víti­mas ou seus famil­iares bus­carem a reparação finan­ceira pro­por­cional ao agravo, con­forme pre­ceitua a Constituição.

Se lucram com a baixaria têm o dever de reparar os prejudicados.

Houve um tempo em São Luís em que ocor­riam muitos estupros de mul­heres. Essas víti­mas, tin­ham, talvez no estupro, o menor dos sofri­men­tos, pois sofriam nova­mente ao procu­rar uma poli­cia machista, onde eram tratadas com des­dém, como se fos­sem as cau­sado­ras e não as víti­mas da vio­lên­cia que sofr­era e de uma imprensa que, com acesso ao bole­tim de ocor­rên­cia, expunha a vítima, dando nome, endereço e car­ac­terís­ti­cas e muitas das vezes duvi­dando do fato nar­rado. Demorou para que apren­dessem a não fazer o certo nestes casos. Hoje quando acon­tece é como exceção e não como a regra de outrora.

O mesmo acon­tece agora com os exces­sos prat­i­ca­dos pela mídia con­ver­gente, que em busca de aces­sos, igno­ram todas as regras de respeito as pes­soas sobre as quais noti­ciam e a própria sociedade, des­ti­natária final do que chamam de trabalho.

A sociedade, através de seus mecan­is­mos, pre­cisa dar um basta nisso. Os jor­nal­is­tas sérios – exis­tem muitos ainda, acred­item – pre­cisam repu­diar de forma inques­tionável o com­por­ta­mento des­on­esto de seus fal­sos cole­gas, sob pena de virarem cúm­plices do desserviço que prestam e serem colo­ca­dos no mesmo bal­aio, e, as autori­dades, sobre­tudo, o Min­istério Público pre­cisa ficar atento ao seu papel de pro­te­tor dos inter­esses difu­sos, das cri­anças e dos adolescentes.

O Brasil que pre­cisa, cada vez mais, de um jor­nal­ismo sério, respon­sável e ciente de seu papel, não pode per­mi­tir que isso seja prej­u­di­cado por aque­les que só enx­ergam cifrões.

Abdon Mar­inho é advogado.