AbdonMarinho - IMPEACHMENT É GOLPE?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

IMPEACH­MENT É GOLPE?

IMPEACH­MENT É GOLPE?

A dis­cursão sobre um pos­sível processo de impeach­ment con­tra a pres­i­dente da República, Dilma Rouss­eff, tem divi­dido opiniões e gan­hado espaço na mídia nacional e inter­na­cional. Emb­ora tenha me man­tido silente sobre o tema (por achar pre­maturo o debate) acho que é hora de dizer o que penso. E, faço isso, com máx­imo cuidado e rigor téc­nico, de sorte a evi­tar qual­quer inter­pre­tação equivocada.

Deixo claro o entendi­mento que em questão de tamanha gravi­dade deve se enx­er­gar, em primeiro lugar, o inter­esse da lei e o for­t­alec­i­mento insti­tu­cional do país.

As hipóte­ses de crimes de respon­s­abil­i­dade de Pres­i­dente e Min­istros de Estado são trazi­das pela lei nº. 1079, que estabelece:

\«Art. 4º São crimes de respon­s­abil­i­dade os atos do Pres­i­dente da República que atentarem con­tra a Con­sti­tu­ição Fed­eral, e, espe­cial­mente, contra:

I — A existên­cia da União:

II — O livre exer­cí­cio do Poder Leg­isla­tivo, do Poder Judi­ciário e dos poderes con­sti­tu­cionais dos Estados;

III — O exer­cí­cio dos dire­itos políti­cos, indi­vid­u­ais e sociais:

IV — A segu­rança interna do país:

V — A pro­bidade na administração;

VI — A lei orçamentária;

VII — A guarda e o legal emprego dos din­heiros públicos;

VIII — O cumpri­mento das decisões judi­ciárias (Con­sti­tu­ição, artigo 89).”

Ora, ini­cial­mente, são crimes de respon­s­abil­i­dade os atos da Pres­i­dente da República que atentarem con­tra a Con­sti­tu­ição Fed­eral, neste caso, ter-​se-​ia que iden­ti­ficar algum ato que atente con­tra a Carta, o que me parece vago. A mesma coisa, entendo, não ser pos­sível provar que os atos de sua excelên­cia sejam aten­tatórios aos incisos I, II, III ou IV e ainda o VIII, este último, imposição con­sti­tu­cional desde 1988.

Se pas­sou ilesa pelo caput do dis­pos­i­tivo e por cinco de seus incisos, o mesmo não pode se dizer dos out­ros três: a pro­bidade na admin­is­tração; a lei orça­men­tária; a guarda e o legal emprego dos pin­heiros públicos.

Estes três com­por­tam uma serie de senões.

A cada dia que passa fica patente que a pres­i­dente da República, primeiro como min­is­tra de Minas e Ener­gia e pre­sciente do Con­selho de Admin­is­tração da Petro­bras; depois como min­is­tra da Casa Civil e depois como Pres­i­dente da República não tinha como igno­rar o mar de cor­rupção insta­l­ado na empresa e em diver­sas out­ras obras do país, prin­ci­pal­mente as obras do Pro­grama de Acel­er­ação do Cresci­mento — PAC, para qual foi indi­cada e apre­sen­tada como ger­ente, na estraté­gia de vir a ser a can­di­data nas eleições de 2010.

Os brasileiros acos­tu­ma­dos com histórias de “tran­coso”, con­tos da carochinha, mula sem cabeça e de Saci-​Pererê, dizem acred­i­tar – ao menos 68% deles – que a pres­i­dente tem, sim, culpa nos escân­da­los de cor­rupção na Petrobras.

Nos últi­mos 12 anos, tanto ela quanto seu ante­ces­sor abusaram da des­culpa do “eu não sabia”. Para os brasileiros, ao que parece, tal des­culpa não cola mais.

Como é pos­sível não saber de atos de cor­rupção que eram – pelo número de pes­soas e pelo vol­ume de recur­sos envolvi­dos –, do con­hec­i­mento de quase todos em Brasilia? Um pre­sciente, qual­quer um, não tem como saber das coisas pois pos­sui uma vasta rede de infor­mações. Será que a Agên­cia Brasileira de Infor­mações — ABIN, por seus inúmeros agentes e servi­dores, não infor­mou a pres­i­dente o que se pas­sava? Os demais órgãos de con­t­role interno, nem descon­fi­avam? Se é assim, mel­hor fechá-​los, man­dar todos para casa.

O segundo dis­pos­i­tivo capaz de gerar dis­cussão quanto a um pos­sível crime de respon­s­abil­i­dade diz respeito a lei orça­men­tária. Já trata­mos disso em texto ante­rior. Acon­tece o seguinte: o gov­erno, impos­si­bil­i­tado de cumprir as metas esta­b­ele­ci­das na lei orça­men­tária anual, sobre­tudo, as metas de superávit primário, encam­in­hou o PNL 36/​2014, com a final­i­dade alterar a lei e tornar mais flexível o cumpri­mento das metas. A ementa do PNL deixa clara a intenção: \«Altera a Lei nº 12.919, de 24 de dezem­bro de 2013, que dis­põe sobre as dire­trizes para a elab­o­ração e exe­cução da Lei Orça­men­tária de 2014\». Como disse no texto “Toma lá dá cá por decreto”, a medida é for­mal­mente defen­sável. A forma que não: o gov­erno, para garan­tir a aprovação da medida, inseriu através de decreto, van­ta­gens de caráter pes­soal aos con­gres­sis­tas, condi­cio­nou a lib­er­ação bil­hões de reais em emen­das a aprovação da alter­ação da lei orça­men­tária, em resumo, “com­prou\» a alter­ação. Há sim, vício no pro­jeto de alter­ação da lei e com isso não se tem como deixar de ques­tionar a vio­lação da lei orça­men­tária e o crime de respon­s­abil­i­dade decor­rente de tais vícios. Tanto a pres­i­dente quanto os min­istros envolvi­dos, podem e devem respon­der por eles.

O ter­ceiro e último dis­pos­i­tivo capaz de ense­jar a aber­tura de processo de impeach­ment, con­tra a pres­i­dente diz respeito “a guarda e o legal emprego dos din­heiros públi­cos”. Neste item não temos como nos afas­tar, ini­cial­mente, da com­pra da Refi­naria de Pasadena, no Texas, Esta­dos Unidos. A com­pra que o Tri­bunal de Con­tas da União já apon­tou como lesiva aos cofres públi­cos em quase 800 mil­hões de reais, con­tou com a par­tic­i­pação direta da Pres­i­dente da República, na condição de min­is­tra e de pres­i­dente do Con­selho de Admin­is­tração da Petro­bras, aprovou uma com­pra absur­da­mente lesiva ao patrimônio público. Em out­ras palavras a guarda e o legal emprego dos “din­heiros\» públi­cos foi violado.

E, con­forme avançam as inves­ti­gações, vão se rev­e­lando out­ros fatos e cir­cun­stân­cias, que demon­stram que tanto a guarda quanto o zelo dos “din­heiros” públi­cos deixaram de exi­s­tir. Sobre a Petro­bras, se disse que os preços dos serviços e obras sem lic­i­tações (prática comum em mais de 80% dos mes­mos, ape­sar de decisões reit­er­adas do TCU em sen­tido con­trário), que os val­ores eram infla­dos para que retor­nassem a diri­gentes da empresa e líderes políti­cos e par­tidários em forma de propina, pagas no Brasil e no estrangeiro. Ainda sobre o mesmo fato já foi dito que a pres­i­dente sabia, há cor­re­spondên­cia entre o dela­tor Paulo César da Costa com a então min­is­tra da Casa Civil, aler­tando e recomen­dando o que se dev­e­ria fazer.

Além da Petro­bras, começam a sur­gir em depoi­men­tos que essa – a prática nefasta da cor­rupção e da propina – era e é a rotina das obras públi­cas no Brasil.

Claro que para a aber­tura do processo de impeac­ment faz-​se necessário, em qual­quer dos itens apre­sen­ta­dos, a respon­s­abil­i­dade da pres­i­dente da República, o seu papel nas vio­lações dos dis­pos­i­tivos legais ou suas omissões.

Quando disse, no começo do texto que não havia tratado do tema, isso se deu porque, entendo, ser necessário mel­hor apu­ração, que com­prove o alcance da par­tic­i­pação de todos os envolvi­dos. O que se sabe até aqui é que os crimes cometi­dos foram inúmeros os val­ores envolvi­dos, superlativos.

Com­pro­vada a par­tic­i­pação de qual­quer que seja, min­istros ou da pres­i­dente, o processo de imped­i­mento é medida que se impõe. Não ter­e­mos como fugir: os se escolhe o Brasil ou a gov­er­nante. Já pas­samos pela situ­ação de aber­tura de cas­sação de um pres­i­dente, primeiro eleito após a ditadura, o Brasil pas­sou sem trau­mas pelo processo, não será agora, quando se espera que as insti­tu­ições este­jam mais maduras e for­t­ale­ci­das, que não pos­samos fazer o mesmo.

O impeach­ment, como dizia em 1992, é um instru­mento legí­timo da democ­ra­cia, basta que as insti­tu­ições fun­cionem como devem, golpe é ter­mos regras que se apli­cam con­forme os destinatários.

Abdon Mar­inho é advogado.