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CARTA A FLÁVIO DINO

Escrito por Abdon Mar­inho

CARTA A FLÁVIO DINO

São José de Riba­mar (MA), 05 de out­ubro de 2014.

Meu Caro Flávio,

Tomei a ini­cia­tiva de escrever-​te essa carta após assi­s­tir teu último pro­grama de tele­visão desta cam­panha que chega ao fim com a sua eleição.

Nele, chegava a sua casa cen­te­nas de car­tas dos maran­henses de todos os canto do estado e até de out­ras pla­gas. A leitura delas, entrecor­tadas com out­ras, falavam de son­hos e esper­anças. Não sei se aque­las car­tas exibidas no pro­grama eleitoral eram de ver­dade ou se era ape­nas um recurso de mar­ket­ing, no momento não importa. O que sei, e que não era nen­hum recurso da pro­pa­ganda, eram os olhos mare­ja­dos pelas lágri­mas de dezenas de cidadãos que apare­ce­ram no mesmo pro­grama. Aque­las pes­soas não eram atores, aque­las lágri­mas, aquela emoção era verdadeira.

Em nome daque­les cidadãos anôn­i­mos que deposi­taram toda a fé e esper­ança em você é que tam­bém escrevo essas sin­ge­las linhas.

Bem sei que terás grandes desafios para não decep­cionar aque­las pes­soas, sobre­tudo, as mais humildes, aque­las que enx­ergam na tua eleição a chance de mudarem de vida, se não para elas mes­mas, para os seus fil­hos e netos. Tor­nastes assim, o depositário de toda essa esper­ança, cre­dor de todos os son­hos. Essa que era para ser ape­nas uma eleição torno-​se o divi­sor de água de mil­hares de vidas.

Acred­ito que as pes­soas olharam para ti e sen­ti­ram que pode­riam con­fi­ram em tuas palavras, veja a imensa respon­s­abil­i­dade que tens. Se eras ape­nas mais um can­didato, deixou de ser para tor­naste o fanal de um povo.

O exer­cí­cio de um mandato não é fácil, são muitos inter­esses. A primeira coisa que te digo é que não tro­ques as tuas con­vicções por quais­quer con­veniên­cias. Não cedas, por um min­uto que seja, às palavras ado­ci­cadas dos adu­ladores e dos este­lion­atários que cer­cam o poder. Espero que saibas identificá-​los. Eles, ao fare­jarem uma pos­sível vitória, já começaram a se aprox­i­mar, com suas men­su­ras e inter­esses mesquin­hos, querendo abo­can­har um naco de poder para si. Ficas atento as gen­tilezas e aos favores que fitem prestar.

O seu slo­gan de cam­panha diz: “50 anos can­sou”. Essa é uma ver­dade. Mostre que não vais coon­es­tar com as vel­has práti­cas desde o começo. É aquilo que ensina o cabo­clo lá do meu sertão, por onde pas­sastes, “que se deve matar o galo no primeiro dia”, senão, ainda segundo ele, não funciona.

No seu caso, acred­ito, deves matar o galo até antes do primeiro dia, na escolha dos aux­il­iares. Lembra-​te, por mais que muitos aleguem tê-​lo aju­dado, não são eles os cre­dores da vitória. Essa é a vitória do povo cansado de tan­tos anos de um gov­erno de poucos e para poucos. Não começas por for­mar o teu gov­erno com aque­las pes­soas que antes de terem com­pro­misso com a causa pública, têm inter­esses pes­soais a serem sat­is­feitos. Repito: Não são difí­ceis de serem iden­ti­fi­ca­dos. São os mes­mos de sem­pre. Procuras te cer­car de bons con­sel­heiros, que não ten­ham receio de perder uma “boquinha\» no gov­erno caso diga algo que te desagrades. Procuras pes­soas que ten­ham nas ambição pes­soal o inter­esse de bem servir a comu­nidade, que antes de tudo acred­i­tam no grande poten­cial do estado e son­ham com um futuro mel­hor para ele.

Ao longo das décadas o que assis­ti­mos foi um pequeno grupo ficar rico, muito rico, mas o con­junto da sociedade ficando pobre. A riqueza que serve para ali­men­tar a pro­pa­ganda ofi­cial do gov­erno não chega a todos. O que chega são as esmo­las para man­ter parte da pop­u­lação cal­ada e resignada.

As opor­tu­nidades de tra­balho, em quase todas as áreas do estado, exis­tem para bem poucos, para os ami­gos e apanigua­dos. A eles tudo é dev­ido. Não importa a área do con­hec­i­mento ou tra­balho a ser desen­volvido, se rende alguma coisa, fica com a casta dos eleitos. Não tem que ser assim, não pode mais con­tin­uar assim. O ali­mento desde mod­elo é a cor­rupção enraizada em todo os poderes do Estado, que de tão pre­sente é recon­hecida por todos como algo nor­mal. Não é.

O gasto com a folha de pes­soal que com­pro­m­ete grande parcela do orça­mento do Maran­hão é con­sti­tuído por mil­hares de sinecuras per­pet­u­adas entre algu­mas famílias. Acred­ito que só aca­bando com elas, dando tra­balho a quem de fato, quer fazer algo rel­e­vante, e elim­i­nando os exces­sos, já se tem uma boa econo­mia. Muitos dos que estão nes­tas sinecuras, segundo dizem, sequer sabem onde é a sua lotação. Acred­ito que uma das primeiras medi­das a serem ado­tadas é recadas­tra­mento e uma reforma admin­is­tra­tiva que torne a máquina pública mais leve e funcional.

Deves ter espe­cial atenção com as obras públi­cas. Este é um setor onde faz muito tempo que deixa a dese­jar. Nos­sas obras são caras e mal feitas, basta ver as condições das estradas por onde pas­sastes. A fis­cal­iza­ção estatal não acom­panha a exe­cução das obras, como resul­tado, muitas vezes a obra se torna uma fonte ines­gotável da san­gria de recur­sos. Muitas, antes da inau­gu­ração, já care­cem de con­ser­tos e reparos. É necessário que estru­ture o setor de fis­cal­iza­ção e acom­pan­hamento, que se exija nos con­tratos clausu­las de dura­bil­i­dade e que se cobre isso com veemência.

O Maran­hão, informa a pro­pa­ganda ofi­cial, fes­teja mais um recorde na pro­dução de grãos. Comemora-​se que a nossa pro­dução chegou a dois por cento da pro­dução de grãos do Brasil. É um dado que não nos serve, nem como piada. Não aceitável que um estado com tan­tos recur­sos hídri­cos, tão extenso, com tan­tas áreas agricultáveis pro­duza tão pouco. Não sei sabes, ao longo dos anos foi destruída a assistên­cia téc­nica ao homem do campo. Isso, ali­ado a uma política pre­datória de assis­ten­cial­ismo tem pro­duzido, não pro­du­tos agrí­co­las, mas homens preguiçosos, cidadãos que entra dia sai dia, vivendo de esmo­las. O Maran­hão não pode con­tin­uar a ser uma terra onde a maio­ria da pop­u­lação viva de esmo­las. Meu pai, com sua sabedo­ria de anal­fa­beto, cos­tu­mava dizer que esmo­las só eram dev­i­das a quem não tinha condições de tra­bal­har, aos que eram cegos ou alei­ja­dos. Hoje, a esmola é dev­ida a todos, é a primeira opção do cidadão. Pre­cisamos devolver ao homem o amor pelo tra­balho, à sat­is­fação de gan­har o próprio sus­tento, a não depen­der ninguém, a ser livre. Essa é a palavra, pre­cisamos devolver ao homem a sua liber­dade cidadã.

A segu­rança tornou-​se um dos maiores desafios. O Maran­hão tornou-​se motivo de piada para os seus con­ci­dadãos e além-​fronteiras, todos dizendo que o poder estatal mudou do Palá­cio dos Leões para a pen­i­ten­ciária de Pedrin­has. Ë necessário que se resta­beleça ordem nesse caos, que se mostre que o estado não capit­ula diante do crime e que as famílias poderão ter segu­rança para sair às ruas. É pos­sível com­bater o crime, out­ros países com­bat­eram e vence­ram essa guerra. A falta de políti­cas soci­ais não é des­culpa para que se passé a mão em cabeça de ban­dido, em detri­mento da sociedade.

Acred­ito que tudo começa com a edu­cação. Esse é um desafio sério. Não passa um ano em que os indi­cadores soci­ais não apre­sen­tem os dados da nossa edu­cação como des­fa­voráveis. As difi­cul­dades são de toda ordem, esco­las sem condições, pro­fes­sores desmo­ti­va­dos, fora de suas dis­ci­plinas, a vio­lên­cia den­tro de seus muros. Grande parte dos pro­fes­sores da rede estad­ual são remanes­centes do gov­erno Castelo. Não se aposen­taram ainda porque não tiveram garan­ti­das suas pro­gressões. Minha sug­estão é faças, no curso do recadas­tra­mento, um lev­an­ta­mento cri­te­rioso disso. Após, faça con­curso, garanta as pro­moções e aposente esses pro­fes­sores. Aos que ficarem e aos novos, cobre resul­ta­dos. Sugiro, ainda, que veja algu­mas medi­das exi­tosas em alguns municí­pios, alie-​se a elas e as amplie para o resto do estado. Somando-​se a isso, com as esco­las evoluindo junto com as avanços tec­nológi­cos, ire­mos sair das últi­mas posições.

Na saúde deves man­ter a rede que está feita ampliando-​a para os demais municí­pios que não foram con­tem­pla­dos, organizando-​a para fun­cione no Sis­tema Único de Saúde — SUS, junto a isso deves se voltar para a pre­venção de doenças, com sanea­mento básico. A maio­ria dos nos­sos municí­pios não tem um palmo de rede esgoto, tudo que pro­duzem vão para fos­sas, quando não para os rios. Até mesmo na cap­i­tal do estado é essa a prática mais comum. A Ilha de São Luís, out­rora tão rica em recur­sos hídri­cos, não pos­sui mais um rio que esteja con­t­a­m­i­nado por esgoto. É urgente que se enfrente esse prob­lema, que se con­siga aliar o cresci­mento urbano com a preser­vação do meio ambi­ente. Não é por que pre­cisamos de um con­domínio que deve­mos matar o rio.

Ainda na saúde, deves bus­car junto ao Min­istério da Saúde, a per capita/​paciente que é dev­ida aos pacientes maran­henses e que atual­mente está R$ 50,00 (cinquenta reais) abaixo da média. Os recur­sos dessa per capita/​paciente aju­dará em muito na manutenção dos hos­pi­tais da rede pública.

Muitos são os assun­tos a serem trata­dos. Tan­tos, que uma carta não seria sufi­ciente. Mas tem um que não posso deixar de tratar nessa mis­siva: A corrupção.

Ao longo dos anos, a hon­esti­dade tem sido tratada como qual­i­dade, como um difer­en­cial. Não é, a hon­esti­dade é dever de todos, sobre­tudo dos gov­er­nantes, daque­les que tem sob sua respon­s­abil­i­dade a guarda dos recur­sos públi­cos. Deves ficar atento a isso já na for­mação do gov­erno. Escol­her pes­soas que não pensem ser a hon­esti­dade uma qual­i­dade e sim dever, que tratem o recurso público com zelo, que enten­dam as neces­si­dades do estado e do povo e a importân­cia de econ­o­mizar cada cen­tavo. Ainda assim deves ter o cuidado de escol­her den­tre esses, os que sejam fortes de per­son­al­i­dade, que não se deixem deslum­brar pelos fal­sos encan­tos do poder e que não sejam covardes, traidores ou pusilân­imes. Façam com enten­dam que nada mais são que servi­dores públi­cos, e com uma desvan­tagem em relação aos de car­reira, pois já vêm com prazo de validade.

Encerro esta carta por aqui, dese­jando, de todo coração, que ten­has sucesso nesta nova empre­itada, que con­si­gas devolver a esper­ança que desde muito foi reti­rada do nosso povo, o seu amor próprio e a certeza que podemos ter um futuro difer­ente e melhor.

Esta colo­cação me remete nova­mente aos olhos mare­ja­dos e as lágri­mas que vi ver­tidas em seu último pro­grama. Lágri­mas que só entendi o sig­nifi­cado depois de uma vez que há muito tempo não as via, pois eram,ca aque­las, lágri­mas de esperança.

Aten­ciosa­mente,

Abdon Mar­inho.

UMA PRECE POR BERNARDO.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA PRECE POR BERNARDO.

Já escrevi aqui sobre o assas­si­nato do menino Bernardo Uglione (omito delib­er­ada­mente o sobrenome do pai). Já naquela época, por ocasião da pás­coa, o crime tinha todos os ingre­di­entes para entra na gale­ria das bar­bari­dades con­tra inde­fe­sos. Essas bar­bari­dades que acon­te­cem quase todos os dias e que de tão fre­quentes já inco­modam pouco.

Hoje, com divul­gação de uma série de vídeos mostrando a rotina den­tro da casa em que viveu seus últi­mos anos, uma espé­cie de man­são dos hor­rores, podemos chegar perto de dimen­sionar todas as tor­turas, físi­cas e psi­cológ­i­cas de que foi vítima. Pai e madrasta, pelo que podemos perce­ber dos vídeos, até agora só os de 2013, mostram que os dois destruíram a cri­ança psi­co­logi­ca­mente. Imag­inem para um menino de 10 anos ter o pai dizendo que a mãe que come­tera suicí­dio (?), na ver­dade o aban­donara, o deixara no mato – nas palavras do pai –, e que por isso tinha pena dele. E essa deve ter sido a menor da tor­tura, já feita quando a cri­ança tinha 10 anos. Num outro momento, enquanto dopam a cri­ança e o pai fala numa dosagem de 20 gotas, a madrasta diz para aplicar 60 gotas. Vejam, são 40 gotas de difer­ença entre uma sug­estão e outra.

O crime em si, nada rep­re­senta, em matéria de per­ver­si­dade, ao que pai e madrasta, já vin­ham fazendo com essa cri­ança desde que a mãe mor­reu. É algo assus­ta­dor, apavorante.

Quando a sua mãe mor­reu em 2010, Bernardo tinha de 6 anos, pas­sou a ser cri­ado por dois loucos, sem noção e dom­i­na­dos pela mal­dade. Nos vídeos, que com inco­mum sadismo, gravaram, segundo os meios de comu­ni­cação, para mostrarem pos­te­ri­or­mente o com­por­ta­mento da cri­ança, é a prova cabal de toda a tor­tura psi­cológ­ica a que a mesma fora sub­metida pelos dois. Não se tratava ape­nas de neg­ligên­cia, falta de atenção ou maus-​tratos, trata-​se de desamor, ódio, a imposição à cri­ança de que ela não era querida por nen­hum dos dois, tratando-​a como intrusa e a levando a situ­ações limites.

Os mais sábios que eu, já diziam que a pior sen­sação que pode acon­te­cer com qual­quer ser humano, de qual­quer idade, é a de não ser querido. Você impor essa sen­sação a uma cri­ança, por anos a fios, desde os seis anos de idade é algo absurdo. A situ­ação torna-​se ainda mais per­versa quando essa imposição é feita a um órfão. Quando uma cri­ança perde a mãe na idade em que Bernardo perdeu a sua – digo isso com con­hec­i­mento de causa –, ela passa a se sen­tir deslo­cada em qual­quer lugar, a sua própria casa é como se não fosse mais sua, é como se virasse um intruso no ambi­ente que antes era seu, fica sem uma refer­ên­cia segura. Por isso mesmo, os órfãos pre­cisam de mais atenção, de mais car­inho, de sen­ti­men­tos que os façam con­viver ou tornar menos penosa a imensa perda. Se você tem uma família cuidando da cri­ança, fazendo-​a se sen­tir querida, o sen­ti­mento de aban­dono se torna mais suportável, jamais superável. Acho que psicól­ogo algum con­segue dimen­sionar seu alcance.

No caso de Bernardo, deu-​se jus­ta­mente o con­trário do que era esper­ado. Ele não encon­trou essa for­t­aleza em quem dev­e­ria encon­trar, pior que isso, a refer­ên­cia que podia ter no pai nunca exis­tiu pois esse era, na ver­dade, o seu prin­ci­pal algoz. As tor­turas a que o sub­me­tiam – e vemos isso clara­mente nos vídeos –, eram, acred­ito, para forçá-​lo ao suicí­dio, fazê-​lo deses­perar a tal ponto a só restar o cam­inho de tirar a própria vida. Con­seguiriam se a pressa em livrar da cri­ança não tivesse fal­ado primeiro.

Os depoi­men­tos de ami­gos, inclu­sive do casal que o acol­hia, mostram que ele era amável, car­in­hoso com todos. Muito difer­ente da cri­ança que mostram com um facão na mão ameaçando o pai. Vejam o grau de tor­tura psi­cológ­ica e, talvez, provo­cada por medica­men­tos, a que o estavam sub­me­tendo. Uma reação vio­lenta, prin­ci­pal­mente con­tra um pai, não corre do nada vinda de uma cri­ança. O que faziam com ele antes de começarem a gravar seus hor­ren­dos vídeos domés­ti­cos? A que nível o estavam tor­tu­rando? Quan­tas provo­cações foram feitas antes? Será que alguém duvida que faziam um tra­balho sis­temático para provo­car no menino o grau de deses­pero que ele exibe nos vídeos? Será que duvi­dam que ten­tavam levá-​lo à lou­cura e/​ou ao suicí­dio de forma con­sciente? Claro que não, tanto que quando deram cabo à vida do menino trataram de apa­gar os vídeos dos celulares.

O tipo de com­por­ta­mento que dis­pen­saram a cri­ança não é encon­trado nem entre os ani­mais ditos irra­cionais. Entre eles, vemos, em muitas espé­cies, que órfãos encon­tram pro­teção e apoio do resto da man­ada. Muitas vezes se ver até adoções entre espé­cies distintas.

Histórias de madras­tas más povoam a mente das pes­soas desde sem­pre, desde a infân­cia mais tenra. A história do menino Bernardo não é uma delas. A madrasta pode até ter apli­cado a injeção letal, como já con­fes­sou a cúm­plice, e não sua lou­cura pre­cip­i­tado os acon­tec­i­mento. Entre­tanto, não resta a menor dúvida de que neste enredo tétrico, que nem os mais cria­tivos autores do gênero foram capazes de engen­drar, que o pai é o ator prin­ci­pal. Ele não ape­nas um pai ausente que deix­ava e se omi­tia diante do trata­mento dis­pen­sado pela esposa ao filho órfão, frágil, neces­si­tando dele mais que nunca, ele tinha as par­tic­i­pações mais ati­vas nas tor­turas a que sub­me­tiam o seu próprio filho. Abso­lu­ta­mente indigno de ser chamado de pai. E, ape­sar disso, de toda a mon­tru­osi­dade, o filho o amava. Nos depoi­men­tos dos viz­in­hos percebe-​se que ele só falava das brigas com a madrasta, ocul­tando toda a tor­tura a que o pai o sub­me­tia. Talvez não se desse conta da própria tor­tura que sofria por parte do pai. E que era ele, o pai, o prin­ci­pal respon­sável por todo o seu sofri­mento e desespero.

O martírio que esse menino foi sub­metido desde que ficou órfão é digno da con­ster­nação de qual­quer pes­soa que tenha um mín­imo de sen­ti­mento. Merece, que em seu nome, façamos uma prece.

Abdon Mar­inho é advogado.

CEM DIAS DE VEXAME.

Escrito por Abdon Mar­inho

CEM DIAS DE VEXAME.

Chega a cem dias a greve dos servi­dores do mag­istério de São Luís. Cem dias com estu­dantes fora da sala de aula. Pode­ria se dizer que são cem dias, sem aula, sem justiça, sem autori­dade, sem bom-​senso.

O sindi­cato do pro­fes­sores chamou para 28/​08, uma assem­bleia geral da cat­e­go­ria para dis­cu­tir a pro­posta da prefeitura, o fim do movi­mento pare­dista, des­fil­i­ação de enti­dade de classe. Segundo informa o edi­tal a dita reunião ocor­re­ria na praça em frente ao Palá­cio La Ravardière, sede da prefeitura. A razão para que a reunião ocorra em tal ambi­ente é a ocu­pação do pré­dio público pelos mestres, alguns acor­renta­dos. A falta de notí­cias sobre a reunião leva a pen­sar que ainda não chegaram a uma solução para o impasse.

Inde­pen­dente do resul­tado, fim ou não do movi­mento, essa é uma batalha sem vence­dores, uma guerra de der­ro­ta­dos, con­forme mostraremos a seguir.

Os pro­fes­sores saem der­ro­ta­dos na medida em que par­al­is­aram as ativi­dades em maio com uma pauta com inúmeras reivin­di­cações, entre elas um rea­juste salar­ial de 20% (vinte por cento) e, após, cem dias saem com algo em torno de 6% (seis por cento), o máx­imo que o municí­pio pode oferecer.

A admin­is­tração munic­i­pal saí igual­mente der­ro­tada. Disse que não podia ir além de 3% (três por cento), rea­juste que fez os vereadores aprovarem para o con­junto de servi­dores e agora surge com quase o dobro da pro­posta ante­ri­or­mente apre­sen­tada. Se sabiam que podiam ir além dos três, por que só agora, cem dias depois, apre­senta mais esse per­centual? De onde saiu o recurso? Que despe­sas tiveram que cortar?

Veja, foi com o argu­mento que estavam no lim­ite, den­tre out­ros, acred­ito, que con­seguiram con­vencer o judi­ciário a dec­re­tar a ile­gal­i­dade da greve.

Não fazia e não faz o menor sen­tido que uma greve que a justiça con­siderou ile­gal con­tinue sem que o poder público adote qual­quer providên­cia. Sem cor­tar o ponto dos servi­dores que desafiem a decisão judi­cial e sem pro­mover a aber­tura dos proces­sos admin­is­tra­tivos com vis­tas a demis­são dos servi­dores gre­vis­tas. Mais que isso, que prossiga nas nego­ci­ações com os ile­gais. O gestor, difer­ente do que afir­mam os gre­vis­tas, não está sendo intran­si­gente, ele está sendo leniente. Parece acometido daquele mal que infesta as admin­is­trações públi­cas no Brasil: Todo mundo quer ser bonz­inho, ninguém quer assumir o ónus de tomar as medi­das impop­u­lares con­tra os out­ros, sobre­tudo con­tra uma grande categoria.

Estranho que esse tipo de coisa acon­teça. Se era para o gestores e gre­vis­tas igno­rarem a decisão judi­cial por qual razão foram bater às por­tas do Poder Judi­ciário? Ora, o papel do judi­ciário é dirimir con­fli­tos entre partes, dizer quem está certo e quem está errado. Foi por isso que foram bus­car a prestação juris­di­cional. Con­seguem a man­i­fes­tação da justiça em suas diver­sas instân­cias e con­tin­uam como se nada tivesse acontecido?

Se ati­tude do sindi­cado em per­si­s­tir com o movi­mento após a dec­re­tação de ile­gal­i­dade é um desafio a autori­dade do tri­bunal o mesmo ocorre com relação a admin­is­tração que busca o socorro do Estado/​Juiz e ao obtê-​lo, passa a igno­rar a solução, con­tinua a nego­ciar, não toma as medi­das cabíveis con­tra os recalcitrantes.

Se a intenção da admin­is­tração era nego­ciar a exaustão por meses a fio até con­vencer o sindi­cato que os seus números estavam certo, não dev­e­riam ocu­par a justiça antes da hora. A decisão judi­cial põe – ao menos dev­e­ria por – termo a qual­quer con­tro­vér­sia. Ao prosseguirem com as nego­ci­ações após a man­i­fes­tação da justiça, inclu­sive ofer­endo van­ta­gens que disse antes não poder, igno­rando a decisão ou, pior, enganando o corte.

Assim, a greve, tam­bém, der­rota o Poder Judi­ciário que tem suas decisões desre­speitadas pelos dois lados. Pelo municí­pio que não teve cor­agem de fazer valer a decisão e pelos gre­vis­tas que sim­ples­mente a igno­ram. As con­se­quên­cias futuras desta der­rota do judi­ciário serão sen­ti­das em deman­das futuras. Se todos igno­ram a decisão judi­cial e não acon­tece nada, o que impede que quais­quer out­ros façam o mesmo?

Uma par­al­isação tida por ile­gal dev­e­ria ter como sen­tido lógico a sus­pen­são das nego­ci­ações, o corte dos paga­men­tos, a aber­tura dos proces­sos com vis­tas as demis­sões ao invés disso, a admin­is­tração, fazendo pouco caso da decisão que perseguiu, con­tinua como se nada tivesse acon­te­cido. Esque­cem, todos, gestores e sindi­cal­is­tas, que há uma decisão judi­cial sendo desre­speitada. O Estado Democrático de Dire­ito sendo vio­lado. A bagunça é tamanha que o Min­istério Público, o fis­cal da lei, faz a inter­me­di­ação das nego­ci­ações que afrontam decisão da justiça e fica tudo por isso mesmo. Não dev­e­riam está exigindo punição aos que desre­speitam a decisão judicial?

Dirão que todos os envolvi­dos estão toma­dos das mel­hores das intenções. O prob­lema é que de bem-​intencionados …

As víti­mas deste impasse – em última análise, os maiores der­ro­ta­dos –, são as cri­anças que cor­rem o risco de perder o ano letivo e que pare­cem não con­tar com a sol­i­dariedade de ninguém, nem dos seus pro­fes­sores, nem dos seus admin­istradores. Con­tin­uarão com esse impasse até quando? Quem pagará os pre­juí­zos que essas cri­anças estão sofrendo?

As cri­anças são os der­ro­tadas silen­ciosas, todos fazem ouvi­dos moucos as suas necessidades.

A edu­cação não pode ser tratada como uma questão menor. Cem dias é metade do ano letivo. O apren­dizado destas cri­anças, no tempo que resta, está com­pro­metido, elas não terão mais como cumprir o cal­endário, e se cumprirem será com atro­pe­los, com duvi­dosa capaci­dade de absorção do con­teúdo. Mas este é um prob­lema que passa longe das pre­ocu­pações de gre­vis­tas, da admin­is­tração, dos con­sel­hos tute­lares e do min­istério público.

Sem fazer pros­elit­ismo político, deve­mos inda­gar se a situ­ação estaria insolúvel se se tratasse das esco­las dos ricos? Decerto que não.

Se essa é uma guerra de der­ro­ta­dos, isso se dá porque todos os envolvi­dos, a exceção das cri­anças, estão erra­dos. Caso encer­rem já a greve por estes dias, ver­e­mos todos se cumpri­men­tando como se nada tivesse acon­te­cido, posando para as fotos e bus­cando div­i­den­dos políti­cos. As víti­mas? Que se lixem.

Abdon Mar­inho é advogado.