O JULGAMENTO DE LULA: PESAR E JÚBILO.
Por Abdon Marinho.
MEU primeiro voto para presidente da República foi em Lula. Na verdade os dois: primeiro e segundo turnos, lá em 1989.
Eram tempos de grandes esperanças e ilusões. Adolescentes, sonhávamos com a mítica de um operário no poder. Mais do que o fato em si, o significado.
Aquele sonho foi nos tirado pela vitória do senhor Fernando Collor de Melo, que veio a ser o primeiro presidente eleito pelo povo após o régime de exceção.
Continuamos a insistir no sonho de vermos o operário virar presidente até 2002. Embora o tal operário já não fosse tão operário desde muito tempo. Mas acreditávamos no sonho. Fazia parte da mítica.
Logo depois da eleição de Lula, em 2002, vi que não era aquilo que sonhávamos. O Lula que no discurso de posse se comprometerá a incansável luta contra a corrupção, se deixara seduzir por seus encantos e fizera da prática um instrumento de poder.
A confirmação da sentença de primeiro grau do ex-presidente prova que estava certo.
Passaram-se menos de trinta anos desde a esperança acalentada naquele primeiro pleito até as palavras cortantes nos chamando à realidade e foram ditas por pessoas da mesma idade que eu ou, talvez, mais jovens e que talvez tenha tido os mesmos sonhos daquele final dos anos oitenta.
O senhor procurador atuando no TRF 4, foi contundente: “lamentavelmente, Lula se corrompeu”, disse no início do julgamento. Antes, porém, fazendo questão de asseverar que qualquer que fosse a decisão da corte, estaria se fazendo justiça.
Já na quadra final da sessão de julgamento foi a vez do desembargador Victor Laus assentar: “Ou seja, em algum momento alguém perdeu o rumo das coisas e passou a se confundir, passou a não compreender as suas atribuições. Ou seja, me refiro ao ex-presidente, naturalmente. Ou seja, Sua Excelência, em algum momento, perdeu o rumo, a verdade era essa. Ele passou a confundir as suas atribuições de primeiro mandatário desse país talvez com aquelas que, no passado, lhe conferiam a presidência da agremiação partidária”.
Logo depois da sessão alguns amigos ligaram ou mandaram mensagens, indagando minha opinião sobre o julgamento.
Inicialmente, como já disse noutras oportunidades: o infortúnio de ninguém me traz júbilo.
Em relação ao ex-presidente Lula, confesso, me trouxe um profundo pesar, especialmente por toda essa história. Temos um cidadão que, em menos de 15 anos, deixou de encarnar um sentimento de esperança – quando se elegeu, em 2002, tinha o apoio de mais de setenta por cento da população –, para virar um condenado. Pior, um condenado por corrupção. E, outras condenações virão. É fato.
“Lamentavelmente, Lula se corrompeu”, “sua excelência, em algum momento, perdeu o rumo”.
A dureza da primeira assertiva ou a educação contida da segunda, traduzem o mesmo significado: o sonho, infelizmente, era uma farsa, os governos instaurado a partir de 2003, de Lula e Dilma, sob o verniz de governos populares e dedicados aos pobres, foi campo fértil aos mais horrendos esquemas de corrupção de que se tem notícia na história da humanidade.
Não temos como contornar essa verdade.
Diferente do que dizem, não estamos diante perseguições ao ex-presidente Lula, ou a esquerda de maneira geral, ou diante de um complô dos financistas internacionais com as elites brasileiras contra os interesses nacionais, o que apura, e se comprova, para o nosso desalento, são graves crimes comuns, cometidos por quem não tinha o direito de cometê-los.
Nos textos que escrevi sobre a condenação, em especial “Luís Inácio, 71, Condenado” e “A Democracia e o Julgamento”, deixei claro que achava a sentença do juiz Moro bem posta e que ter-se-ia muito trabalho para sua desconstrução, ressalvando, entretanto, desconhecer o conteúdo das provas que a sustentava.
Durante o julgamento no Tribunal Regional da Quarta Região – TRF4, nas quase 9 horas, os senhores desembargadores da Oitava Turma, além de elogiar o trabalho feito pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal, bem como, pelo Juiz Moro, na confecção da sentença, tiveram o trabalho de descortinar as provas contidas nos autos e o cotejamento entre as mesmas e os fatos a embasarem a condenação. Só o voto do relator, segundo soube, tem mais de 400 laudas, é só o resumo demonstra ser um trabalho primoroso e de fôlego.
Se não me é falha a memória, mais de um dos senhores desembargadores federais, assentou que as provas contidas nos autos estavam “bem acima de qualquer dúvida razoável”.
Diante do que assistimos no julgamento, com a exposição farta das provas – não uma prova isolada, mas um conjunto de provas: recibos, projetos, e-mails, depoimentos, contratos rasurados, etc. –, soa pueril, ou como desculpa esfarrapada, o clamor dos militantes e seguidores do petista de que o processo que o condenou o ex-presidente carece de provas.
Ora, com o julgamento na instância superior já são quatro magistrados a atestarem a regularidade e robustez do acervo probatório sendo descabido ficarem esses “meninos” – meninos na meninice, na idade há muito deixaram de sê-los –, bradando contra a “falta de provas”.
O que querem como prova? A caso, como o estupendo personagem Pedro Pedreira – interpretação magistral de Francisco Milani, na Escolinha do Professor Raimundo –, querem que a Justiça, para condenar o ex-presidente, exiba o recibo de corrupção registrado em cartório, com firma reconhecida de duas testemunhas?
Aliás, tal qual o personagem – que não admitia uma opinião divergente da sua –, clamam unicamente por esta prova: a escritura pública do imóvel em nome do ex-presidente, como se essa ausência, em si na fizesse parte do crime.
Na visão destes militantes de nada servem todas as demais provas, nem mesmo as dezenas de depoimentos e confissão do proprietário da empresa que assumiu a construção dos imóveis da famosa “arapuca” da BANCOP, de que a unidade em questão estava, desde sempre, reservada ao ex-presidente e que as reformas, adaptação e mobiliário foram repassados como propina.
A exigência descabida, os ataques injustificáveis à Justiça, não passam de cortina de fumaça, uma vã tentativa de politizar um debate essencialmente jurídico.
A falsa polêmica, acredito, seja fruto da consciência de que outras condenações ainda virão, por isso mesmo tentaram – e vão continuar tentando por todos os meios e formas –, imprimir o ritmo e a concepção do partido ao que seja Justiça. É o que lhes resta.
Não duvido que almejem uma justiça como a venezuelana, a cubana ou a norte-coreana, sempre dispostas a atenderem aos interesses dos seus regimes.
Finalizo dizendo: se por um lado a confirmação da condenação do senhor Lula me causou pesar e consternação – pelas razões expostas acima –, por outro, os cidadãos de bem, não podemos deixar de externar o contentamento em ver a Justiça e, pode se dizer, as instituições do Estado brasileiro, funcionando e não se deixando constranger pelos ataques e ameaças das maltas partidárias.
Com singular clareza, educação e discrição, os desembargadores do TRF4 disseram estarem julgando fatos e não pessoas, acabando por produzir – para o bem da nação –, uma nova história.
Não temos dúvidas que muito ainda precisamos fazer para alcançarmos um Judiciário que sirva ao interesse público e a sociedade, entretanto, já avançamos bastante e no rumo certo.
São milhões de brasileiros que morrem por falta de assistência médica, que padecem da ignorância, que sofrem com a falta de infraestrutura, enquanto os recursos públicos são desviados para poucos aquinhoados que fazem fortunas enquanto exercem mandatos ou ocupam cargos nos escalões da República.
O julgamento de um ex-presidente da República e de tantos outros, outrora, poderosos, que já foram, e que ainda serão, condenados por corrupção e outros crimes contra o patrimônio público e contra a própria sociedade, são sinais alvissareiros, desta mudança, para melhor, no Brasil.
Abdon Marinho é advogado.
O JULGAMENTO DE LULA: PESAR E JÚBILO.
Escrito por Abdon Marinho
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