AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

A POLI­TI­ZA­ÇÃO DA DESGRAÇA.

Escrito por Abdon Mar­inho

A POLI­TI­ZA­ÇÃO DA DES­GRAÇA.
Por Abdon Mar­inho.
QUANDO nos tor­namos seres indifer­entes à quais­quer sen­ti­men­tos e movi­dos, uni­ca­mente, pelos inter­esses de cunho político-​ideológicos?
Nesta madru­gada, logo que acordei, foi este o pen­sa­mento que me assaltou. Refle­tia sobre o grau de poli­ti­za­ção que tomou de conta do assas­si­nato e inves­ti­gação da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro.
O que vejo, com estu­pe­fação, são os dois lados, o que se auto­de­nom­ina esquerda e o que se auto­de­nom­ina dire­ita, ten­tando tirar alguma van­tagem de um crime bár­baro.
O primeiro grupo ten­tando colo­car na costa do gov­erno a respon­s­abil­i­dade pelo homicí­dio (coloco no sin­gu­lar por razões que expli­carei depois) – inclu­sive na costa do próprio Temer, como se o man­datário maior da nação estivesse encomen­dando o aten­tado – trans­for­mando o velório da morta numa espé­cie de comí­cio ante­ci­pado das eleições de out­ubro, com dire­ito a vaias e a palavras de ordem: –– Fora Temer! Fora Temer! Abaixo a inter­venção!
Ora, estavam em um velório e não num comí­cio. Pior que fazer comí­cio em velório só mesmo a tor­cida sec­reta (não tão sec­reta assim) para que alguns, desajus­ta­dos da poli­cia este­jam por detrás do crime. Como se o desejo de trans­for­mar tal homicí­dio em um crime de Estado fosse maior que a dor da perda.
O com­por­ta­mento indifer­ente ao perec­i­mento da vida humana, ao meu sen­tir, é como colo­car a “ban­deira” do enfrenta­mento político numa posição de maior destaque que o assas­si­nado em si.
A visível colo­cação da ban­deira política à frente da vida humana per­dida levou um cidadão a fazer uma piada de gosto duvi­doso, disse ele: “Esta­mos diante de um novo tipo penal, um “comicí­dio», a mis­tura de comí­cio com homicí­dio”.
A coisa mais impor­tante da humanidade é … a vida. Um amigo, aliás, cos­tuma dizer que o dire­ito à vida pre­cede todos os demais, até porque, sem vida não há como usufruir dos demais.
Na explo­ração política da morte da vereadora esque­ce­ram da vida, do quanto ela se sobrepõe às ban­deiras políti­cas.
A ação crim­i­nosa que ceifou a vida da vereadora, ceifou, tam­bém, a vida o motorista Ander­son Gomes. Não só isso, é bem bem pos­sível que os mes­mos pro­jéteis que tiraram a vida da vereadora ten­ham tirado a vida do motorista – que estava ali fazendo um “bico«para mel­ho­rar a renda famil­iar.
O trata­mento dis­pen­sado ao cidadão Ander­son Gomes, vitima no mesmo aten­tado, atingido, provavel­mente, pelos mes­mos tiros, aquilata bem o nível de respeito que se dis­pensa a vida humana: uma vida vira ban­deira, sím­bolo, a outra um numero na estatís­tica dos homicí­dios car­i­o­cas.
Por que a dis­tinção se foram duas vidas que pere­ce­ram? Uma, acaso, tinha mais valia que a outra? Não, de forma alguma. A difer­ença é que uma serve ao pros­elit­ismo politico, a outra, ape­nas como estatís­tica.
Na mesma noite em que o aten­tado viti­mou a vereadora Marielle Franco e o motorista Ander­son Gomes, um pai de família tam­bém tombou, apan­hado em meio a uma troca de tiros entre ban­di­dos e poli­ci­ais.
Um fato torna mais dramática a sua morte: ela ocor­reu na frente do filho, uma cri­ança, que, cer­ta­mente, con­viverá com esse trauma pelo resto da vida.
E, ape­sar da cru­el­dade de sua morte, a mídia, afora os pro­grama poli­ciale­scos, não lhe deram grande destaque, tombou, prati­ca­mente, anôn­imo, como aliás tombam mil­hares de brasileiros todos os anos, ape­nas mais um a engrossar os números da vio­lên­cia.
E, para ficar no campo das estatís­ti­cas, no mesmo dia do aten­tando que ceifou a vida da vereadora e seu motorista, tombou, vitima do crime orga­ni­zado, o trigésimo quarto poli­cial mil­i­tar no Rio de Janeiro, só este ano, o que nos leva a pen­sar que man­tido este ritmo, o mor­ticínio de poli­ci­ais mil­itares super­ará as mais de cento e trinta víti­mas do ano de 2017, ape­nas no Rio de Janeiro.
Pois bem, se de um lado a chamada esquerda brasileira – que con­hecia a vitima, que tinha afinidade com seus pen­sa­men­tos –, não se con­strangeu de, ao invés de velar o corpo e cla­mar por Justiça, fazer um comí­cio sobre o caixão e dis­parar palavras de ordem con­tra a poli­cia, con­tra os gov­er­nos: estad­ual e fed­eral; e con­tra a inter­venção fed­eral na segu­rança do Rio de Janeiro – em que pese os sinais evi­dentes de sua neces­si­dade –, igual­mente desprezível tem sido o com­por­ta­mento de parte da chamada dire­ita brasileira.
Desde que foi noti­ci­ado o aten­tado que viti­mou a vereadora e o motorista, estes valentes têm se ocu­pado em ofender e a bus­car na biografia da vitima motivos e cir­cun­stân­cias para culpá-​la por sua morte.
Trata-​se, por óbvio, de um com­por­ta­mento covarde, uma vez que muitos dos fazem isso (cul­par a vítima) não a enfrentaram ou a acusaram pub­li­ca­mente quando viva, seja nas redes soci­ais, seja através de denún­cias na Câmara Munic­i­pal por qual­quer má con­duta capaz de torná-​la indigna do mandato ou mesmo relataram sus­peitas de algo capaz de interditá-​la ao exer­cí­cio da rep­re­sen­tação pop­u­lar.
Agora, no afã de desqual­i­ficar a vitima e colocá-​la com autora do próprio assas­si­nato, vão atrás de quais­quer fatos ou cir­cun­stân­cias que pos­sam ser usa­dos para fazê-​la mere­ce­dora da morte. Uma bar­bari­dade.
Numa sanha doen­tia, não dis­pen­sam, sequer, os aspec­tos da vida pes­soal da vitima, sejam eles ver­dadeiros ou ape­nas fru­tos das inven­cionice do que hoje é con­hecida como “fake news”.
Neste aspecto a dire­ita brasileira é o que mais se aprox­ima da esquerda brasileira.
A falta de escrúpu­los no ataque à honra das pes­soas. Quando não têm o que dizer no campo do enfrenta­mento das ideias, partem para a explo­ração da vida pri­vada. Uma ver­gonha!
Outro aspecto que colo­cam a esquerda e a dire­ita clientes do mesmo cocho no Brasil é a intol­erân­cia à liber­dade de expressão. Mesmo estes que protes­tam com veemên­cia ímpar con­tra o assas­si­nato da vereadora, no poder e fora dele, não titubeiam em cecear a liber­dade de expressão dos seus opos­i­tores, por todos os meios: proces­sos judi­ci­ais, intim­i­dação, o uso de um exército de adu­ladores para achin­cal­har a voz destoante nos meios de comu­ni­cação e mídias soci­ais.
A difer­ença é que só enx­ergam para os seus lados. A questão de fundo é a mesma: a intol­erân­cia à divergên­cia.
Chega a ser estar­rece­dor que no Brasil, em pleno século XXI, tan­tas pes­soas sofram as con­se­quên­cias de se expres­sarem livre­mente, por diz­erem o que pen­sam.
São jor­nal­is­tas, blogueiros, agentes políti­cos. Todos, igual­mente viti­mas da intol­erân­cia, do obscu­ran­tismo, do pen­sa­mento monolítico, que só con­sid­era como ver­dade o con­sta no seu ideário politico-​ideológico.
Os crimes moti­va­dos pela intol­erân­cia à liber­dade de expressão, em que pese a banal­i­dade das moti­vações, não são dis­tin­tos dos mais de sessenta mil homicí­dios que ocor­rem anual­mente no país, assim como estes, não são menos impor­tantes que os crimes ocor­ri­dos con­tra as cen­te­nas de poli­cias, como forma de afronta ao próprio Estado con­sti­tuído.
Em todos os crimes, seja con­tra políti­cos, no caso desta, e de tan­tos out­ros vereadores e políti­cos assas­si­na­dos, muitos por diz­erem ou terem posições políti­cas diver­gentes; seja dos poli­ci­ais assas­si­na­dos, por serem agentes do Estado e estarem na posição de enfrenta­mento à ban­didagem; seja dos cidadãos comuns que per­dem a vida no cam­inho do tra­balho, na volta para casa, nos assaltos, nas mais vari­adas lutas diárias, em todos eles temos vidas humanas per­di­das, famílias que ficaram desam­para­das, vazios que não serão nunca preenchi­dos.
Somos todos víti­mas. Nada mais que isso.
Abdon Mar­inho é advogado.

CON­CES­SIONÁRIA ESTATAL

Escrito por Abdon Mar­inho

CONCES­SIONÁRIA ESTATAL.
Por Abdon Mar­inho.
POUCOS dias um dep­utado estad­ual, da tri­buna da Casa de Manoel Bequimão, “denun­ciou” que o gov­erno estad­ual apreen­dera e leiloara mais de onze mil veícu­los. O dep­utado reforçando a linha argu­men­ta­tiva dis­tribuiu os quan­ti­ta­tivos nos anos de gestão do atual gov­erno.
Achei o número ele­vado, mas, con­siderando que ninguém da ban­cada gov­ernista ou mesmo do próprio gov­erno os con­testou, tenho-​os como expressão da ver­dade.
E, assim sendo, o gov­erno estad­ual, em número de ven­das de veícu­los poderá até con­cor­rer ao prêmio de mel­hores vende­dores de veícu­los da cap­i­tal, e, quem sabe, até mesmo fat­u­rar uma pas­sagem para Dis­ney como bônus de desem­penho.
Com números elo­quentes, acred­ito que os atu­ais comu­nistas venderam mais veícu­los na cap­i­tal – e mesmo no estado – que os seus anti­gos cama­radas – que por aqui estiveram no final dos anos oitenta e iní­cio dos noventa –, vendendo seus quadra­dos “ladas”, já nos ester­tores do régime da antiga União das Repúbli­cas Social­is­tas Soviéti­cas — URSS.
Deixando a brin­cadeira de lado – até por que o assunto é sério –, o que mais ouvi­mos são recla­mações dos cidadãos em relação ao excesso de apreen­sões de veícu­los por parte do gov­erno estad­ual.
Outro dia alguém denun­ciou num grupo de What­sApp, que uma guarnição o parou na porta de casa para aplicar-​lhe uma multa, suposta­mente por ter desvi­ado o cam­inho para não pas­sar por uma blitz; de um outro recebo a denún­cia que fora autor­izado a pas­sar pela bar­reira poli­cial e, em seguida, perseguido – inclu­sive com tiros – para que fizesse o teste do bafômetro, sendo lev­ado à del­e­ga­cia onde constatou-​se a ausên­cia com­pleta de sinais de bebida – e ainda assim, rece­beu a multa de quase três mil reais –, sob o argu­mento da recusa do teste; outro disse pos­suir teste­munhas que, emb­ora aten­dendo ao sinal de parada na bar­reira poli­cial, os dili­gentes agentes enten­deram como recusa sua nor­mal demora – ao seu sen­tir –, em fazer o teste e, tam­bém, aplicou-​lhe a multa.
Tudo isso, e mais as apreen­sões, em série, de veícu­los por atraso na reg­u­lar­iza­ção de doc­u­men­tos – paga­men­tos de impos­tos e taxas dev­i­das –, têm ger­ado inces­santes dis­cussões nos gru­pos de mídia social.
Argu­men­tam que o gov­erno não tra­balha com a per­spec­tiva de facil­i­tar as “coisas” para os con­tribuintes, levando os seus veícu­los a leilão em tempo bem exíguo – pouco mais de 30 dias, mais ou menos –, insu­fi­ciente, por­tanto, para evi­tar a perda do bem, em tem­pos de crise tão aguda.
Estas man­i­fes­tações de irres­ig­nação – e por vezes revolta – não são sen­ti­das ape­nas na cap­i­tal, acred­ito, até, que no inte­rior, onde a crise, o desem­prego, chegou com mais agudeza, isso desde 2012, os reclames são mais inten­sos. É o que sinto nas min­has via­gens. E, não sem razão.
Muitas das vezes o cidadão mal con­segue pagar a prestação do veículo, não lhe sobrando din­heiro para mantê-​lo reg­u­lar.
Essa era a prática comum: comprava-​se o veículo e cir­culavam com ele, a não mais poder, muitas vezes mesmo sem placa, que dirá os impos­tos e taxas em dias.
Aqui, claro, não nos colo­camos con­trários à ação estatal de fis­calizar o trân­sito com rigor, sobre­tudo nos dias de hoje em que sabe­mos ser a segu­rança pública a questão mais pre­mente da sociedade.
A fis­cal­iza­ção deve ser intensa e ter esse papel: pre­venir e evi­tar o come­ti­mento de ilíc­i­tos. Quanto a isso não temos dúvida em apoiar, pois trata-​se de uma neces­si­dade.
Por outro lado – e aqui se encerra a grande questão –, não é aceitável que o poder estatal use do poder de polí­cia que pos­sui para con­fis­car os bens dos cidadãos.
Tal vedação estar inserta na Con­sti­tu­ição da República, que traz uma seção denom­i­nada: “Das Lim­i­tações do Poder de Trib­u­tar”, e, no seu artigo 150, da mesma seção, resta a matéria bem explícita: “Art. 150. Sem pre­juízo de out­ras garan­tias asse­gu­radas ao con­tribuinte, é vedado à União, aos Esta­dos, ao Dis­trito Fed­eral e aos Municí­pios: … IV — uti­lizar trib­uto com efeito de con­fisco;”.
Este é o ponto a ser exam­i­nado: será que o gov­erno à guisa de exercer o seu papel de garan­ti­dor da segu­rança do cidadão, fis­calizar e cobrar os trib­u­tos, estaria, na ver­dade, aprovei­tando para con­fis­car os bens dos cidadãos?
Indo além, a “fúria arreca­datória” estatal tem refletido na redução dos indi­cadores de vio­lên­cia, já que esta é a prin­ci­pal argu­men­tação?
E mais, o gov­erno ao se empen­har tanto na arrecadação dos trib­u­tos dos pro­pri­etários de veícu­los tem dado sua con­tra­partida em mel­hores rodovias e malha viária urbana?
O cidadão comum, mesmo aquele pos­suidor de uma única moto que foi apreen­dida e, pos­te­ri­or­mente, leiloada, por não se encon­trar com os impos­tos em dia, ao dizer que o gov­erno não “facilita as coisas”, estar dizendo, na ver­dade, que o trib­uto, emb­ora dev­ido, foi uti­lizado para con­fis­car o seu bem.
E, com uma espé­cie de sabedo­ria sim­plória acaba por iden­ti­ficar o prob­lema: o gov­erno pode­ria, em muitos dos casos, só aplicar e cobrar as mul­tas dev­i­das, inclu­sive judi­cial­mente, sem que o cidadão, antes do fim do processo legal fosse pri­vado do seu bem. Isso, seria “facil­i­tar as coisas”. Até porque, o cidadão sim­ples não é des­on­esto – exceções a jus­ti­ficar a regra –, e quer andar den­tro da lei.
Mais, o gov­erno pode­ria facil­i­tar o paga­mento destas dívi­das, parce­lar a “perder de vista”. Noutras palavras: ficar do lado do cidadão.
O que ouvi­mos é jus­ta­mente o con­trário: Que as mul­tas não podem ser parce­ladas; que, se em 30 (trinta) dias, con­ta­dos da apreen­são do veículo, não forem pagas, o bem vai a leilão, etc.
Não sei se devolvem ao pro­pri­etário do veículo o que “sobrou” descon­tado as taxas, mul­tas e impos­tos.
O com­por­ta­mento aço­dado, a pressa em trans­for­mar o veículo do cidadão em din­heiro para o Estado reforça a crítica dos que acham que o gov­erno viola a Carta Con­sti­tu­cional, para uti­lizar, como se fazia em tem­pos remo­tos, a cobrança de trib­u­tos com fins de con­fisco.
A per­cepção é reforçada, mais ainda, quando se ver­i­fica o vol­ume de veícu­los leiloa­dos nos últi­mos anos – a man­ter o ritmo, mais de 15 mil veícu­los leiloado até o final do ano. E, ainda mais, quando se sabe – e o gov­erno é o primeiro sabedor –, da crise que passa o país, e, prin­ci­pal­mente, o estado, uma vez que dados do IBGE rev­e­lam um aumento nos índices de pobreza no Maran­hão, nos últi­mos anos.
Ora, o cidadão não perde um veículo – muitas das vezes seu único bem –, por querer. Cer­ta­mente, não teve condições de pagar os impos­tos e mul­tas que lhe foram apli­cadas, pelo estado/​governo.
Estes cidadãos, são pes­soas pobres – e pobreza, ainda não é crime –, que, repito, adquiri­ram um car­rinho, uma moto, fazendo grande sac­ri­fico, em dezenas de prestações, muitas das vezes, com a renún­cia de out­ros dire­itos bási­cos para si e seus famil­iares.
São estas pes­soas que estão “per­dendo” os seus bens para o Estado. Logo no atual gov­erno que dev­e­ria com­preen­der a situ­ação dos cidadãos mais humildes.
É sabido que a inflação dos mais humildes é difer­ente daquela que atinge os ricos.
Assim, se na média da inflação temos que a mesma retro­cedeu, tal assertiva é inteira­mente falsa quando exam­i­namos o aumento do preço do boti­jão de gás, por exem­plo. Com o boti­jão a quase cem reais, temos um com­pro­me­ti­mento, sobre­maneira, na renda das famílias.
A mesma situ­ação ocorre em relação às cobranças de impos­tos e taxas pelo poder público, ainda mais quando lev­a­mos em conta que já pas­sam mais de cinco meses do ano tra­bal­hando ape­nas para pagar impos­tos, sem terem qual­quer con­tra­partida do estado.
Os ricos, os crim­i­nosos, não têm pre­ocu­pações desta natureza, seus veícu­los estão em com os trib­u­tos em dia. No caso dos crim­i­nosos, ainda mais, para não chamar a atenção da autori­dade poli­cial.
Uma das doutri­nas sobre o Estado leciona que o mesmo existe para evi­tar que os fortes explorem os mais fra­cos. Assim, não me parece razoável que o retire o pouco patrimônio que têm estes pobres para reforçar seu caixa.
Mas essa é ape­nas uma opinião.
Abdon Mar­inho é advogado.

PORQUE É FEIO, EXCELÊN­CIAS. ISSO.

Escrito por Abdon Mar­inho

PORQUE É FEIO, EXCELÊN­CIAS. ISSO.
Por Abdon Mar­inho.
LOGO nos meus primeiros tem­pos como advo­gado, acom­pan­hava uma sessão no tri­bunal.
Após bril­hante sus­ten­tação oral do colega advo­gado – com a qual con­cor­dava inteira­mente –, os votos começaram a ser toma­dos e, salvo um, se não me falha a memória, a tese do colega foi der­ro­tada.
Tomado pelo ímpeto da juven­tude e pela irres­ig­nação – pois emb­ora o processo não fosse “meu” sen­tia o come­ti­mento de grave injustiça –, rev­elei ao colega toda minha insat­is­fação com o resul­tado do jul­ga­mento:
— Que absurdo, pro­fes­sor, como é pos­sível que não ten­ham visto a clareza do dire­ito que o sen­hor expôs? Não é aceitável uma coisa dessas!
O mestre, talvez com quase tan­tos anos de profis­são do que eu de vida, ensinou-​me uma lição da qual, no meu min­istério, procuro não me afas­tar:
— Abdon, só sou advo­gado porque acred­ito na Justiça. No dia que deixar de con­fiar na Justiça vou procu­rar outra coisa para fazer. Se não fui ouvido aqui, recor­rerei, quem sabe, noutra instân­cia, não serei ouvido. Você mesmo diz que o dire­ito é bom. Pode ser que não tenha me feito com­preen­der.
Aquele jul­ga­mento, aquela der­rota do colega, me legara uma lição para toda vida.
Quase vinte anos depois daquele episó­dio, e sendo colo­cado à prova quase que diari­a­mente, man­te­mos firme na crença de que deve­mos acred­i­tar na Justiça e que, mais cedo ou mais tarde, nos­sos reclames serão ouvi­dos e enten­di­dos por aque­les que têm a mais ele­vada das respon­s­abil­i­dades: jul­gar os homens.
Agora mesmo somos sur­preen­di­dos com mais mais uma provação.
Leio que juízes fed­erais – sem­pre mere­ce­dores da mais ele­vada estima e con­sid­er­ação –, vão fazer “greve”, par­al­isar suas ativi­dades, negar ao juris­di­cionado a assistên­cia que lhe é dev­ida.
A primeira inda­gação: como é pos­sível agentes de Estado se acharem no dire­ito de parar suas ativi­dades?
Ao meu sen­tir é como se o próprio Estado decidisse “fechar” as por­tas.
São os juízes que dizem quando os out­ros estão cer­tos ou erra­dos em suas reivin­di­cações.
Mas não é só. Suas excelên­cias não vão par­al­isar suas ativi­dades por uma grave ameaça à segu­rança de suas decisões, por uma ameaça à ordem insti­tu­cional, mas sim por que enten­dem mere­ce­dores de um priv­ilé­gio que estrap­ola – segundo o entendi­mento das mais abal­izada análises –, os lim­ites legais e que vai de encon­tro ao que pre­ceitua o próprio man­da­mento con­sti­tu­cional.
Ora, é a Carta repub­li­cana que esta­b­elece um teto para venci­men­tos de todos os agentes públi­cos, limitando-​os ao que ganha um min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF e, ainda, que este deve ser pago em parcela única.
As exceções ao teto esta­b­ele­cido são igual­mente pre­vis­tas: como é o caso em que o servi­dor ou agente público seja deslo­cado para fora do local apon­tado como seu local de residên­cia.
Assim, não me parece razoável ou aceitável que jul­gadores, homens que, por sua sapiên­cia, têm a pre­rrog­a­tiva de diz­erem o dire­ito, saiam às ruas prote­s­tando pelo dire­ito de des­cumprir as leis e a Con­sti­tu­ição da República.
Os “pen­duri­cal­hos” que engrossam os salários de suas excelên­cias – não há como deixar de recon­hecer –, são uma afronta aos cidadãos de bem, estes que pas­sam mais de cinco meses do ano tra­bal­hando ape­nas para pagar impos­tos e sus­ten­tar uma máquina pública mas­todôn­tica, enquanto lhes são nega­dos dire­itos bási­cos como saúde, edu­cação, assistên­cia social, pre­v­idên­cia e o prin­ci­pal de todos eles: a segu­rança pública, pois como diz um amigo é necessário que se esteja vivo para usufruir dos demais dire­itos.
E aí ques­tionam que gan­ham muito pouco.
É pos­sível que seja, de fato, irrisório o que gan­ham, mas esse pouco rep­re­senta trinta vezes o que recebe grande parte dos tra­bal­hadores brasileiros ou os mil­hões de aposen­ta­dos obri­ga­dos a sobre­viver com um salário mín­imo men­sal.
Não dis­cuto que cerca de trinta mil seja pouco – na visão de uma min­is­tra de Estado rece­ber só isso é o mesmo que tra­bal­har em condições de escravidão –, mas esse pouco rep­re­senta quase vinte vezes a média do salário nacional.
Além do “pouco” que percebem, e que não nos cabe dis­cu­tir, até porque cada um sabe a “fun­dura” do seu bolso, suas excelên­cias, pos­suem out­ras van­ta­gens que os demais tra­bal­hadores, que efe­ti­va­mente “pagam” a conta nem son­ham, como aposen­ta­do­ria espe­cial, férias de sessenta dias/​ano. Sem con­tar a “punição” de serem aposen­ta­dos com­pul­so­ri­a­mente quando come­tem algum “malfeito” ou afas­ta­dos recebendo os venci­men­tos como se estivessem na ativa.
O achata­mento salar­ial faz parte da real­i­dade nacional, entre­tanto, não se pode exi­gir muito mais dos tra­bal­hadores do que deles já é exigido.
Ade­mais, quando suas excelên­cias optaram pela esta­bil­i­dade das car­reiras foi sabendo das lim­i­tações salari­ais que o Estado podia ban­car.
Se o que gan­ham não é sufi­ciente para fazer face às suas neces­si­dades – recebendo as maiores remu­ner­ações da car­reira pública –, o que dizer dos tra­bal­hadores que recebem um ou dois salários mín­i­mos e que é a grande massa dos tra­bal­hadores? O que dizer das aposen­ta­do­rias dos tra­bal­hadores que, alque­bra­dos pelos anos, têm de com­pro­m­e­ter parte do que recebem com medica­men­tos e cuida­dos espe­ci­ais?
O que suas excelên­cias pre­ten­dem – e não dis­cuto se são jus­tas ou não –, é algo que o país não pode ofer­e­cer. Não sem aumen­tar, ainda mais, o fosso entre as camadas soci­ais e sobre­car­regar os cidadãos pagadores de impos­tos.
E por que mere­ce­riam gan­har ainda mais enquanto os demais tra­bal­hadores gan­ham tão pouco? A caso não trataria de grave dis­torção pre­con­ceitu­osa tanta dis­tinção entre a pro­dução int­elec­tual e o tra­balho man­ual ou braçal?
Não bas­tasse isso, pelo inusi­tado da reivin­di­cação, tratar-​se-​á de um priv­ilé­gio difí­cil de se explicar: como jus­ti­ficar que deter­mi­nadas pes­soas rece­bam um auxílio-​moradia para residir em suas próprias casas? Pior ainda, quando recebem duas vezes, como é o caso de deter­mi­nado juiz, que tanto ele quando a esposa recebem o tal “pen­duri­calho” para morarem, jun­tos, no próprio imóvel.
Vejam, ainda que digam que rece­ber tal auxílio é legal (emb­ora o mesmo esteja man­tido por uma lim­i­nar que “teima” em não ser jul­gada), o mesmo falece de escopo moral para se sus­ten­tar.
Noutras palavras, o que pre­ten­dem ver legal­izado, como dizia-​se lá no meu sertão, “é feio”. Não faz qual­quer sen­tido, não tem jus­ti­fica­tiva.
Agora mesmo – até extrap­olando no pro­tag­o­nismo –, o Poder Judi­ciário por suas mais vari­adas instân­cias, inva­diu uma das pre­rrog­a­ti­vas de outro poder para dizer que deter­mi­nada pes­soa não pode­ria ser nomeada para o Min­istério do Tra­balho porque, na sua vida pes­soal, fora con­de­nada numa ação tra­bal­hista.
Na visão dos ilus­tres jul­gadores que apre­cia­ram a matéria a tal nomeação feriria o Princí­pio da Moral­i­dade insculpido na Con­sti­tu­ição.
Em vinte anos de profis­são o que mais tenho visto são gestores públi­cos serem con­de­na­dos pelas mais dis­tin­tas tolices, desde um erro numa data, uma falta de atenção ou uma falha mera­mente admin­is­tra­tiva ao des­cumpri­mento de uma ori­en­tação qual­quer, e que na maio­ria das vezes não rep­re­sen­tou qual­quer pre­juízo aos cofres públi­cos.
Estas infor­tu­nadas pes­soas são pri­vadas dos seus bens – ten­ham sido eles ou não obti­dos de forma ilícita –, são con­de­na­dos a pesadas mul­tas, são proibidas de con­tratar com o poder público e, até mes­mos pri­va­dos do exer­cí­cio da cidada­nia, não podendo votar ou serem vota­dos.
São trata­dos como mar­gin­ais a quem assenta tudo. São as “Geni” da vida mod­erna.
Não raro, sofrem, até mesmo, pri­vação de liber­dade por meros erros admin­is­tra­tivos ou fal­has de menor monta. Con­heço pes­soas que cumprem penas ele­vadas por incor­reções em um processo processo lic­i­tatório. Uma página numer­ada errada, uma assi­natura fora do lugar têm sido sufi­cientes para balizar con­de­nações por fraude à lei de lic­i­tações.
Aí, quando vemos suas excelên­cias ameaçando “greve” por uma causa de duvi­dosa legit­im­i­dade, um “pen­duri­calho” enx­er­tado nos venci­men­tos para des­cumprir o teto con­sti­tu­cional, nos per­gun­ta­mos: não resta qual­quer con­strang­i­mento em con­denar – muitas das vezes por tolices, meras for­mal­i­dades e sem pre­juízo ao erário –, out­ros agentes públi­cos, enquanto recebem auxílio-​moradia, por anos a fio, para morarem em suas próprias casas?
Como explicar tal con­tor­cionismo ético?
São estas incom­preen­sões sobre a real­i­dade do país que colo­cam em provação a fé dos que acred­i­tam na Justiça.
Abdon Mar­inho é advogado.