A POLITIZAÇÃO DA DESGRAÇA.
Por Abdon Marinho.
— QUANDO nos tornamos seres indiferentes à quaisquer sentimentos e movidos, unicamente, pelos interesses de cunho político-ideológicos?
Nesta madrugada, logo que acordei, foi este o pensamento que me assaltou. Refletia sobre o grau de politização que tomou de conta do assassinato e investigação da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro.
O que vejo, com estupefação, são os dois lados, o que se autodenomina esquerda e o que se autodenomina direita, tentando tirar alguma vantagem de um crime bárbaro.
O primeiro grupo tentando colocar na costa do governo a responsabilidade pelo homicídio (coloco no singular por razões que explicarei depois) – inclusive na costa do próprio Temer, como se o mandatário maior da nação estivesse encomendando o atentado – transformando o velório da morta numa espécie de comício antecipado das eleições de outubro, com direito a vaias e a palavras de ordem: –– Fora Temer! Fora Temer! Abaixo a intervenção!
Ora, estavam em um velório e não num comício. Pior que fazer comício em velório só mesmo a torcida secreta (não tão secreta assim) para que alguns, desajustados da policia estejam por detrás do crime. Como se o desejo de transformar tal homicídio em um crime de Estado fosse maior que a dor da perda.
O comportamento indiferente ao perecimento da vida humana, ao meu sentir, é como colocar a “bandeira” do enfrentamento político numa posição de maior destaque que o assassinado em si.
A visível colocação da bandeira política à frente da vida humana perdida levou um cidadão a fazer uma piada de gosto duvidoso, disse ele: “Estamos diante de um novo tipo penal, um “comicídio», a mistura de comício com homicídio”.
A coisa mais importante da humanidade é … a vida. Um amigo, aliás, costuma dizer que o direito à vida precede todos os demais, até porque, sem vida não há como usufruir dos demais.
Na exploração política da morte da vereadora esqueceram da vida, do quanto ela se sobrepõe às bandeiras políticas.
A ação criminosa que ceifou a vida da vereadora, ceifou, também, a vida o motorista Anderson Gomes. Não só isso, é bem bem possível que os mesmos projéteis que tiraram a vida da vereadora tenham tirado a vida do motorista – que estava ali fazendo um “bico«para melhorar a renda familiar.
O tratamento dispensado ao cidadão Anderson Gomes, vitima no mesmo atentado, atingido, provavelmente, pelos mesmos tiros, aquilata bem o nível de respeito que se dispensa a vida humana: uma vida vira bandeira, símbolo, a outra um numero na estatística dos homicídios cariocas.
Por que a distinção se foram duas vidas que pereceram? Uma, acaso, tinha mais valia que a outra? Não, de forma alguma. A diferença é que uma serve ao proselitismo politico, a outra, apenas como estatística.
Na mesma noite em que o atentado vitimou a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, um pai de família também tombou, apanhado em meio a uma troca de tiros entre bandidos e policiais.
Um fato torna mais dramática a sua morte: ela ocorreu na frente do filho, uma criança, que, certamente, conviverá com esse trauma pelo resto da vida.
E, apesar da crueldade de sua morte, a mídia, afora os programa policialescos, não lhe deram grande destaque, tombou, praticamente, anônimo, como aliás tombam milhares de brasileiros todos os anos, apenas mais um a engrossar os números da violência.
E, para ficar no campo das estatísticas, no mesmo dia do atentando que ceifou a vida da vereadora e seu motorista, tombou, vitima do crime organizado, o trigésimo quarto policial militar no Rio de Janeiro, só este ano, o que nos leva a pensar que mantido este ritmo, o morticínio de policiais militares superará as mais de cento e trinta vítimas do ano de 2017, apenas no Rio de Janeiro.
Pois bem, se de um lado a chamada esquerda brasileira – que conhecia a vitima, que tinha afinidade com seus pensamentos –, não se constrangeu de, ao invés de velar o corpo e clamar por Justiça, fazer um comício sobre o caixão e disparar palavras de ordem contra a policia, contra os governos: estadual e federal; e contra a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro – em que pese os sinais evidentes de sua necessidade –, igualmente desprezível tem sido o comportamento de parte da chamada direita brasileira.
Desde que foi noticiado o atentado que vitimou a vereadora e o motorista, estes valentes têm se ocupado em ofender e a buscar na biografia da vitima motivos e circunstâncias para culpá-la por sua morte.
Trata-se, por óbvio, de um comportamento covarde, uma vez que muitos dos fazem isso (culpar a vítima) não a enfrentaram ou a acusaram publicamente quando viva, seja nas redes sociais, seja através de denúncias na Câmara Municipal por qualquer má conduta capaz de torná-la indigna do mandato ou mesmo relataram suspeitas de algo capaz de interditá-la ao exercício da representação popular.
Agora, no afã de desqualificar a vitima e colocá-la com autora do próprio assassinato, vão atrás de quaisquer fatos ou circunstâncias que possam ser usados para fazê-la merecedora da morte. Uma barbaridade.
Numa sanha doentia, não dispensam, sequer, os aspectos da vida pessoal da vitima, sejam eles verdadeiros ou apenas frutos das invencionice do que hoje é conhecida como “fake news”.
Neste aspecto a direita brasileira é o que mais se aproxima da esquerda brasileira.
A falta de escrúpulos no ataque à honra das pessoas. Quando não têm o que dizer no campo do enfrentamento das ideias, partem para a exploração da vida privada. Uma vergonha!
Outro aspecto que colocam a esquerda e a direita clientes do mesmo cocho no Brasil é a intolerância à liberdade de expressão. Mesmo estes que protestam com veemência ímpar contra o assassinato da vereadora, no poder e fora dele, não titubeiam em cecear a liberdade de expressão dos seus opositores, por todos os meios: processos judiciais, intimidação, o uso de um exército de aduladores para achincalhar a voz destoante nos meios de comunicação e mídias sociais.
A diferença é que só enxergam para os seus lados. A questão de fundo é a mesma: a intolerância à divergência.
Chega a ser estarrecedor que no Brasil, em pleno século XXI, tantas pessoas sofram as consequências de se expressarem livremente, por dizerem o que pensam.
São jornalistas, blogueiros, agentes políticos. Todos, igualmente vitimas da intolerância, do obscurantismo, do pensamento monolítico, que só considera como verdade o consta no seu ideário politico-ideológico.
Os crimes motivados pela intolerância à liberdade de expressão, em que pese a banalidade das motivações, não são distintos dos mais de sessenta mil homicídios que ocorrem anualmente no país, assim como estes, não são menos importantes que os crimes ocorridos contra as centenas de policias, como forma de afronta ao próprio Estado constituído.
Em todos os crimes, seja contra políticos, no caso desta, e de tantos outros vereadores e políticos assassinados, muitos por dizerem ou terem posições políticas divergentes; seja dos policiais assassinados, por serem agentes do Estado e estarem na posição de enfrentamento à bandidagem; seja dos cidadãos comuns que perdem a vida no caminho do trabalho, na volta para casa, nos assaltos, nas mais variadas lutas diárias, em todos eles temos vidas humanas perdidas, famílias que ficaram desamparadas, vazios que não serão nunca preenchidos.
Somos todos vítimas. Nada mais que isso.
Abdon Marinho é advogado.
A POLITIZAÇÃO DA DESGRAÇA.
Escrito por Abdon Marinho
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