LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?
Por Abdon Marinho.
PASSAVA longe de minhas intenções voltar a escrever sobre a situação jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encarcerado para cumprimento da pena a que foi condenado pela Justiça brasileira de 12 anos e um mês de prisão.
Antes de qualquer consideração, devo reiterar o que disse noutras vezes: o infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio de Lula menos ainda. O meu sentimento é de pesar, frustração e vergonha pelo país ter que passar por mais essa: ter um ex-presidente encarcerado pelos crimes comuns de corrupção e lavagem de dinheiro.
Não pretendia falar disso porque já o fiz algumas vezes.
Logo que este e outros processos tiveram início alertava para o grave equívoco da defesa do senhor Lula em tentar fazer uma defesa política e não jurídica das imputações. Não me cabe julgar, talvez, como defesa jurídica só tivessem mesmo a política.
O senhor Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. As provas de tais delitos estão materializadas em documentos, perícias e testemunhos, dentre os quais se destacam o do corréu Léo Pinheiro, que confirmou as imputações de que o apartamento – que no discurso o senhor Lula se referiu como “meu apartamento” –, fora reservado, reformado e equipado como parte do esquema de propinas da sua empresa, OAS, ao ex-presidente e ao seu partido, conforme ajustada com o tesoureiro da agremiação João Vaccari Neto.
A equipe de juristas do ex-presidente, das mais eficientes e caras, tinha como se contrapor ao conjunto de provas? Temo que não, por isso mesmo teria insistido na tática do enfrentamento político das provas jurídicas, como, aliás, ainda insistem em fazê-lo.
Por ocasião da prolação da sentença, no ano passado, assentei que a sentença estava bem posta e calçada em referências das provas constantes dos autos do processo. Disse mais: — terão grandes dificuldades para desconstituir a sentença.
No enfrentamento da sentença, pelo que acompanhamos da sessão de julgamento da Oitava Câmara do Tribunal Regional Federal Quarto, sediado em Porto Alegre, RS, a defesa do ex-presidente não trouxe elementos capazes de modificá-la, razão pela qual aquela corte não só manteve a sentença do juiz Sérgio Moro como a ampliou em mais alguns anos.
Assim chegamos à situação do atual do senhor Luiz Inácio Lula da Silva: condenado pelo juiz natural do processo com sentença confirmada e ampliada pela segunda instância, a quem competia o exame de toda a matéria.
Como sabemos – e dissemos –, o ex-presidente – diferente dos demais brasileiros –, possui os mais abalizados advogados do país trabalhando na sua defesa e que, certamente, questionaram e recorreram às instâncias superiores até das vírgulas, porventura existentes fora de ordem nos autos, ainda assim, não obtiveram qualquer êxito que comprovasse a inocência do ex-presidente das imputações que lhes foram impostas.
Além da defesa, até aqui, não conseguir comprovar a inocência do condenado tão pouco, conseguiram que fossem revistos quaisquer atos da instrução processual pelas instâncias superiores.
Importante estes esclarecimentos, uma vez que ainda hoje a militância – talvez no propósito de construir sua própria narrativa –, insiste em dizer que o ex-presidente é inocente. Como inocente se julgado e condenado pelas instâncias ordinárias da Justiça?
Como sabemos, doravante as demais instâncias – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal –, não mais se debruçarão sobre o exame das provas, só podendo, modificar o julgado no exame do direito, o que raramente acontece – salvo engano em menos de um por cento dos casos.
A ideia de inocência ou a tolice de que estamos diante de um “prisioneiro político” não faz o menos sentido, servindo apenas, como disse, como uma narrativa que os seguidores do petista tentam construir para fugir do rótulo de que, infelizmente, sua maior liderança política sucumbiu aos encantos da corrupção que tanto prometeu combater.
Igualmente tola é a ideia de que o ex-presidente é vítima de “perseguição” da parte dos delegados da polícia federal, dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Não há, em lugar nenhum dos autos, ou fora deles – exceto pelo próprio condenado, com a desculpa da emoção –, a informação de que delegados ou procuradores tenham forjados provas contra o condenado.
O mesmo sentimento ocorre em relação a sentença, calçada, repito, nas provas juntadas aos autos.
Será que algum juiz ousaria condenar um ex-presidente República que deixou o poder com níveis elevados de apoio popular e que ainda hoje, com tantas coisas que foram revelada, mantém-se na dianteira das pesquisas eleitorais, sem provas consistentes?
Ora, não faz sentido tal crendice. Como disse anteriormente, defendem o ex-presidente os mais experientes e competentes advogados, tivesse o juiz incorrido em qualquer equívoco na prolação do decreto condenatório, não tenham duvidas, estes seriam rechaçados e mostrados ao Tribunal Regional Federal, que atua como órgão de revisão.
Como sabemos, não foi o que se deu. O TRF4, conhecendo da matéria, não apenas confirmou a condenação, por unanimidade – é bom que se registre –, como ampliou a pena.
Os defensores do condenado não conseguiram desconstituição das provas e, por conseguinte, da pena.
Ainda assim a narrativa que os defensores do ex-presidente tentam “vender” aos incautos é que teria havido um conluio, envolvendo desde delegados, membros do ministério público, um juiz e uma turma inteira de tribunal para condená-lo.
Pior, ninguém nas instâncias superiores tem percebido tão nefasta urdidura. Também seriam cúmplices?
E vão além, tentam passar a ideia de que toda a “Operação Lava Jato” não passa de uma “trama” contra os interesses do partido, do ex-presidente e do povo.
Vemos claramente isso quando no seu discurso antes da prisão o ex-presidente saúda determinado cidadão elogiando sua “luta incansável” contra a operação que tem tentado passar o país à limpo depois que uma verdadeira praga de gafanhotos tomou conta da Petrobras e desviou uma fábula em recursos públicos.
A própria empresa reconheceu, no seu balanço, um prejuízo de cerca de seis bilhões com a corrupção.
Quando vejo a narrativa, os diversos discursos e o comportamento do ex-presidente e seus aliados, chegamos à conclusão que os mesmos não têm quaisquer compromissos com o país e suas instituições.
O que interessa é apenas eles e o poder pelo poder, a pauta deles é clara.
Como a única chance do senhor Lula ser solto é o Supremo Tribunal Federal modificar jurisprudência que permite o cumprimento da pena a partir do julgamento em segunda instância, quando se encerra o exame das provas, movem céus e terra para que isso aconteça, independente das consequências que isso trará ao país, como explicaremos a seguir.
Como sabemos o STF estabeleceu a possibilidade do cumprimento da pena a partir da segunda instância e o TRF4 adotou tal entendimento como súmula, ou seja, como regra geral, o ex-presidente condenado e seus aliados terão que construir um entendimento que impeça ou melhor que proíba o cumprimento da pena a partir da segunda instância.
O resultado disso é que, caso consigam o seu intento, todos que estejam nas condições do ex-presidente, poderão requerer tal benefício, qual seja: só ser encarcerado após não haver mais possibilidade de qualquer recurso, embargo ou agravo em qualquer instância da Justiça.
Alguém já imaginou as consequências disso para o combate à criminalidade?
O outro ponto da pauta que vai contra os interesses do país é a insistência do ex-presidente e seus aliados em querer por fim a chamada Lei da Ficha Limpa.
Como sabemos há, atualmente, dois óbices à candidatura do ex-presidente, além do fato de encontra-se encarcerado: a condenação em segunda instância e natureza da condenação (corrupção e lavagem de dinheiro) que tornam automática a exclusão de quem assim se encontra de disputar eleições.
Pois bem, embora o próprio ex-presidente e todos seus aliados tenham feito campanha pela Lei da Ficha Limpa, agora estão todos contra, querem a revogação da lei para garantir que o ex-presidente, caso seja solto, participe do pleito – e assim como ele, todos demais “fichas sujas” que estão afastados da disputa.
Em resumo, meus senhores, assim como todos os ditadores, o que querem o ex-presidente e seus aliados é ficarem fora do alcance da lei. Não querem que leis do país sejam aplicada a eles.
As provas de que não acreditam na democracia e nas suas instituições estão mais que claras. Numa estranha ironia a espancar nossas faces, no mesmo dia em que o senhor Lula foi convidado a se entregar para cumprir pena a que foi regularmente condenado após longo processo, a televisão exibia as imagens da ex-presidente da Coreia do Sul, sendo levada para a cadeia algemada, acompanhada unicamente por duas policiais, condenada que foi a 24 anos de prisão. Seus crimes, embora de longe, acredito, passam longe dos aqui cometidos pelo senhor Lula.
As imagens são contrastantes: enquanto por aqui se fez (e ainda se faz) todo um carnaval, com direito a churrasco, cachaça, discurso, comício, manifestação de ruas e adulação, por lá, apenas a imagem de serena resignação da condenada, algemada, sendo conduzida.
O Brasil e nossas autoridades ainda têm muito a aprender em matéria de democracia e respeito à lei, que deve ser igual para todos. Para todos!
Abdon Marinho é advogado.