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LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

Escrito por Abdon Mar­inho

LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

Por Abdon Marinho.

PAS­SAVA longe de min­has intenções voltar a escr­ever sobre a situ­ação jurídica do ex-​presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva, encar­cer­ado para cumpri­mento da pena a que foi con­de­nado pela Justiça brasileira de 12 anos e um mês de prisão.

Antes de qual­quer con­sid­er­ação, devo reit­erar o que disse noutras vezes: o infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio de Lula menos ainda. O meu sen­ti­mento é de pesar, frus­tração e ver­gonha pelo país ter que pas­sar por mais essa: ter um ex-​presidente encar­cer­ado pelos crimes comuns de cor­rupção e lavagem de din­heiro.

Não pre­tendia falar disso porque já o fiz algu­mas vezes.

Logo que este e out­ros proces­sos tiveram iní­cio aler­tava para o grave equívoco da defesa do sen­hor Lula em ten­tar fazer uma defesa política e não jurídica das imputações. Não me cabe jul­gar, talvez, como defesa jurídica só tivessem mesmo a política.

O sen­hor Lula foi con­de­nado por cor­rupção e lavagem de din­heiro. As provas de tais deli­tos estão mate­ri­al­izadas em doc­u­men­tos, perí­cias e teste­munhos, den­tre os quais se desta­cam o do cor­réu Léo Pin­heiro, que con­fir­mou as imputações de que o aparta­mento – que no dis­curso o sen­hor Lula se referiu como “meu aparta­mento” –, fora reser­vado, refor­mado e equipado como parte do esquema de propinas da sua empresa, OAS, ao ex-​presidente e ao seu par­tido, con­forme ajus­tada com o tesoureiro da agremi­ação João Vac­cari Neto.

A equipe de juris­tas do ex-​presidente, das mais efi­cientes e caras, tinha como se con­tra­por ao con­junto de provas? Temo que não, por isso mesmo teria insis­tido na tática do enfrenta­mento político das provas jurídi­cas, como, aliás, ainda insis­tem em fazê-​lo.

Por ocasião da pro­lação da sen­tença, no ano pas­sado, assen­tei que a sen­tença estava bem posta e calçada em refer­ên­cias das provas con­stantes dos autos do processo. Disse mais: — terão grandes difi­cul­dades para descon­sti­tuir a sen­tença.

No enfrenta­mento da sen­tença, pelo que acom­pan­hamos da sessão de jul­ga­mento da Oitava Câmara do Tri­bunal Regional Fed­eral Quarto, sedi­ado em Porto Ale­gre, RS, a defesa do ex-​presidente não trouxe ele­men­tos capazes de modificá-​la, razão pela qual aquela corte não só man­teve a sen­tença do juiz Sér­gio Moro como a ampliou em mais alguns anos.

Assim cheg­amos à situ­ação do atual do sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva: con­de­nado pelo juiz nat­ural do processo com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia, a quem com­petia o exame de toda a matéria.

Como sabe­mos – e dis­se­mos –, o ex-​presidente – difer­ente dos demais brasileiros –, pos­sui os mais abal­iza­dos advo­ga­dos do país tra­bal­hando na sua defesa e que, cer­ta­mente, ques­tionaram e recor­reram às instân­cias supe­ri­ores até das vír­gu­las, por­ven­tura exis­tentes fora de ordem nos autos, ainda assim, não obtiveram qual­quer êxito que com­pro­vasse a inocên­cia do ex-​presidente das imputações que lhes foram impostas.

Além da defesa, até aqui, não con­seguir com­pro­var a inocên­cia do con­de­nado tão pouco, con­seguiram que fos­sem revis­tos quais­quer atos da instrução proces­sual pelas instân­cias supe­ri­ores.

Impor­tante estes esclarec­i­men­tos, uma vez que ainda hoje a mil­itân­cia – talvez no propósito de con­struir sua própria nar­ra­tiva –, insiste em dizer que o ex-​presidente é inocente. Como inocente se jul­gado e con­de­nado pelas instân­cias ordinárias da Justiça?

Como sabe­mos, dora­vante as demais instân­cias – Supe­rior Tri­bunal de Justiça e Supremo Tri­bunal Fed­eral –, não mais se debruçarão sobre o exame das provas, só podendo, mod­i­ficar o jul­gado no exame do dire­ito, o que rara­mente acon­tece – salvo engano em menos de um por cento dos casos.

A ideia de inocên­cia ou a tolice de que esta­mos diante de um “pri­sioneiro político” não faz o menos sen­tido, servindo ape­nas, como disse, como uma nar­ra­tiva que os seguidores do petista ten­tam con­struir para fugir do rótulo de que, infe­liz­mente, sua maior lid­er­ança política sucumbiu aos encan­tos da cor­rupção que tanto prom­e­teu com­bater.

Igual­mente tola é a ideia de que o ex-​presidente é vítima de “perseguição” da parte dos del­e­ga­dos da polí­cia fed­eral, dos mem­bros do Min­istério Público e do Poder Judi­ciário.

Não há, em lugar nen­hum dos autos, ou fora deles – exceto pelo próprio con­de­nado, com a des­culpa da emoção –, a infor­mação de que del­e­ga­dos ou procu­radores ten­ham for­ja­dos provas con­tra o con­de­nado.

O mesmo sen­ti­mento ocorre em relação a sen­tença, calçada, repito, nas provas jun­tadas aos autos.

Será que algum juiz ousaria con­denar um ex-​presidente República que deixou o poder com níveis ele­va­dos de apoio pop­u­lar e que ainda hoje, com tan­tas coisas que foram rev­e­lada, mantém-​se na dianteira das pesquisas eleitorais, sem provas consistentes?

Ora, não faz sen­tido tal cren­dice. Como disse ante­ri­or­mente, defen­dem o ex-​presidente os mais expe­ri­entes e com­pe­tentes advo­ga­dos, tivesse o juiz incor­rido em qual­quer equívoco na pro­lação do decreto con­de­natório, não ten­ham duvi­das, estes seriam rechaça­dos e mostra­dos ao Tri­bunal Regional Fed­eral, que atua como órgão de revisão.

Como sabe­mos, não foi o que se deu. O TRF4, con­hecendo da matéria, não ape­nas con­fir­mou a con­de­nação, por una­n­im­i­dade – é bom que se reg­istre –, como ampliou a pena.

Os defen­sores do con­de­nado não con­seguiram descon­sti­tu­ição das provas e, por con­seguinte, da pena.

Ainda assim a nar­ra­tiva que os defen­sores do ex-​presidente ten­tam “vender” aos incau­tos é que teria havido um con­luio, envol­vendo desde del­e­ga­dos, mem­bros do min­istério público, um juiz e uma turma inteira de tri­bunal para condená-​lo.

Pior, ninguém nas instân­cias supe­ri­ores tem perce­bido tão nefasta urdidura. Tam­bém seriam cúmplices?

E vão além, ten­tam pas­sar a ideia de que toda a “Oper­ação Lava Jato” não passa de uma “trama” con­tra os inter­esses do par­tido, do ex-​presidente e do povo.

Vemos clara­mente isso quando no seu dis­curso antes da prisão o ex-​presidente saúda deter­mi­nado cidadão elo­giando sua “luta incan­sável” con­tra a oper­ação que tem ten­tado pas­sar o país à limpo depois que uma ver­dadeira praga de gafan­ho­tos tomou conta da Petro­bras e desviou uma fábula em recur­sos públi­cos.

A própria empresa recon­heceu, no seu bal­anço, um pre­juízo de cerca de seis bil­hões com a cor­rupção.

Quando vejo a nar­ra­tiva, os diver­sos dis­cur­sos e o com­por­ta­mento do ex-​presidente e seus ali­a­dos, cheg­amos à con­clusão que os mes­mos não têm quais­quer com­pro­mis­sos com o país e suas insti­tu­ições.

O que inter­essa é ape­nas eles e o poder pelo poder, a pauta deles é clara.

Como a única chance do sen­hor Lula ser solto é o Supremo Tri­bunal Fed­eral mod­i­ficar jurisprudên­cia que per­mite o cumpri­mento da pena a par­tir do jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se encerra o exame das provas, movem céus e terra para que isso acon­teça, inde­pen­dente das con­se­quên­cias que isso trará ao país, como expli­care­mos a seguir.

Como sabe­mos o STF esta­b­ele­ceu a pos­si­bil­i­dade do cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia e o TRF4 ado­tou tal entendi­mento como súmula, ou seja, como regra geral, o ex-​presidente con­de­nado e seus ali­a­dos terão que con­struir um entendi­mento que impeça ou mel­hor que proíba o cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia.

O resul­tado disso é que, caso con­sigam o seu intento, todos que este­jam nas condições do ex-​presidente, poderão requerer tal bene­fí­cio, qual seja: só ser encar­cer­ado após não haver mais pos­si­bil­i­dade de qual­quer recurso, embargo ou agravo em qual­quer instân­cia da Justiça.

Alguém já imag­i­nou as con­se­quên­cias disso para o com­bate à crim­i­nal­i­dade?

O outro ponto da pauta que vai con­tra os inter­esses do país é a insistên­cia do ex-​presidente e seus ali­a­dos em querer por fim a chamada Lei da Ficha Limpa.

Como sabe­mos há, atual­mente, dois óbices à can­di­datura do ex-​presidente, além do fato de encontra-​se encar­cer­ado: a con­de­nação em segunda instân­cia e natureza da con­de­nação (cor­rupção e lavagem de din­heiro) que tor­nam automática a exclusão de quem assim se encon­tra de dis­putar eleições.

Pois bem, emb­ora o próprio ex-​presidente e todos seus ali­a­dos ten­ham feito cam­panha pela Lei da Ficha Limpa, agora estão todos con­tra, querem a revo­gação da lei para garan­tir que o ex-​presidente, caso seja solto, par­ticipe do pleito – e assim como ele, todos demais “fichas sujas” que estão afas­ta­dos da dis­puta.

Em resumo, meus sen­hores, assim como todos os dita­dores, o que querem o ex-​presidente e seus ali­a­dos é ficarem fora do alcance da lei. Não querem que leis do país sejam apli­cada a eles.

As provas de que não acred­i­tam na democ­ra­cia e nas suas insti­tu­ições estão mais que claras. Numa estranha iro­nia a espan­car nos­sas faces, no mesmo dia em que o sen­hor Lula foi con­vi­dado a se entre­gar para cumprir pena a que foi reg­u­lar­mente con­de­nado após longo processo, a tele­visão exibia as ima­gens da ex-​presidente da Cor­eia do Sul, sendo lev­ada para a cadeia alge­mada, acom­pan­hada uni­ca­mente por duas poli­ci­ais, con­de­nada que foi a 24 anos de prisão. Seus crimes, emb­ora de longe, acred­ito, pas­sam longe dos aqui cometi­dos pelo sen­hor Lula.

As ima­gens são con­trastantes: enquanto por aqui se fez (e ainda se faz) todo um car­naval, com dire­ito a chur­rasco, cachaça, dis­curso, comí­cio, man­i­fes­tação de ruas e adu­lação, por lá, ape­nas a imagem de ser­ena res­ig­nação da con­de­nada, alge­mada, sendo con­duzida.

O Brasil e nos­sas autori­dades ainda têm muito a apren­der em matéria de democ­ra­cia e respeito à lei, que deve ser igual para todos. Para todos!

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.

Escrito por Abdon Mar­inho

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
Por Abdon Mar­inho.
MANHÃ chu­vosa. Enquanto con­tem­plava, desde as primeiras horas do dia a chuva que caía, ia refletindo sobre os últi­mos acon­tec­i­men­tos do nosso país.
E é de inda­gar: como cheg­amos a este ponto? Qual o futuro que nos aguarda?
São tem­pos estran­hos.
Se não me falha a memória, desde o ano de 1984 – e lem­bro o episó­dio – não ouvia o Jor­nal Nacional encer­rar com uma infor­mação vinda da caserna, um pro­nun­ci­a­mento mil­i­tar. Naquela opor­tu­nidade foi a infor­mação de que Brasília, a cap­i­tal da fed­eral aman­hece­ria sob Estado de Sítio. Era a véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, que prop­unha a volta de eleições dire­tas para a presidên­cia da República.
Pas­sa­dos mais de trinta anos, como um dèja vu fora de época, ouvi o apre­sen­ta­dor do JN infor­mar uma última notí­cia: e leu a um tuíte do gen­eral Vil­las Boas, onde o mesmo faz comen­tários sobre o quadro político. Mais que isso, falando em nome do Exército brasileiro.
Aqui não desço ao con­teúdo do tuíte – o mesmo até pode ser per­ti­nente –, o mais rel­e­vante foi a sua reper­cussão em meio a mídia e as insti­tu­ições. Emb­ora, o gen­eral tenha fal­ado em nome do Exército, pode­ria ter sido tratado como uma opinião pes­soal. Assim como as demais opiniões de out­ros mil­itares em respostas às colo­cações do coman­dante da tropa mil­i­tar.
Fez-​se o oposto. Gerou-​se um clima de inter­venção como nunca tín­hamos visto.
Vejo como se país tivesse retro­ce­dido a 1978, quando os mil­itares, já cansa­dos do encargo, já tra­bal­havam no sen­tido de devolver o poder político aos civis, e o general-​presidente de então disse que faria a tran­sição nem que fosse na marra.
O Brasil de hoje dis­cute um retorno a uma situ­ação de quarenta anos atrás.
Como cheg­amos a esse grau de lou­cura insti­tu­cional?
A sociedade con­sol­ida a visão de que democ­ra­cia brasileira é o retrato do fra­casso.
As palavras do gen­eral Vil­las Boas, muito além do que efe­ti­va­mente disse, encon­trou inques­tionável eco em todas as camadas da sociedade. Nos últi­mos ouvi man­i­fes­tações de apoio as palavras do gen­eral não ape­nas nos cír­cu­los mil­itares das Forças Armadas, dos mil­itares das poli­cias e corpo de bombeiros, mas tam­bém de inúmeros cidadãos civis.
Como cheg­amos a isso? A per­gunta que não cala.
Não lem­bro – em tempo algum da história do país –, ter visto a autori­dade do Supremo Tri­bunal Fed­eral ser tão ques­tion­ada. Pior que isso, a sua dos seus min­istros jogada na lama. Por estes dias o que se ouviu em diver­sas cap­i­tais foram apu­pos, vaias e xinga­men­tos à Corte, inclu­sive com palavras de ordem do tipo: “Olá Supremo /​Eu vim aqui /​pra te dizer /​Que o país tem ver­gonha de você”.
Este foi um dos coros con­tra corte por conta do jul­ga­mento de um habeas cor­pus do ex-​presidente Lula, con­de­nado com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia da justiça brasileira.
Como cheg­amos a esse ponto? Ao ponto de pop­u­lares gritarem palavras de ordem con­tra a Corte máx­ima da justiça do Brasil?
Não tenho reg­istros de tamanha situ­ação de descrédito – nem mesmo durante os 21 anos do Régime Mil­i­tar.
Ape­sar da situ­ação de excep­cional­i­dade durante aquele período havia da parte da pop­u­lação um respeito rev­er­en­cial ao STF. Por mais que incom­preen­síveis, muitas das vezes algu­mas de suas decisões, não se ousava ques­tionar a sobera­nia e ou mesmo a justeza de seus acórdãos.
Isso ficou no pas­sado.
E, infe­liz­mente, forçoso recon­hecer, o próprio STF é o respon­sável pelo despres­ti­gio que passa. Ao longo dos anos, foi se dimin­uindo, se fulanizando e as suas decisões. Min­istros vai­dosos, mais políti­cos que juízes, tornaram se ser­vos dos holo­fotes, sem qual­quer pre­ocu­pação com o con­junto do tri­bunal.
Suas excelên­cias, sem qual­quer con­strang­i­mento ou pudor pas­saram a decidir mais diante das câmeras que nos autos dos proces­sos, na observân­cia da Con­sti­tu­ição Fed­eral. Deixaram de obser­var as regras mais ele­mentares de dis­crição e decoro. Viraram “pal­piteiros” em tudo que foi assunto sobre os quais lhes per­gun­tavam os jor­nal­is­tas.
Tanto fiz­eram na busca da fama que se tornaram mais con­heci­dos que a escalação da seleção brasileira, isso à véspera da Copa do Mundo.
O resul­tado é o vemos: o descrédito, os apu­pos, o ques­tion­a­mento público de suas decisões.
O STF con­struiu sua ruína e com ela a ruína do próprio país.
Vejam o elu­cida­tivo caso que coloca o país em sus­pense: a prisão do ex-​presidente Lula. Faz pouco mais de dois anos que o STF fir­mou jurisprudên­cia – registre-​se: por estre­ita margem –, infir­mando a pos­si­bil­i­dade de prisão após jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se esgota o exame das matérias de fato.
Ora, matéria deci­dida, cabia a suas excelên­cia dar efe­tivo cumpri­mento aquela decisão nos proces­sos que lhe chegavam às mãos, certo? Lógico que sim, a tese vence­dora no tri­bunal dev­e­ria ser obser­vada pela indi­vid­u­al­i­dade dos min­istros e suas tur­mas. Ocor­reu o con­trário. Cada min­istro, a exceção da min­is­tra Rosa Weber, pas­sou a decidir con­forme sua con­vicção pes­soal, desre­spei­tando, eles próprios o órgão cole­giado, na sua instân­cia máx­ima. Acendeu-​se a caldeira do inferno. Os tri­bunais infe­ri­ores, obe­de­cendo a decisão do Supremo e seus min­istros a desrespeitando-​a.
O jul­ga­mento do HC do ex-​presidente é mais uma ver­tente a enve­ne­nar as relações insti­tu­cionais, arrisco dizer que o STF apro­fun­dou ainda mais seu desprestí­gio e o fosso que o sep­ara da sociedade.
A sociedade espera que, pelo menos diante do STF, todos cidadãos ten­ham o mesmo trata­mento. Aliás, mais de uma vez já se ouviu min­istros diz­erem que proces­sos não tem capa. Aí o cidadão se per­gunta: se fosse ele ou um João da Silva qual­quer ao invés do ex-​presidente, a corte gas­taria duas sessões inteira, indo pela madru­gada a den­tro para decidir um habeas cor­pus? Mais, o tri­bunal desafi­aria suas próprias decisões no intuído de lhe con­ceder uma ordem para não ser preso?
Qual­quer um sabe as respostas para estas per­gun­tas. Ela é não. Entre­tanto o se viu foi isso, o tri­bunal bus­cando dire­ito onde não havia para dar a um brasileiro em espe­cial, um trata­mento difer­en­ci­ado. E foi além, tive­mos min­istros da mais ele­vada Corte “exercendo” clara­mente o papel de advo­ga­dos de defesa do paciente, ques­tio­nando, inclu­sive, os votos diver­gentes.
A matéria posta em dis­cussão era bem sim­ples: se o STJ ao não per­mi­tir ao con­de­nado Luiz Iná­cio que recor­resse em liber­dade até esgo­tar todos os recur­sos, estaria agindo em afronta ao que dis­põe a Carta Magna a ser socor­rido com base no reme­dio hero­ico: “LXVIII — conceder-​se-​á «habeas-​corpus» sem­pre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer vio­lên­cia ou coação em sua liber­dade de loco­moção, por ile­gal­i­dade ou abuso de poder;”.
A resposta sin­gela a essa per­gunta: NÃO.
Não ocor­reu ile­gal­i­dade ou abuso de poder. O STJ agiu em con­formi­dade com o entendi­mento do próprio STF que decidiu assim – acer­tada­mente ou não, con­forme já descortinei o assunto out­ras vezes, ressal­vando meu pen­sa­mento em con­trário.
Acon­tece que o entendi­mento prevale­cente, até o momento, é no sen­tido do cumpri­mento da ape­nas após o esgo­ta­mento da segunda instân­cia, logo não have­ria que se falar em vio­lação da parte do STJ, con­quanto inúmeros brasileiros estão cumprindo pena, desde 2016, com base em tal prece­dente. E, salvo, protestos iso­la­dos aqui e ali, de advo­ga­dos e defen­sores, ninguém nunca se pre­ocupou com o fato dos presí­dios estarem cheios de pobres.
O que resta claro para a sociedade é que, ante a pos­si­bil­i­dade das auguras do cárcere atin­gir os poderosos, os crim­i­nosos de colar­inho branco, tenta-​se bus­car uma saída para que isso não ocorra.
Para isso, antes do sen­hor Lula ser preso, já artic­u­lam levar a jul­ga­mento as ADC’s (Ações Dire­tas de Con­sti­tu­cional­i­dade) para mudar o entendi­mento de 2016.
E, pior, para que não fique tão con­tra­ditório darem um giro de 180º na jurisprudên­cia, “tra­mam” um novo “puxad­inho jurídico”: o cumpri­mento da pena após a ter­ceira instân­cia, ou seja, a par­tir do jul­ga­mento no Supe­rior Tri­bunal de Justiça. Tudo para dar uma sobre­v­ida aos encalacra­dos, levar os proces­sos as cal­en­das, para pre­scrição ou para a morte dos crim­i­nosos.
Ao meu sen­tir ou se é con­sti­tu­cional ou não o cumpri­mento da pena antes do trân­sito em jul­gado. Fora disso é arru­mação.
A per­gunta der­radeira a se fazer é: quanto tempo mais o Brasil vai aguen­tar? Quanto tempo mais será o país do “jeit­inho”.
É con­tra isso que se insurge as vozes da cidada­nia.
Abdon Mar­inho ‘e advogado.

A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO.

Escrito por Abdon Mar­inho

RECOR­DAR É VIVER:
SOBRE O CUMPRI­MENTO ANTE­CI­PADO DA PENA.
O BRASIL exper­i­menta dias de rad­i­cal­is­mos por conta da decisão rela­cionada ao Habeas Cor­pus do ex-​presidente Lula, con­de­nado em primeira e segunda instân­cia.
Naquela opor­tu­nidade escrevi o texto que segue abaixo:
A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO*.
Por Abdon Mar­inho.
– Agora las­cou.
Com estas palavras, me alcança um amigo, na madru­gada seguinte à decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que deliberou, em um caso con­creto, sobre a pos­si­bil­i­dade do con­de­nado em primeira e segunda instân­cias da justiça, ini­ciar o cumpri­mento da pena, ainda que com recur­sos pen­dentes nos tri­bunais supe­ri­ores.
Na tarde do mesmo dia, enquanto aguar­dava o jul­ga­mento de um processo no Tri­bunal Regional Eleitoral — TRE/​MA, foi a vez de um jovem colega indagar-​me e cobrar que opinasse sobre o tema.
A decisão da Corte Suprema talvez tenha sido o ápice uma sem­ana excep­cional­mente per­tur­badora para mim e que me faz pen­sar sobre o quê aguarda a humanidade.
Duas notí­cias vin­das do inte­rior do Maran­hão – que ainda custo em acred­i­tar – remete-​nos a um mundo de bar­bárie que pen­sava não mais exi­s­tir ou que estivesse muito longe da nossa real­i­dade.
A primeira, de São Bernardo, municí­pio de menos de 30 mil habi­tantes, nos dando conta que “pop­u­lares» invadi­ram e seques­traram pre­sos acu­sa­dos do homicí­dio de um empresário, torturaram-​nos e os mataram. Os blogues do estado divul­garam as ima­gens do fato – que não tive cor­agem de assi­s­tir.
A segunda, vinda de Col­i­nas, cidade com pouco mais de 40 mil habi­tantes, narra que ladrões “estouraram” uma agên­cia bancária, uma refém foi vítima de “bala per­dida” ou exe­cu­tada. Quando os ban­di­dos fugi­ram do local deixando a vítima nas ime­di­ações de onde ocor­rera o delito «pop­u­lares» cor­reram para o banco para pegar e se apro­priar dos maços de din­heiro deix­a­dos pelos ban­di­dos. Mais que isso, algu­mas fontes nar­ram que fes­te­jaram a “sorte” que tiveram com a empre­itada.
Os dois episó­dios nada têm, em princí­pio, com a decisão tomada pelo STF, mas rev­ela aspec­tos inter­es­santes da sociedade em que vive­mos. No caso de São Bernardo, pop­u­lares, suposta­mente, incré­du­los com a ação do Estado em punir malfeitores a ponto de tor­tu­rarem e exe­cutarem aquele(s) que come­teram um crime hediondo. Fazendo isso pub­li­ca­mente, à luz do dia, alguns exibindo o rosto às claras e sem receio.
Já no episó­dio de Col­i­nas, tais pop­u­lares não demon­straram tanto pesar pelo perec­i­mento de uma vítima inocente da ação dos facíno­ras, pelo con­trário, acharam opor­tuno tirar uma van­tagem pes­soal de uma ação odi­enta, indifer­entes ao sofri­mento da vítima e de sua família se locu­ple­taram, tam­bém eles, do roubo.
Se chegarem aos autores dos fatos de São Bernardo, estes, con­fronta­dos com a Justiça decerto que dirão que agi­ram em nome da justiça, con­tra a impunidade, etc.
Já os de Col­i­nas dirão que foram capazes de roubar o banco igno­rando a vítima por que viram “out­ros” fazendo o mesmo.
Em ambos os episó­dios a questão de fundo é a impunidade. Uns dizendo que agem con­tra a impunidade e out­ros na certeza que aquilo que fiz­eram sairá impune.
Aqui, os três episó­dios con­fluem: os bár­baros acon­tec­i­men­tos do inte­rior da Maran­hão e a decisão do Supremo. Todos têm por móvel a impunidade.
Não é atoa que os veícu­los de comu­ni­cação trataram a decisão do STF como histórica no com­bate a impunidade, colo­cando na mesma matéria tanto as decisões dos min­istros quanto os casos sím­bo­los de impunidade no país.
O caso de Pimenta Neves que tendo matado a namorada, sendo ré con­fesso, exper­i­men­tou, tar­dia­mente poucos dias na cadeia.
O caso do ex-​senador Luís Estevão que tendo sido con­de­nado pelo roubo de mil­hões de uma obra em São Paulo per­manece solto de recurso em recurso.
O caso do juiz Nico­lau dos San­tos Neto; e tan­tos out­ros casos emblemáti­cos que fazem o cidadão comum crer que a Justiça trata de forma difer­ente uns e out­ros.
Reputo o com­bate à impunidade uma urgên­cia nacional tão impor­tante quanto o com­bate ao mos­quito Aedes Aegypti, mos­quito respon­sável pelas pre­ocu­pações de quase todos os brasileiros. Aliás, a infes­tação de mos­qui­tos se deve ao fato de muitos dos respon­sáveis pelos recur­sos públi­cos estar soltos.
A decisão do STF vai além de “pre­ocu­pante» con­forme manifestou-​se, tim­i­da­mente, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB, ela avança sobre umas das garan­tias con­sti­tu­cionais mais caras inseri­das na Con­sti­tu­ição do país.
Está lá no artigo 5º, inciso LVII: ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória.
Estou con­victo que a decisão, por maio­ria, do Supremo vem ao encon­tro do anseio da larga maio­ria do povo brasileiro que clama pelo fim da impunidade, sobre­tudo, daque­les que sem­pre se mostraram inat­ingíveis pela lei que dev­e­ria ser para todos e, longe, de mim, por outro lado defender a impunidade.
Ape­sar disso, entendo que há algu­mas questões que mere­cem ser respon­di­das:
A primeira delas é que ao Supremo não cabe ree­scr­ever a Con­sti­tu­ição. Por mais que lhe caiba fazer a inter­pre­tação da mesma, não lhe têm os min­istros, o poder de dizer que aquilo que está escrito pode ser inter­pelado de outra forma.
A segunda questão é que, emb­ora a intenção da maio­ria do Supremo seja boa, o com­bate à impunidade, como disse é uma urgên­cia, tenho dúvi­das se não estão come­tendo um mal maior.
Não há for­mas mais efi­cazes de se com­bater a impunidade? Não exis­tem mecan­is­mos que façam a Justiça fun­cionar com mais efi­ciên­cia e rapi­dez?
A sociedade não pode ser con­strangida à escolha de Sofia.
Em nome do fim da impunidade, abrir mão do prin­ci­pio con­sti­tu­cional da pre­sunção da inocên­cia.
O min­istro Celso de Mello, decano do STF, e um dos votos-​vencidos na matéria que dotou país de uma nova ori­en­tação, em entre­vista em rede nacional, trouxe uma questão que con­sidero gravís­sima. Ele, que com­põe aquele cole­giado desde 1989, asseverou que 25% (vinte e cinco por cento) das matérias crim­i­nais que chegam aquela Corte, através de recur­sos extra­ordinários são refor­madas.
O número é espan­toso. Poucos casos chegam ao Supremo, se destes 25% (vinte e cinco por cento) são refor­ma­dos, quan­tos não o são no Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, onde os recur­sos chegam com mais fre­qüên­cia e abundân­cia?
Em vigor a nova ori­en­tação, quan­tos inocen­ta­dos pos­te­ri­or­mente, não terão amar­gado o cárcere? Quem pagará por isso? Cri­arão uma tabela dizendo quanto vale cada dia em o cidadão inocente pas­sou preso?
Claro que pre­cisamos averiguar se esse número de decisões refor­madas não é um dos sub­pro­du­tos da impunidade. Mas, ainda que seja menos, o encar­ce­ra­mento de um inocente, por um dia que seja, não pode ser tro­cada por dez, cem ou mil cul­pa­dos soltos.
A grande questão é esta: se vale a pena encar­cerar inocentes em nome do com­bate à impunidade.
Na minha opinião nada é mais impor­tante que a liber­dade de um inocente, ainda que para garan­ti­mos essa liber­dade ten­hamos que tol­erar alguns cul­pa­dos soltos.
No dia seguinte após a decisão do Supremo, ten­tando encon­trar algo de pos­i­tivo na mesma, dizia a um colega: – agora, os jul­gadores de primeira e segunda instân­cias, diante da tamanha respon­s­abil­i­dade que é man­dar um inocente para cadeia, tomarão muito mais cuidado na hora de jul­gar, verão se de fato o crime foi cometido, de forma e por quem.
Con­hece­dor de mais coisas que eu, ele me des­en­co­ra­jou: – para os inocentes, as coisas ficarão bem mais difí­ceis.
Será que o que nos espera é mesmo a bar­barie?
Abdon Mar­inho é advo­gado.
* Texto pub­li­cado em 2016, por ocasião da decisão do STF sobre cumpri­mento da pena após con­de­nação em segunda instância.