O PIOR DO PASSADO OU UM NOVO REIS PACHECO PARA O MARANHÃO.
Por Abdon Marinho.
UM dos clássicos da música brasileira que nos embalou nos anos oitenta tinha o refrão: “vejo o futuro repetir o passado, vejo um museu de grandes novidades, o tempo não pára”.
Era o grito de insatisfação da juventude e, por assim dizer, de toda a sociedade contra os desmandos dos donos do poder verbalizado nos palcos dos shows em Brasil por Cazuza.
Os fatos do momento no Maranhão trouxeram-me a lembrança deste refrão específico: vejo o futuro repetir o passado, vejo um museu de grandes novidades…
Quem conhece a história recente, e não tão recente, tem uma real dimensão da gravidade dos fatos.
O governo estadual, mais uma vez, vê-se acossado por notícias de malfeitos.
Desta vez, uma circular da Policia Militar do estado orientando pesquisas sobre as preferências políticas dos cidadãos e da própria corporação. O propósito, segundo a mesma circular, prevenir possíveis “embaraços eleitorais”.
Trata-se de uma novidade esse tipo de levantamento?
Não. A história registra os milhares de bancos de dados com informações dos cidadãos nos arquivos dos regimes totalitários: no régime nazista, na Alemanha; no facista, na Itália, no comunismo, desde a União Soviética aos seus satélites ao redor do mundo, no passado e atualmente, no caso de Cuba, Coreia do Norte, e seus congêneres.
No Brasil, durante ditadura militar, era comum que se investigasse e fizessem bancos de dados sobre as preferências políticas e eleitorais dos cidadãos, as fichas do DOI-CODE, estão ainda por aí, sendo objeto de pesquisas.
É fato, um dos prazeres de ditadores e seus aprendizes é bisbilhotar a vida dos cidadãos, a saber o que fazem, com quem falam, o que dizem, com quem trepam.
Essa é a busíles da questão, o cerne de sua gravidade: temos um governo estadual, em plena democracia, construindo bancos de dados sobre os cidadãos e sobre os seus adversários políticos, reais e imaginários.
Em se tratando de escândalo político no Maranhão essa “confecção” de dados sobre a vida dos cidadãos, faz o caso “Reis Pacheco”, até então, na minha visão, o mais grave – tínhamos um senador da República urdindo um falso crime de assassinato para comprometer um outro senador da República e ganhar as eleições de 1994 – parecer coisa de criança travessa.
No caso “Reis Pacheco” a trama toda se deu na esfera privada. Antiético, criminoso, imoral, mas na esfera privada.
Agora, segundo informa a circular, temos uma situação em que a máquina estatal, pior, a força policial, onde deve se escudar toda a sociedade, desempenhando um papel político eleitoral criminoso.
O governador do estado, Flávio Dino, se disse indignado com tal fato, achando um absurdo que tal situação tenha ocorrido, prometendo, por fim, a punição dos responsáveis. Segundo soube até já baixaram ato de exoneração do coronel que, supostamente, teria assinado a portaria circular encomendando o banco de dados sobre as preferências políticas dos cidadãos.
A negativa do governador de que o subordinado, ao encomendar o banco de dados, não agira por determinação estatal sugere alguns questionamentos.
Como sabemos as polícias em qualquer lugar do mundo, mesmo nas ditaduras, regem-se por princípios basilares dentre quais, os mais importantes são: hierarquia e disciplina.
Daí, questionamos:
Um oficial da policia faria algo tão grave por sua própria conta e risco?
Quem tinha ou tem interesse no serviço sujo?
Quem o encomendou?
Qual o interesse de oficiais da PMMA em pesquisar dados dos cidadãos em todo estado e da corporação para “fins eleitorais”?
Ainda que façamos um enorme esforço fica difícil acreditar que oficiais “burlem” os princípios de hierarquia e disciplina para imiscuir-se em assuntos de cunho político/eleitoral.
Saber as preferências políticas dos cidadãos e mesmo da corporação não é algo que esteja dentro das atribuições das polícias.
Fica mais difícil acreditar na “indignação” do governador e seus auxiliares, quando fazemos um breve retrospecto das informações que se tem do seu governo em relação a supostas perseguição aos seus adversários.
Trata-se de voz corrente no meio político de que o governo possui informações sobre este ou aquele político e por isso mesmo estes terão que ficar onde o governador quiser, sair candidato do seu lado ou não se atravessar no seu caminho.
Será verdade? Não sei. Dizem que sim.
Caso sejam verdadeiros tais boatos, como o governador e os seus têm informações capazes de guiar o comportamento dos políticos?
A resposta é uma só: fazendo uso da estrutra de investigação estatal.
Mais uma pessoa já insinuou-me que estaria sendo alvo de escutas ou de violação dos dados de comunicação.
Por estas e outras, fica difícil acreditar na “indignação” dos atuais donos do poder. Mais parece uma conveniente desculpa de quem foi apanhado com as calças nas mãos.
Há cerca de dois anos, logo depois da eleições de 2016, choveram denúncias de uso da policia para intimidar eleitores e candidatos no interior do estado, diversos políticos acordaram no dia da eleição com polícia na porta para supostas averiguações de crime eleitoral.
Em Mirinzal chegaram a deter — ou prender -, o prefeito sob a alegação de crime que supostamente teria cometido, contribuindo, pelo que se sabe, para a sua derrota.
Em todo estado, trata-se de quase uma unanimidade, é voz corrente o viés autoritário do atual grupo que se assenhoreou do poder.
Não toleram e não aceitam quaisquer tipos de críticas ou opinião dissonante. Não demonstram qualquer respeito ou apreço pela liberdade de expressão dos cidadãos.
Os exemplos claros disso são os inúmeros processos aos quais respondem blogueiros e jornalistas no Maranhão, atualmente.
E pelo poder, ao que parece, tudo é válido, mesmo o desrespeito às regras comezinhas de democracia, de respeito, gratidão e lealdade.
Assim, não vêem nada demais em terem descartado, como um cão “lazarento”, aquele que foi o responsável por sua existência política, o ex-governador José Reinaldo Tavares. E mais, moverem céus e terras para que não consiga sua eleição ao Senado da República – quando deveriam não medir esforços em sentido contrário.
Acham que está tudo bem quando dão, como deram, um “passa-moleque” no deputado Waldir Maranhão, ridicularizado, nacional e internacionalmente, por tê-los atendidos e revogado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, com a promessa de amor eterno, gratidão perpétua, com título de “guerreiro do povo brasileiro” e vaga na chapa oficial como senador.
Fica difícil acreditar na inocência diante de tão grave imputação, quando testemunhamos um certo exagero no uso da força estatal como fizeram com o ex-prefeito Ribamar Alves e o ex-deputado Paulo Marinho – não discuto a natureza dos supostos crimes que tenham cometido, mas restou claro um certo “prazer” dos donos do poder em fazê-los conhecer a presídio de Pedrinhas a partir da perspectiva interna.
Existem outros casos de “exageros” no uso do poder como se quisessem mostrar quem “manda” ou para compensar outras situações.
A situação é tal que mesmo o mais pacífico dos homens que conheço, Léo Costa – o mundo pode estar ‘pegando’ fogo e ele consegue ver algo de positivo, como aproveitar para comer peixe frito; capaz de enxergar positividade onde os demais só vêm caos; o derradeiro otimista diante do quadro político dantesco do momento –, mesmo ele, não faz muito tempo, surpreendeu-me ao dizer que não ingressaria no PSDB, já sob o comando do senador Roberto Rocha, enquanto o partido tivesse qualquer ligação, por menor que fosse com o governo estadual – acho que as palavras que usou foram mais duras.
O ex-prefeito de Barreirinhas, não disse palavras tão duras apenas devido a “puxada de tapete” das eleições de 2016, quando lhe “tomaram” o partido que fundou e lhe impediram de disputar a reeleição ou pela total falta de apoio que teve do governo estadual – apesar de sempre ter sido um leal companheiro, a ponto, inclusive, de passar o aeroporto do município para o estado –, fê-lo ter percebido, assim como tantos outros, que o poder, para seus atuais detentores, é mais importante que a causa.
Quem poderia imaginar que num governo intitulado da “mudança” fossem ocorrer suicídios, como o do médico Mariano Castro, tendo como questão de fundo escândalos de corrupção?
São coisas assim, o pouco caso e o menosprezo diante de outras, como o caso do empresário de Barra do Corda que morreu após ter sido enjaulado durante um dia inteiro e sob o sol a pino; o caso do suicídio de um delegado que alegou perseguição ou da estudante morta em Balsas, após desastrada operação, e que os familiares até hoje não receberam um pedido formal e público de desculpas, que faz aumentar a descrença e, como soube, faz surgir uma emblemática e imaginária associação de ex-eleitores.
O caso agora revelado – e que nos remete as catacumbas mais horripilantes dos regimes totalitários –, é um crime eleitoral a reclamar uma pronta intervenção do Ministério Público Eleitoral no sentido apurar todas as responsabilidades e identificar os envolvidos.
Inaceitável que, em pleno século 21, tenhamos, sobretudo depois de tudo que passamos, que conviver com coisas desta natureza.
Fichar cidadãos? Tomem tenência meus senhores!
Aguçou-me uma curiosidade: Será que fizeram uma ficha minha? O que tem nela? Posso ter acesso?
Encerro lembrando que no clássico de Cazuza, “O Tempo Não Pára”, antes do verso “vejo o futuro repetindo o passado, vejo um museu de grandes novidades”, vem aquele: “A tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos”…
Até breve!
Abdon Marinho é advogado.