QUANDO O BRASIL PAROU: O CAMINHO ATÉ O CAOS.
Por Abdon Marinho.
DIANTE das filas intermináveis para abastecer e, pior da falta de combustível; das vias interditadas; da falta de alguns produtos, ou dos preços nas alturas; das verduras ou leite sendo jogados fora por não ter como escoar; da falta de combustível para veículos essenciais para atender os cidadãos, como viaturas policiais e ambulâncias; da paralização do tráfego aéreo por falta de combustível; diante de todo caos que tomou conta do país com a paralização dos caminhoneiros, uma pergunta se impõe: como chegamos a esse ponto?
Apesar da pergunta ser única ela comporta diversas respostas e reflexões.
O Brasil é um país continental, como sabemos e mesmo que não fosse, trata-se se um brutal equívoco que tenha optado, praticamente, por um único tipo de transporte: o rodoviário, ao invés de investir nas várias outras formas, como o transporte ferroviário ou mesmo fluvial.
Algum historiador ainda vai nos responder a razão pela qual o país cometeu tão grave equívoco a ponto de, hoje, encontrar-se refém de uma única categoria de trabalhadores.
Era previsível que, mais cedo ou mais tarde, o que está ocorrendo hoje viesse a acontecer. E isso, devemos a equívoco dos governantes de, ao longo dos anos, ter abandonado as outras formas de transporte das riquezas do país e investido apenas no transporte rodoviário. Justamente a mais onerosa.
Não digo que devêssemos abandonar o transporte rodoviário, apenas que não deveríamos fazer o que foi feito: abandonar as outras formas.
Se fizermos um estudo comparativo veremos que os investimentos no transporte ferroviário ou fluvial foram praticamente nulos.
Algum gênio, baseado não se sabe em que estudo, simplesmente decidiu que não deveríamos ter mais ferrovias ou hidrovias.
Fico imaginando se não teria sido mais “barato” ou vantajoso se o país tivesse orientado seu crescimento a partir do modelo que já vinham empregando. Sim, o Brasil nasceu as margens dos rios e das ferrovias. Só muito depois abandonaram por completo essas matrizes para investir no que temos hoje. Deu no que deu.
Para que o serviço de desmonte do país ficasse completo “decidiram” que além de abandonar as ferrovias deveria também “matar” os rios. O resultado é o que temos aí.
Sempre me pergunto se um modelo era excludente do outro. Se não poderíamos/deveríamos investir, conforme as situações objetivas, investir tanto numa quanto nas demais? Por que ao lado das rodovias – ainda que nas principais –, não foram feitas ferrovias? O custo seria praticamente o mesmo.
Certamente que a opção foi pelo modelo mais caro para o país.
O Brasil possui a pior malha viária do mundo civilizado – e o Maranhão, a do Brasil. Todos os anos essa malha viária consome milhões em manutenção e reparos.
Até parece que foi mal feita para exigir internáveis e caros reparos todos os anos.
Não satisfeitos com o modelo de transporte “único”, os gênios do país acharam que era “inteligente” sermos dependentes, praticamente, dos combustíveis fósseis, do petróleo. Independente de termos um “mar” de petróleo no nosso subsolo, é primário o dispêndio com o refino e mais primário, ainda, que tal recurso não é infinito, um dia acaba. Razão pela qual, quem pensa no futuro, procurar desenvolver outras formas de combustíveis, de preferência renováveis e que cause o menor impacto possível na natureza.
O Brasil, até pela imensa população que possui, produz uma quantidade resíduos sólidos e esgotos. Enquanto outras nações transformam tais dejetos em combustíveis, nosso país aproveita para poluir o meio ambiente.
É quase insignificante o que aproveitamos de tais recursos se comparamos com outros países, mesmo os menores e menos ricos que o nosso. Somos a oitava economia do mundo.
O nosso país, como já dito, de dimensão continental, com vento e sol o ano inteiro, muito pouco aproveita de tais recursos, preferindo, ainda, infelizmente, gerar energia com a construção de hidrelétricas, que demandam custos quase similares – e em prejuízos diversos para a natureza.
São fontes de energia renováveis, inovadoras, mas que os nossos governantes não incentivam, não estimulam. Até o “Pró-Álcool”, que foi um programa governamental de incentivo à produção de combustível a partir da cana de açúcar, no final dos anos setenta e começo dos oitenta foi abandonado, deixaram de mão nos primeiros contratempos.
Ao invés de insistir e melhorar o produto, o abandonaram e com isso perdemos anos e anos fazendo a coisa errada. Um país com tantos recursos, com uma economia que tão forte era para investir muito mais em pesquisa, era para termos universidades “focadas” na produção de tecnologias voltadas para este setor. Para a produção e barateamento das energias renováveis, carros elétricos ou movidos a outros combustíveis.
Não temos nada disso. Faltou gasolina ou diesel e o país trava por completo.
Pois bem, ainda respondendo à pergunta de como chegamos ao estado de caos em que nos encontramos, além dos equívocos da opção pelo modelo “único” rodoviário e ao também, equivocado desprezo pelas outras formas de energias, tornando o país dependente do petróleo, merecem consideração, ainda duas outras situações: a corrupção generalizada e a carga tributária desumana.
Será que alguém duvida que o caos que vivenciamos é, também, fruto da sangria permanente, a que foi submetida a Petrobrás, com especial destaque, nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma, a partir de 2003?
Pois é, conforme revelam as investigações, a petroleira brasileira foi praticamente liqüidada para sustentar a corrupção dos governantes e seus aliados, numa ponta, e na outra ponta, obrigada a manter subsídios impraticáveis em nome do projeto de poder.
Qualquer um sabia que um dia a conta chegaria para os brasileiros pagarmos. Assim, como fizeram com o setor elétrico, mantendo artificialmente baixas as contas de luz, com o propósito eleitoreiro de vencer as eleições.
No caso da Petrobrás, resta o agravante de que tiraram o dinheiro da empresa literalmente, fosse através dos contratos fantasmas, fosse através dos infinitos superfaturamentos.
Trata-se de uma conta monumental que agora estamos tendo que pagar.
Devemos observar que além da roubalheira desmedida, estamos pagando, também, o prejuízo que tiveram os investidores vítimas da corrupção – até isso temos que pagar.
Não bastando tudo isso, para coroar o caos, temos uma carga tributária irracional.
O brasileiro que já passa quase meio ano trabalhando para pagar impostos, paga quase cinquenta por cento (dependo do estado da federação) de tributação sobre o combustível toda vez que encosta no posto para abastecer.
Vejam, não possuo capacidade técnica para opinar se a política de preços da Petrobras de atrelar o valor dos combustíveis à cotação do barril ao valor do dólar no mercado internacional está certa ou errada, mas sei, apenas usando o bom senso, que nenhuma política de preços nestes moldes, funciona com uma carga tributária tão elevada, com a cultura de tirar vantagem em tudo do nosso empresariado e a pouca eficiência do Estado em fiscalizar os abusos.
Querem um exemplo prático? Quantas vezes se ouviu dizer que o combustível baixou na refinaria e você continuou pagando a mesma coisa no posto? Sempre. Se baixou alguma vez, nunca sentimos isso. Já aumento, bastava o jornal anunciar e já estava o preço alterado na bomba.
Agora mesmo nesta crise, os revendedores compraram o combustível no preço antigo, não teve nenhum aumento na refinaria, ainda assim aproveitam para jogar o preço nas alturas, cobrando valores absurdos por um litro de combustível.
A mesma coisa vem ocorrendo com diversos outros produtos, compraram no preço real e aproveitam para ganhar mais por conta crise.
E os órgãos de controle e fiscalização estão, praticamente, inertes.
Mas voltando à questão de fundo, como explicar e aceitar que o preço do combustível no Brasil custe quase o dobro do que custa nos Estados Unidos, na Europa e até mesmo nos países que importam o nosso petróleo? Como explicar que um botijão de gás de cozinha custe quase dez por cento do salário mínimo vigente? Não faz nenhum sentido.
Mas uma das explicações está na carga tributária desumana que se pratica no Brasil.
E, pior, pagamos muitos tributos sem qualquer contrapartida.
O cidadão paga o imposto mas tem que pagar a escola particular para filho; tem que pagar o plano de saúde se não quiser morrer, tem que pagar a segurança privada e gastar “rios” de dinheiro com diversos mecanismos de proteção, se quiser ter um mínimo de tranquilidade para dormir, minimamente, sem sobressaltos. Gasta-se uma fortuna para se ter uma sensação mínima de segurança dentro casa. E, ainda assim, não tem. Nem falemos no que acontece quando ousa sair de casa.
No caso daquelas pessoas que vivem do transporte a situação é ainda mais grave, pois além desta infinidade de tributos, gastam outro tanto na manutenção dos veículos devido às péssimas condições das estradas, são pneus, são peças, que se perdem graças às nossas estradas terríveis. Não bastasse tudo isso, ainda são obrigados a pagar pedágios. Ou seja se paga muito para não se ter nada de volta. Não duvido da afirmativa de que estão pagando para trabalhar.
Os governantes precisam entender toda essa discussão e, juntos, buscarem uma solução. Não adianta ficarem dizendo, infantil e irresponsavelmente, como fazem alguns governadores, que esta crise “pertence ao governo federal”, além de não ser verdade, pois uns dos tributos que mais contribuem com os preços dos combustíveis é o ICMS, que é cobrado pelos estados, trata-se de uma arrematada tolice, uma falta de compromisso com o país e com os cidadãos, que no final das contas, são os maiores sofredores e estão sob jurisdição de suas excelências.
A crise é do país, todos têm sua parcela de responsabilidade e devem contribuir de alguma forma para a solução do problema.
Os caminhoneiros são mais vítimas que responsáveis pelo caos instalado no país e devemos agradecer por terem, com esta paralização, chamado a atenção para o drama e desgoverno que tomou conta do país.
Abdon Marinho é advogado.