FALECE DIGNIDADE AO DISCURSO SOBRE EDUCAÇÃO.
Por Abdon Marinho.
NINGUÉM, nem mesmo os tansos, desconhece a inteligência do governador do Maranhão, Senhor Flávio Dino. Basta dizer que aos 18 anos, em 1986, segundo consta de sua biografia, já lograra êxito em ser aprovado no vestibular da Universidade Federal do Maranhão — UFMA. Um feito e tanto, considerando que a concorrência naquele tempo passava dos quarenta por vaga, às vezes cinquenta. Com 21 anos, já emendara um mestrado e aos 26 anos já se fazia aprovar no concurso de juiz federal – e, como fazem questão de ressaltar seus bajuladores: em primeiro lugar. Um pouco antes, ou concomitante, já ingressara como docente da universidade de onde acabara de sair. Extraordinário!
Não há como negar o mérito próprio, a dedicação, a inteligência, mas, também, há que se reconhecer que o sucesso foi, também, o fruto de uma boa base educacional, encerrada na secular instituição dos Irmãos Maristas que, naqueles dias, juntamente com o Colégio Batista, Colégio Santa Tereza e Colégio Dom Bosco, figurava entre os melhores da capital maranhense.
Um mesmo jovem que estivesse cursando/concluindo o ensino médio na rede pública, em 1986, teria que ver adiado o seu sonho de entrar na faculdade e, até mesmo, concluir o curso dentro do ano letivo. Lembro que por muito pouco, a rede de ensino pública não perdeu aquele ano letivo por conta de uma greve que durou quase 60 (sessenta) dias. No ano anterior foi a mesma coisa. Vivíamos dias complicados.
Até o início dos anos noventa a capital do estado só possuía duas universidades: a UFMA e a UEMA, com vestibulares anuais. Os ricos, podendo pagar boas escolas privadas, conseguiam passar logo nos primeiros vestibulares ou aqueles que apesar do dinheiro não possuíam lá muita dedicação, iam estudar noutros estados onde haviam mais vagas nas faculdades públicas ou em faculdades privadas.
Os pobres, egressos do ensino público, que quisessem “ser alguém”, cursar uma faculdade era obrigado a ficar estudando e tentando, uma, duas, três, quatro, cinco vezes ou mais, até conseguir ou desistir. Não era porque éramos burros, desprovidos de inteligência, é que muitas vezes, abria-se a prova do vestibular e percebia-se que parte do conteúdo que caía na prova nunca vira por onde estudou.
Como resultado, não “passava” no vestibular. Passava era outro ano estudando apostilas com questões de vestibulares anteriores, fazendo cursinho (os que podiam pagar) para tentar, mais uma vez, no ano seguinte. Excepcionalmente, claro, alguém vindo do interior concluir seus estudos na capital conseguia ser aprovado “de primeira” num dos vestibulares, mas essa era exceção da exceção, não a regra.
No fato uma contradição em si – e que persiste, ainda que em menor grau, até hoje –, os pobres, que mais necessitavam do ensino superior gratuito não podiam auferir do mesmo, exceto após descomunal esforço, pois as vagas ficavam com os que tiveram condições de pagar o ensino privado nas melhores escolas da cidade nas etapas anteriores.
Essa foi a minha experiência e de tantos outros milhares de jovens egressos do ensino público estadual. Os que, como eu, conseguiram passar no “funil” do ensino superior foram bem poucos. E as nossas escolas, em estrutura e qualidade do ensino, era o que de melhor oferecia – e ainda oferece –, a rede estadual.
Pois bem, faço estas considerações iniciais porque, à míngua do que mostrar, em termos de obras estruturantes após três anos e meio de governo, o senhor Flávio Dino e os seus auxiliares – todos eles bem formados –, tentam enganar os incautos “vendendo” a “verdadeira revolução” do chamado “Programa Escola Digna”.
Vejam, sou um entusiasta do referido programa, quando fui apresentado a ele, pela secretária Áurea Prazeres, logo no início da gestão, fiquei encantado com a proposta e escrevi um texto elogioso à iniciativa. Podem procurar nos meus escritos.
Acontece que, diferente do que me foi mostrado – ou talvez do que imaginei, pois acreditei na proposta –, o que o governo vem apresentando como sendo a redenção do Maranhão na área educacional é apenas a substituição das taperas, as escolinhas de taipa e chão batido, por uma escolinha de tijolo, com telhado e piso cerâmico.
Não duvido que representa um avanço em relação ao modelo que admitia como “escolas” estruturas sem as condições mínimas de funcionamento, como disse, taperas vergonhosas. Mas isso está longe de representar o que seja, efetivamente, uma escola digna.
Estão gastando verdadeiras fortunas em projetos que não consideram efetivas melhorias nas condições de ensino das crianças e jovens. E, pior, vendendo-lhes a ilusão de que estão promovendo uma evolução na educação.
Quais são as condições de ensino que estão sendo oferecidas nestas e nas demais escolas da rede estadual? Estão formando pessoas capazes de ingressar nas melhores universidades do país e futuramente serem aprovados nos melhores concursos? Capazes de competirem, em condições de igualdade, para o ingresso nas melhores universidades e no mercado de trabalho? Estamos possibilitando as mesmas condições aos estudantes da zona rural e urbana? Estamos formandos pessoas com capacidade de desenvolver ideias críticas ou meros discursos sectários e bolorentos? Temos uma proposta de ensino igualitária ou os melhores alunos continuarão a sair da rede privada, ficando os oriundos da rede pública relegados as funções secundárias?
Ao venderem uma falsa ilusão, estão, na verdade, gastando mau os recursos públicos que poderiam ser investidos num projeto educacional de qualidade e “atrasando” o desenvolvimento da educação.
Tais recursos, numa ação coordenada com os municípios poderiam ser investidos em escolas polos, com estrutura adequada, com laboratórios diversos, internet, com ginásios e quadras poliesportivas, com os recursos educacionais que estão sendo aplicados pelas melhores instituições de ensino do país. Ou outros modelos que efetivamente levam uma educação de qualidade às crianças e jovens.
Temos diversas experiências exitosas de boas práticas educacionais, inclusive empreendidas por municípios. Imaginem o que não se poderia fazer com a abundância de recursos públicos que dispõe o estado. Optaram pelo discurso fácil ao compromisso com o futuro.
Embora signifique um “avanço”, repito, a substituição das taperas por escolinhas de tijolos, telha e piso cerâmico, está longe de, efetivamente, trazer dignidade ao ensino público maranhense. Ao reverso disso, o modelo que veem empreendendo, com o propósito meramente eleitoreiro, porque fica bonito “chutar” números altos na construção e reforma de escolas e, também, porque causa um forte impacto visual/emocional na propaganda oficial a destruição daquelas taperas, estão prestando um desserviço ou, na melhor das hipóteses, “atrasando” uma verdadeira intervenção na educação, esta, capaz de elevar o nível do aprendizado de nossas crianças e jovens.
Uma educação verdadeiramente digna é aquela em que não haja diferenças entre o ensino público e o privado, ou mesmo entre escolas da rede pública.
Uma educação digna é aquela que rompa o apartheid entre ricos e pobres, brancos e negros e todas as demais formas de segregação.
Não consigo enxergar como “estruturante”, “revolucionário” ou “moderno” um mero modelo de substituição de escolas funcionando em situações aviltantes por outras com mais condições, mas que não oferece a todas nossas crianças e jovens as mesmas oportunidades para que, cada um, conforme suas aptidões pessoais, possam ser o que quiserem. Esta é a razão de ser da educação: operar a transformação na vida das pessoas; elevá-las de patamar; torná-las livres.
O governador do estado e sua equipe, toda composta por pessoas estudadas e cultas – as melhores “cabeças”, poder-se-ia dizer –, são melhores sabedores da importância de uma educação de qualidade para todos.
Falece de dignidade o discurso que não considera a possibilidade de que todos tenham os mesmos direitos as chances que a vida oferece.
Abdon Marinho é advogado.