A EMARANHADA IDEIA DOS GRÊMIOS ESTUDANTIS CHAPA BRANCA.
Por Abdon Marinho.
POR ESTES dias os opositores ao governo denunciaram o uso da estrutura estatal para criação de grêmios estudantis que, segundo estes denunciantes, nada mais seria que um aliciamento de milhares de jovens para a campanha do governador comunista, candidato à reeleição. Neste propósito reunira centenas de adolescentes na capital num encontro intitulado: “Emaranhando Sonhos: I Encontro Estadual de Grêmios Estudantis do Maranhão”.
À guisa de defesa a Secretaria de Estado da Educação, emitiu nota oficial, onde assenta que este é um dos eixos da educação dentro do entendem como gestão escolar democrática; que o governo instituiu o “Programa Mais Grêmios”; que percorreu 19 Unidades Regionais de Educação com mais de 10 mil jovens em debates sobre infraestrutura, alimentação escolar e outros; que o “Emaranhando” é o resultado de um processo de diálogo permanente entre a secretaria e os estudantes implantado na atua gestão; que no final do encontro foi entregue ao governador as demandas da juventude estudantil.
Conforme se extrai da nota oficial, quer me parecer que, por desconhecimento ou de forma deliberada, o governo estadual estabeleceu oficialmente, através de um programa público, o “Mais Grêmios”, uma estratégia para cooptação de jovens estudantes para o seu projeto político de reeleição ou mais grave, para o projeto político permanente do seu partido.
Veja, se fosse a intenção do governo reforçar a “gestão democrática” da escolas estaduais, o meio correto seria o fortalecimento dos conselhos escolares (e tem diversos) com a participação dos discentes, docentes, setores administrativos, os pais dos estudantes e a representação do Seduc; e mais, seria dotar as escolas de portais próprios de transparência onde os gastos e aproveitamento do investimento do contribuinte estivesse ao alcance de todos, sejam estudantes, sejam professores, seja a comunidade de uma forma geral.
A partir do momento que o governo cria um programa estatal para fomentar a criação de grêmios estudantis – e os estudantes inadvertidamente aceitam tal tutela –, estar se fazendo justamente aquilo que sempre o movimento estudantil combateu: a intromissão do Estado naquelas que são iniciativas autônomas da sociedade civil, no caso os estudantes, garantidas em lei.
A menos que estejamos falando de “Grêmios Chapa Branca”, ou como se dizia antigamente, “pelegos”, que se vestem de defensores dos estudantes, mas que na verdade suas lideranças estão a serviço de governos ou de projetos políticos eleitorais ou partidários.
Este, aliás, sempre foi o sonho mais desejado pelo partido do governador, Partido Comunista do Brasil — PCdoB, através do seu braço juvenil, a União da Juventude Socialista, mais conhecida por UJS.
Ao que me parece – espero estar errado –, o governo estadual, através de um programa oficial, cumpre uma “missão” partidária nefasta que é, com a desculpa e o discurso bonito, de fortalecimento da participação juvenil na gestão “escolar democrática”, inserir seus simpatizantes dentro destes grêmios para que o partido tenha controle de tais organizações e trabalhem, doutrinariamente, a eleição dos seus membros.
Só isso justificaria a criação de programa estatal para orientar e fomentar a criação de grêmios estudantis.
Estes grêmios devem existir, é uma necessidade que existam, mas sem a intervenção de governos e partidos – até para que possam manter sua independência –, por iniciativa dos estudantes.
Quando muito contar com o apoio de entidades que congreguem tais entidades.
Soa preocupante quando vemos a iniciativa oficial do Estado em relação a estes organismos.
A independência, a autonomia, a liberdade é a própria essência dos grêmios estudantis.
Ainda lembro, como se fosse hoje, o trabalho que tivemos, eu e outros colegas, para a criação de grêmios estudantis na nossa capital.
Corria o ano de 1985, já no segundo semestre – ou um pouco antes –, iniciamos a discussão para criação dos grêmios do Liceu Maranhense, Barcelar Portela, Gonçalves Dias, Escola Técnica Federal do Maranhão, entre outros.
A lei que autorizaria o funcionamento de tais entidades, ainda era uma promessa, estava em discussão no Congresso Nacional e só viria a ser sancionada em novembro daquele ano, a Lei 7.398, de 4 de novembro de 1985.
A nossa movimentação era toda “clandestina” nos reuníamos, no caso do Liceu Maranhense, num canto da quadra, debaixo de uma árvore, ao lado da escola. Outras vezes, e para discussões mais amplas nos reuníamos na Casa do Estudante Secundarista, na Rua do Passeio, na maioria das vezes naquela varanda da frente.
No fim daquele ano ou início de 1986, o Grêmio do Liceu Maranhense, que após votação recebeu o nome de Aluízio de Azevedo, estava fundado. Outros, no mesmo período ou logo em seguida, também estavam funcionando.
Uma vitória graças ao empenho de estudantes como eu, Ronald Pereira, Josué Sousa, Marcelo, Bispo Júnior e tantos outros que, passados tantos anos, a memória me trai.
Foi um movimento de estudantes para estudantes. Apesar das insistências, nunca permitimos a interferência de partidos políticos dentro do Grêmio ou no movimento para criação destas entidades noutras escolas.
Eram tempos difíceis, apesar da lei garantindo a criação dos grêmios, os diretores de escolas relutavam em aceitar este modelo de organização, preferindo incentivar a criação dos “Centros Cívicos” ou outros organismos com menos autonomia ou mais quedados ao não enfrentamento do poder instituído na busca dos direitos dos estudantes.
Foi uma “guerra”, por exemplo, conseguirmos uma sala que estava desocupada no Liceu Maranhense, para passarmos a funcionar após a criação do nosso Grêmio Estudantil.
Apesar do esforço, naqueles primeiros anos não tivemos êxito na criação de Grêmios Estudantis nas principais escolas privadas da capital que preferiam as iniciativas oficiais dos Centros Cívicos.
A lei que autorizou a criação dos grêmios, já referida, e que veio na esteira das diversas promessas de Tancredo Neves, de mais democracia e liberdades sociais, tais como o fim do bipartidarismo, a autorização de funcionamento dos partidos comunistas, etc., é bem simples, com apenas três artigos, onde consta: “Art . 1º — Aos estudantes dos estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus fica assegurada a organização de Estudantes como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais. § 2º — A organização, o funcionamento e as atividades dos Grêmios serão estabelecidos nos seus estatutos, aprovados em Assembléia Geral do corpo discente de cada estabelecimento de ensino convocada para este fim. § 3º — A aprovação dos estatutos, e a escolha dos dirigentes e dos representantes do Grêmio Estudantil serão realizadas pelo voto direto e secreto de cada estudante observando-se no que couber, as normas da legislação eleitoral. Art . 2º — Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art . 3º — Revogam-se as disposições em contrário.”
A lei, embora simples, garante um direito aos estudantes de se organizarem através de entidades autônomas, qual seja, livre da interferência de quem quer que seja.
Os estudantes têm esse direito, assim como, de dispor sobre sua organização e funcionamento através de estatutos aprovados em Assembleia Geral convocadas com esta finalidade.
Assim, a criação dos grêmios estudantis são faculdades dos estudantes e não uma imposição estatal. Aliás, o parágrafo primeiro do artigo primeiro da lei foi vetado pelo presidente da República de então, José Sarney, por conter essa obrigatoriedade, essa imposição, que os estudantes fossem compelidos, ainda que não quisessem, a criarem grêmios.
Vejam que curioso, há trinta e três anos, e antes, portanto, da Constituição de 1988, os governantes tinham a compreensão que estas organizações estudantis deveriam ser livres e autônomas, nascerem da vontade livre e soberana dos estudantes, sem imposição ou interferência, ainda que através de lei, do poder estatal.
Não parece esquisito que tanto tempo depois um governo estadual – ainda que se diga com as melhores das intenções –, tente interferir nesta matéria? Será que não conhecem a história do movimento estudantil? Será que querem colocar as entidades partidárias ou seus agentes dentro das escolas? Trata-se-á de uma missão só eleitoral ou também é partidária?
Uma coisa que me chamou a atenção no tal encontro foi o titulo: “Emaranhando Sonhos”. Fui buscar o sentido da palavra e descobri que significa: 1 Misturar(˗se) desordenadamente; embaraçar(˗se), enredar(˗se): 2 Tornar(˗se) confuso e complicado; atrapalhar‑se, complicar‑se.
A intenção do governo talvez esteja refletida nas duas acepções do verbo “emaranhar”.
O Maranhão, definitivamente, é a terra das esquisitices.
Abdon Marinho é advogado.