A COR DO PRAGMATISMO.
Por Abdon Marinho.
JAMAIS, acredito, recairá sobre o governador do estado a acusação de que ele não é um homem prático; um legítimo discípulo da teoria filosófica desenvolvida a partir das ideias de Charles Sanders Pierce (1839−1914) e William James (1842−1910), segundo a qual deve-se dar mais importância às consequências práticas de conceitos e conhecimentos do que a seus princípios ou pressupostos teóricos.
Os cidadãos de bem, acostumados com inquebrantáveis princípios éticos e morais; e mesmo aqueles já calejados pela inescrupulosa política segundo a qual os fins justificam quaisquer meios, chegam a estranhar e, até mesmo, escandalizar-se com o excesso de pragmatismo político do “nosso comandante”.
Leio alguns blogues, desde o início da gestão, reclamarem do que chamam “incoerência” do governante.
Só que isto que chamam de incoerência – e talvez exista alguma aqui e ali –, não passa do velho pragmatismo em estado bruto.
E não vem de hoje.
O PCdoB em 1994 uniu-se ao grupo Sarney permanecendo no governo da oligarquia até que fossem colocado para fora cerca uma década depois.
Agora o governo comunista — talvez com saudade dos antigos aliados — é formado, basicamente, por integrantes do grupo que juraram nunca mais ter espaço no poder. E cria-se uma situação bisonha: os antigos aliados do Sarney que viraram adeptos do “comunismo” não têm mais defeitos, mas aqueles que permanecem adeptos do ex-presidente, são a encarnação de Satanás.
Nada mais significativo deste “pragmatismo” do que a convenção que homologou a candidatura do atual governador comunista para mais um período à frente dos destinos do estado.
Pelo que li, ao menos 15 partidos, quase metade dos registrados justo a Justiça Eleitoral, integram a coligação de apoio.
Um arco de aliança que vai desde liberais convictos a comunistas envergonhados, além da velha chusma intermediária composta, quase sempre, por inúmeros fregueses dos códigos e legislação penal extravagante, criando-se uma situação onde os que deveriam ser investigados e, ao cabo de tudo apurado, presos, “convencionavam” com as autoridades que têm a responsabilidade de fazer isso: investigá-los e, se for o caso, prendê-los.
Mas, certamente, acham bonito reunir-se em torno do atual governo, partidos de todas as vertentes ideológicas, inclusive, algumas, programaticamente, opostas ao partido que se encontra no poder.
Isso não acha bonito, pelo menos não os incomoda, pelo contrário, tanto que no site do partido comunista nacional, sem qualquer constrangimento, festeja esse fato, essa negação ao que seja a boa política, a reunião de todo tipo de partido do espectro ideológico no mesmo palanque.
Assim, como não vêem nada demais em o governador que se diz comunista, rezar a missa na Sé, penitenciar-se no culto evangélico à tarde, ajoelhado ainda que sob chuva torrencial e a noite receber uma entidade num terreiro de candomblé e, sobrando tempo, ainda participar da reunião da Loja Maçônica local.
Tudo com tanta naturalidade e pragmatismo que nem chega a trocar de roupa para fazer tudo isso.
Uma coisa é você respeitar todas as religiões. Isso, aliás, é dever da autoridade e do cidadão, outra coisa, bem diferente, é agir como se professasse todas essas religiões, ainda mais quando se é comunista o que, em si, já trás o antagonismo ao cristianismo, só para ficar neste exemplo.
Longe de mim a pretensão de “vigiar” comportamentos, mas está claro que há uma clara exploração política da boa-fé dos cidadãos.
Vou além, entendo que há uma burla a livre escolha do eleitor quando partidos antagônicos se juntam.
Ao colocarem liberais e comunistas no mesmo pacote o que estamos dizendo aos cidadãos? Quais projetos partidários serão implementados no governo, na eventualidade da vitória?
Decerto que o processo de “convencimento” envolveu muito “pragmatismo” – e adiantado.
Ainda mais nos dias hoje quando todos sabem o risco de se deixar para amanhã, de se guardar o almoço para a janta. Ou será que, do dia para noite, o DEM, o PR ou o PP, passaram a adotar o ideário “comunista” como razão de vida dos seus dirigentes? Ou que ficaram encantados com a cor dos olhos do governador ou sua bela silhueta? Por mais boa vontade que tenha, não creio.
Mas essa tem sido a tônica do projeto político do atual governo.
São inúmeros os exemplos que ilustram isso e que culminou no que “vendem” como a maior convenção já ocorrida no estado, segundo os próprios, com cerca de dez mil almas.
Isso é o fruto do velho pragmatismo e da capacidade de trocar uns por outros à medida que pode “ter” os primeiros por menos ou que estes não mais interessam.
Em 2014, determinado partido “fechou” com a candidatura do grupo Sarney, mas um grupo deste partido trabalhou muito pelo projeto dos comunistas. Um candidato, inclusive, adotou como número de campanha o da sua legenda seguido do número do candidato a governador “do coração”, e pedia votos nos meios de comunicação voto para si, com ênfase no número do candidato a governador.
Vencida a eleição esse candidato, pelo que fez na campanha e também por ter um vida inteira dedicada a esse projeto, foi feito secretário. E ia muito bem na função, sendo reconhecido pelos vários atores do processo.
Isso até o dia que o governador precisou do cargo para acomodar outro partido que, registre-se, era opositor ferrenho do partido do integrante do governo e aliado fiel desde sempre, não pensou duas vezes, pediu o cargo de volta.
Uns dizem que a demissão ocorreu pelo Twitter, já outros informam que houve um telefonema antes.
Esse foi o mesmo pragmatismo que obrigou essa mesma legenda a “coligar pelo beiço” – ou seja, a despeito de possuir um forte “ativo” eleitoral: tempo de televisão e militância –, coligou sem integrar a chapa majoritária e sem ocupar qualquer função relevante na campanha e “engolindo” todos os partidos “golpistas” que os catapultaram do poder central.
Mas isso já não foi surpresa para ninguém. É apenas o exercício puro poder, pelo poder.
Se posso, faço como quero e da forma que me aprouver. Se o aliado de ontem já não me serve ou se já não me serve tanto, que fique pelo meio do caminho ou que ocupe um espaço compatível com a importância do momento.
Quem bem conhece tal estratégia é o deputado Waldir Maranhão. Quando ocupou interinamente a presidência da Câmara dos Deputados e acordou em fazer o papelão de anular o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, era o “bambambã”, o guerreiro do povo brasileiro, sendo inclusive condecorado e, pelo “serviço prestado”, seria o candidato ao Senado da República, na chapa governista.
A história já conhecemos. Quando perdeu sua importância, seu partido e tudo mais, perdeu a chance de ver cumpridas todas as promessas que lhe foram feitas.
O “guerreiro” que virou chacota nacional e internacional pela “estudantada” de anular o impeachment, sequer foi aceito no partido da ex-presidente. Os que lhe aplaudiam, viraram-lhes as costas.
Sem legenda, sem promessas cumpridas, foi buscar abrigo num partido que faz oposição aos atuais donatários do poder.
O pragmatismo empregado não respeita a história ou ausências. Quem poderia supor que depois de ajudado a vida política inteira pelo grupo do falecido deputado Humberto Coutinho, de ter pranteado sobre o seu cadáver, o governador iria aliar-se aos seus adversários no Município de Caxias? Será que se Humberto Coutinho fosse vivo teria tal coragem? Ou será que aproveita da fragilidade, até pelo estado da viuvez recente para obrigar o grupo a aceitar a dividir o palanque com os arquirrivais?
De todos, entretanto, ninguém conheceu com mais ênfase o pragmatismo comunista que o ex-governador José Reinaldo Tavares. E digo isso porque estive uma ou duas vezes com ele, quando ainda governador, e vi o carinho paternal com que tratava o atual governador, na ideia de fazê-lo o verdadeiro “redentor” do Maranhão.
Quem não conhece essa história, pode se contentar com exame dos números da eleição de 2006. Lá se tem clara certeza que votos que “fez” o deputado federal Flávio Dino, eram votos de “governo”.
O exame é bem simples, basta ver os colégios eleitorais, para se ter a certeza do real “tamanho eleitoral” do atual governador naquela época. Só para resumir: Era nenhum.
Apesar disso, e de tudo mais que fez depois, o ex-governador José Reinaldo só foi ouvido e respeitado até o dia em que aquele que ele tanto sonhou como “libertador” do Maranhão chegou ao poder.
A partir daí só lhe sobraram os desaforos, se não do próprio governador, dos seus prepostos, a ponto do ex-governador não aguentar mais e sair do grupo político.
Pois é, pragmaticamente, excluíram o ex-governador do projeto político de vir a ser senador pelo Maranhão apoiado pelas forças que estão com o governador e continuar a contribuir com o projeto que foi o pai.
Logo ele, que seria o candidato natural deste grupo. Alguém estranharia ou questionaria se desde o primeiro dia do governo o governador anunciasse como seu primeiro candidato ao Senado? Todos sabemos que não.
Todos esperavam isso, entretanto, quem foi “ungido” como primeiro candidato do grupo foi o presidente do PDT e, no final do ano passado, o governador anunciou que segunda vaga iria para o “murro”, o que se viabilizasse seria o candidato.
Aquela afirmação, na entrevista de final de ano, sabemos pelo resultado da convenção, não era verdadeira e sim um despiste para excluir José Reinaldo.
A convenção escolheu os candidatos que o governador quis, inclusive os seus suplentes, com os partidos que compõem a coligação majoritária “engolindo” o prato como feito.
Aceitaram a segunda candidatura da deputada Eliziane Gama, exceto pelo jogo de cena de parte do Partido dos Trabalhadores, sem maiores sobressaltos.
A quadra política estadual, pelo menos do lado dos governistas, está desenhada conforme o pragmatismo empreendido pelo governador, que não enxergou qualquer obstáculo ético ou moral em usar todas as armas que dispõe para a guerra eleitoral.
Resta saber se o cidadão/eleitor estará de acordo com o que foi feito.
Abdon Marinho é advogado.