A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA E A DEMOCRACIA BRASILEIRA.
Por Abdon Marinho.
UM DOS PRINCÍPIOS fundamentais da República Federativa do Brasil é o asilo político.
Algo tão importante que se encontra no primeiro título, chamado, dos princípios fundamentais, logo no início da Carta, que estabelece: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: X — concessão de asilo político.
Mas não é só, ainda no mesmo artigo segue expresso: “Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Em tempos recentes, só me recordo do Brasil ter deixado de observar tal princípio, quando, por ocasião dos Jogos Pan-Americanos de 2007, dois pugilistas cubanos fugiram da sua delegação, e, ao invés do governo brasileiro conceder-lhes o asilo, os devolveu à ditadura dos irmãos Castro, num dos episódios mais vergonhosos da história da nossa diplomacia.
Agora, diante do últimos acontecimentos na fronteira Brasil-Venezuela, mais uma vez nos encontramos numa situação-limite entre os ditames constitucionais, realidade dos fatos, mas, sobretudo, de mais uma vez escrevemos mais uma página vergonhosa.
Com troça dizia a um amigo: — em Roraima a Constituição se encontrou com a realidade.
Afora a pilhéria, a situação em Roraima se agrava, sobretudo, pela incapacidade do governo federal, chamar para si a responsabilidade e assumir o comando da situação, conforme manda a Constituição Federal.
Estranhamente, isso acontece quando o país é governado – ainda que aos trancos e barrancos –, por um presidente que fez fama como professor de Direito Constitucional. Mais que isso, por alguém que ajudou a escrever a Constituição brasileira.
À vista de todos, não resta dúvida que a crise migratória venezuelana para o Brasil tem desafiado os nossos postulados constitucionais mas caros.
Vejo autoridades falarem, sem constrangimentos, em fechar a fronteira; estarrecido, assisti a comunidade de Pacaraima, RR, expulsar os venezuelanos para seus países – estes já expulsos de seu próprio país pela ditadura brutal e pela fome.
Como falar em integração econômica, política e social e cultural entre os povos da América Latina se na primeira vez que um povo pede socorro o país lhe vira as costas e não o ajuda além do discurso protocolar?
A crise na Venezuela – já tratamos dela aqui diversas vezes –, é brutal, é desumana. E o Brasil tem sua parcela de culpa.
Não esqueçamos que o governo brasileiro apoiou, com o que pôde, a instalação da ditadura no país vizinho, sem qualquer crítica aos seus métodos.
Os governos de Lula e Dilma Rousseff abriram os cofres nacionais para fortalecer a ditadura Chávez/Maduro. O próprio ex-presidente, numa conduta que aqui critiquei, gravou vídeos e participou de comícios em apoio à candidatura do atual ditador, numa eleição à atual, quando todos já sabiam do caráter ditatorial e seus malefícios para os cidadãos.
É induvidoso que quando o governo e os políticos brasileiros fizeram isso – contribuíram com a instalação e manutenção da ditadura –, estavam nos tornando responsáveis pelo caos que agora é do conhecimento de todos.
As últimas notícias dão conta que a população do país, os que ainda podem, estão comprando carne estragada para comer – embebem com limão para afastar o odor e comem, chegando a passar mal. Pior, até para adquirir essa carniça tem fila.
A crise desencadeada na região de fronteira em Roraima não é culpa dos roraimenses ou do seu governo estadual – embora não possamos coonestar com sua leniência – é culpa, repito, do governo central, que não tem assumido o papel de coordenação no acolhimento destes migrantes.
Um contingente de 130 ou 150 mil em Roraima é muito, uma vez que toda a população do estado não alcança 400 mil pessoas, mas é quase nada se comparado à população do Brasil de 210 milhões de brasileiros.
Segundo levantamento da ONU, publicado no site G1, nos últimos dezoito meses, os venezuelanos que migraram para o Brasil alcança 128 mil, no mesmo período (ou em menos tempo), 547 mil migraram para o Equador; 442 mil migraram para a Colômbia; e 400 mil migraram para o Peru. Todos estes países com população infinitamente inferior a nossa e mais pobres economicamente.
Apesar do grande número de migrantes para os países vizinhos – e é normal que migrem para eles pela inexistência de barreira linguística –, não temos notícias das cenas de violência contra os migrantes como as que assistimos, para nossa vergonha, em Pacaraima, com a população expulsando cidadãos que já foram despojados de tudo pelo seu próprio governo.
Toda essa violência, essa incivilidade, que desafiam a Constituição brasileira tem como responsável o governo central, repito, que não tem sido presente e eficiente na administração desta crise.
Aí vejo autoridades do governo dizerem ao Supremo Tribunal Federal — STF, que a pretensão do governo de Roraima de pedir o fechamento da fronteira é ilegal e fere tratados internacionais. Não, meus senhores, a pretensão do governo estadual, fere, antes de tudo, os princípios fundamentais da República, estabelecidos na Constituição.
Mas isso – nem mesmo esse pensamento tacanho de fechar a fronteira é culpa do governo local –, é culpa da leniência, omissão e incompetência do governo central que não desempenha, como deveria, o seu papel diante da crise. Abrindo, com isso, espaço a todo tipo de palpiteiro que acha ter direito de dizer algo.
A primeira coisa que se deve ter em mente é que a Venezuela, nosso vizinho, encontra-se numa crise econômica inimaginável, uma crise humanitária sem precedentes na história das Américas e vivendo sob um régime ditatorial cruel.
Nestas condições, observadas as formalidades legais, os venezuelanos preenchem os requisitos legais para requererem asilo político no Brasil. Não fazendo qualquer sentido os políticos brasileiros falarem ou sugerirem fechamento de fronteiras. Esse tipo ideia é comportamento só revela ignorância sobre os princípios da nação.
Diante do grande fluxo de cidadãos – se bem que para o Brasil não tem sido tão, basta comparar com a fronteira com a Colômbia, por exemplo –, o que o nosso governo deveria fazer era unir-se aos demais governos da região em busca das melhores soluções para lidar com a maior crise humanitária dos últimos tempos no continente.
O Brasil, até por sua posição geográfica, tamanho e, também, por possuir a maior economia da região, sem deixar de contar com o papel ativo que teve no caos enfrentado no país vizinho, deveria chamar para si a responsabilidade de conduzir as ações de enfrentamento desta crise.
Mas não vemos nada disso, ao contrário, o que se assiste é quase uma completa omissão, deixando a responsabilidade pela crise migratória ao encargo do Estado de Roraima, que todos sabemos, não possui estrutura ou economia em condições de arcar com situações de tal monta.
O atual governo que nada mais é que a continuação do anterior, revela-se uma lástima na condução da politica externa brasileira, não conseguindo, sequer, assimilar o que seja uma crise humanitária e o papel da nação estabelecido na constituição.
Abdon Marinho é advogado.