CRISE MIGRATÓRIA: UMA BREVE ANÁLISE.
Por Abdon Marinho.
EM UM TEXTO anterior tratei sobre a crise imigratória na Europa que tem provocado acirrados debates políticos e causados desconfortos aos políticos mais tolerantes em aceitar os imigrantes oriundos do África e do Oriente Médio.
No texto dizia que o melhor lugar para se viver era junto aos meus e que a crise humanitária vivenciada era consequência de absoluta falta de condições daquelas pessoas viverem em seus países de origem fossem pelas guerras infindáveis fosse, também em consequência delas, pela fome que tem destruído nações inteiras.
A crise de imigração na Europa tende a se agravar com o endurecimento da politica de restrição ao ingresso destes imigrantes através da Itália – caminho mais perto pelo Mediterrâneo –, ou pelo países dos Balcãs – rota preferencial dos oriundos do Oriente Médio –, para chegar a Alemanha, que tende a adotar politicas mais restritivas a este ingresso.
No texto de hoje abordaremos a crise imigratória americana, mais precisamente sobre as auguras que os cidadãos latino-americanos têm passado para ingressar e viver nos Estados Unidos da América após a implantação da politica de “tolerância zero” pelo governo do senhor Donald Trump, muito mais rigorosa desde abril.
São interesses antagônicos: de um lado o desejo desde imigrantes de “fazerem o sonho americano” e, de outro, o “direito» do governo americano de protegerem suas fronteiras. Propositadamente coloquei o termo direito entre aspas, por entender que embora seja justo e correto um governo (qualquer governo) proteger suas fronteiras, o interesse dos seus cidadãos – sem abstrair que a exceção da vasta comunidade indígena os demais são todos imigrantes –, esse direito não é absoluto quando se leva em conta os princípios de livre circulação dos povos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da qual o pais norte-americano é signatário e mesmo a questão do “dever” de asilo aos perseguidos em seus países pelos mais diversos motivos que aquela nação sempre incentivou e promoveu.
Assim, não deixa de ser chocante – e a sociedade americana ficou chocada e incomodada, inclusive os partidários do presidente americano –, a implementação de uma politica que criminalize a “livre circulação dos povos”, com a prisão e o processo por crime, daqueles que tentam ingressar ilegalmente no país, ainda mais quando essa politica vem acompanhada, também, da “prisão» de crianças e adolescentes que, para todos os efeitos, são inocentes de quaisquer crimes.
Chega-nos noticias de que a internação compulsória destas crianças e adolescentes é aplicada desde a bebês com menos de um ano de idade até a adolescentes de 17 anos.
Pois é, não me parece razoável que crianças e adolescentes sejam penalizadas pelas escolhas (ou crimes) de seus pais. Tão despropositada a iniciativa que a maioria da sociedade americana, mesmo os que têm posição contrária a imigração, protestaram contra a mesma, forçando o inflexível presidente a recuar e tentar correr atrás de uma solução que vise reunificar os familiares que foram separados como se aparta bois.
Se para os adultos já é traumático ser preso em terras estranhas, imagina a situação destes infantes separados dos pais, completamente “perdidos”, vulneráveis, sem saber o que fazer ou a quem se dirigir e como se dirigir até mesmo pela barreira do idioma – estranhamente a potência americana acha que todo mundo que nasceu ou mora baixo do Rio Grande fala espanhol.
Não podemos ficar indiferentes. Esse tipo de tratamento à crianças e jovens fere, sobretudo, direito universal da compaixão.
Neste sentido, sensibilizou-me, especialmente, a narrativa feita por brasileiro residente nos EUA que, trabalhando num desses abrigos, foi chamado a intermediar um diálogo com três irmãos brasileiros de 16, 12 e 09 anos que foram separados de sua mãe. Segundo o relato, os brasileiros absolutamente perdidos diante da situação, se abraçavam e choravam, o que é proibido pelas regras do abrigo e seriam separados por gênero e idade. O intérprete pedia ao mais velho fosse forte pelos irmãos menores, ao que ele retrucou dizendo como poderia ser forte afastado da mãe e em vias de ser separado dos irmãos. Pela narrativa algo de cortar coração motivando, inclusive, o pedido do intérprete brasileiro que vivenciou o acontecido.
Afora a visualização da cena narrada acima, que me fez sangrar o coração, uma outra situação assistida nesta crise sobre a imigração americana me despertou interesse, mas por outra motivação. Falo do tocante encontro de uma imigrante hondurenha (ou seria salvadorenha?) com seu filho – acho que com pouco mais de cinco anos –, depois de quase um mês em que ficaram “presos» e separados um do outro.
A mãe que contou com o apoio de uma Organização Não Governamental — ONG, para ser solta e responder em liberdade perante as autoridades americanas, ali, no primeiro contato com filho, parece que se desculpava com a criança pelo sofrimento que o fizera passar. Ato continuo – como sempre acontece naquele país –, estava ela dando uma declaração pública externando sua imensa felicidade de se encontrar nos Estados Unidos.
E essa é uma grande questão que merece ser discutida e pensada.
Como pessoas se sujeitam a serem presas, a responderem criminalmente por crimes numa nação estrangeira, fazer seus filhos e entes queridos sofrerem diretamente ou por saberem dos seus sofrimentos, para ingressarem num país, que publicamente, sabemos, não as querem lá? Os que as levam passarem tantas humilhações e sofrimentos à ficarem em seus países de origem? Seus países se tornaram tão ruins a ponto de preferirem arriscar passar tudo isso e a submeterem seus mais amados (os filhos) a tanto sofrimento?
Diferente das nações africanas que passam o drama da fome e guerras tribais ou dos países do Oriente Médio, sobretudo, a Síria, conflagrada por uma guerra que já dura quase uma década, a exemplo do Iraque, as nações sul-americanas, – a exceção da Venezuela, que à beira da guerra civil, padece de uma monumental crise de abastecimento, levando os cidadãos a buscarem abrigo noutros países apenas pelo direito de comer –, as demais estão numa situação relativamente “normal”, a violência maior que nos países que estão em guerra, o desemprego, a corrupção generalizada, que sangra os recursos da saúde, educação, assistência social, infraestrutura.
Nada que seja fora do “padrão” com o qual já nos habituamos ao longo dos anos. Mesmo a ditadura cubana que continua – como sempre –, a reprimir seus cidadãos, não pode ser considerada como suficiente a justificar tanta imigração.
A declaração daquela mãe hondurenha e de tantas outras, sejam salvadorenhas, mexicanas, nicaraguenses, panamenhas, guatemaltecas, bolivianas, e mesmo brasileiras, revela o fracasso dos países latino-americanos, perdidos na corrupção, na violência, na falta de oportunidades aos seus povos, a ponto dos mesmos preferirem a humilhação, a prisão e o exílio voluntário nos Estados Unidos, o grande satã do norte, epíteto que lhe impinge os detratores, e que, apesar disso, muitos até morrem para ingressarem lá enquanto outros morrem para sairem dos seus países.
Em todo caso, forçoso reconhecer que nas últimas décadas a migração dos latino-americanos é a consequência mais palpável dos desgovernos a que foram submetidos os estes países por uma classe politica absurdamente corrupta e corrompida que não oferece condições dignas de vida aos seus cidadãos.
Neste cenário o Brasil tem especial destaque, basta dizer que todos brasileiros que podiam já se mudaram ou estão em vias de mudança para outros países, incluindo os Estados Unidos, nações europeias, sobretudo Portugal. Aqui ficando os exploradores da miséria da nação e os que não podem fugir da exploração.
Encerro lembrando que logo mais chega as eleições. É hora de pensarmos em mudar a triste sina do Brasil. Ou então, o último a sair, apaga a luz.
Abdon Marinho é advogado.