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A SOBERBA QUE MÃE DA INGRATIDÃO.

Escrito por Abdon Mar­inho

A SOBERBA QUE É MÃE DA INGRATIDÃO.
Por Abdon Mar­inho.
AINDA hoje encon­tro, vez por outra, quem se lem­bre – e comigo fale –, sobre um texto escrito há alguns anos inti­t­u­lado “O Menino Só”. Lá dis­corro sobre a suposta solidão do gov­er­nador do Maran­hão no exer­cí­cio do seu mandato.
Cer­cado mais por fãs e ado­radores (que o diga o coro “pux­ado” no último car­naval: “Dino eu te amo!”, umas das cenas mais con­strange­do­ras que já ouvi falar), disse lhe fal­tar ami­gos reais, aque­les capazes de dar con­sel­hos ou lhe apon­tar os equívo­cos de forma altiva, sem temer qual­quer represália. Ou seja, coisa que só os ami­gos ver­dadeiros são capazes de fazer.
Assento isso dizer que faltou-​lhe um amigo leal para lhe pon­derar o quanto equivocou-​se no trata­mento dis­pen­sado ao ex-​governador José Reinaldo Tavares nos últi­mos anos, forçando-​o a bus­car abrigo noutro grupo político, segundo dizem, junto ao dep­utado estad­ual Eduardo Braide, do PMN, que lança-​se no desafio de dis­putar o gov­erno estad­ual.
Os ilu­mi­na­dos que cer­cam o gov­er­nador cer­ta­mente fes­te­jarão o fato do ex-​governador ter tomado a ini­cia­tiva do rompi­mento e não ter esper­ado o sen­hor Dino ofi­cializar que ele não seria o seu can­didato – e do seu grupo –, ao Senado da República. São uns tolos.
Lendo os fatos de longe, acho que José Reinaldo Tavares demorou a bus­car um outro rumo e apos­tar numa ter­ceira via que – ainda incip­i­ente –, tem um grande poten­cial de cresci­mento, e não mais esperar um gesto do atual gov­er­nador que não veio – e que nunca viria.
Os sinais que o gov­er­nador não lhe seria grato foram bem claros.
Desde os primeiros dias da atual gestão que lhe man­dam reca­dos que ele era uma “per­sona non grata” no gov­erno que aju­dou a con­struir e na causa pela qual devo­tou ou maiores sac­ri­fí­cios, até mesmo o da pri­vação da liber­dade.
Com cinquenta ou mais anos de vida pública e tendo sido fiador do pro­jeto político, já no começo da gestão viu-​se desautor­izado – e de forma gros­seira –, pelo lugar-​tenente do gov­er­nador, novel na política, que nunca fez um sac­ri­fí­cio por qual­quer causa ou mesmo teve votos, em qual­quer eleição, sufi­cientes para uma suplên­cia digna.
O desprezo dos atu­ais inquili­nos dos Leões pelo ex-​governador sem­pre foi algo bem per­cep­tível e não uma trama dia­bólica dos adver­sários.
Eu mesmo, que não tenho um papel ativo na política, mas con­hece­dor dos sac­ri­fí­cios do ex-​governador pela causa do grupo político que se auto­de­nom­ina “anti-​Sarney” – emb­ora hoje com mais gente daquele grupo que outra coisa –, por mais de uma vez, vi-​me na con­tingên­cia de sair em seu socorro, con­strangido, com tal “ver­gonha alheia”, pelo trata­mento que lhe era dis­pen­sado.
Ape­sar de tudo, do desprestí­gio e mesmo das admoes­tações públi­cas, o ex-​governador manteve-​se firme defend­endo o gov­erno e o gov­er­nador, encar­ando as humil­hações que sofria como se estas ainda fos­sem parte da cota do sac­ri­fí­cio a que se impusera.
Fez isso até mesmo após o gov­er­nador, pub­li­ca­mente, declarar que o seu primeiro can­didato a senador seria o dep­utado Wev­er­ton Rocha, do PDT, e que os demais pos­tu­lantes, entre eles o ex-​governador José Reinaldo, teriam que bus­car a sua via­bi­liza­ção política ou social. Nas lem­branças dos meus tem­pos de infân­cia: irem para o tapa.
Esta colo­cação foi deix­ada clara pelo próprio gov­er­nador em entre­vista de fim de ano ao Jor­nal Pequeno. E, mesmo depois dela, o ex-​governador declarou que só não seria can­didato ao lado dele (Flávio Dino) se este não o quisesse.
A este apelo o gov­er­nador, sequer, fez um gesto de boa von­tade. Fin­giu ou fez que não ouviu.
Ora, qual­quer um no Maran­hão que tenha vivido ou par­tic­i­pado da política do estado na última década é sabedor que ninguém mais que o ex-​governador era mere­ce­dor da “can­di­datura nata” ao Senado da República pelo grupo que estar no poder, que ele.
A começar pelo fato de ter “inven­tado” e “ban­cado” o iní­cio da car­reira do sen­hor Dino quando este era um ilus­tre descon­hecido da política maran­hense.
É fato público que foi José Reinaldo, então gov­er­nador, que “inspirou” aquela can­di­datura aproximando-​o de impor­tantes políti­cos estad­u­ais que, então, lhes tin­ham sérias descon­fi­anças, como prefeito Cleo­mar Tema e o ex-​prefeito e ex-​deputado Hum­berto Coutinho – este último recen­te­mente fale­cido –, que, com o aval do gov­erno, o acud­i­ram com os votos necessários para lhe fazer dep­utado fed­eral e ini­ciar a pavi­men­tação do seu cam­inho ao exec­u­tivo estad­ual.
Já naquela época, este o claro e público propósito do gov­er­nador que son­hava com a ren­o­vação política no estado.
Um amigo que esteve pre­sente ao velório de Hum­berto Coutinho, em Cax­ias, confidenciou-​me alguns dias depois: — Abdon, a emoção do gov­er­nador no dis­curso de agradec­i­mento ao morto era de visível con­traste com a frieza àquele que fora respon­sável por tão profícua amizade: Zé Reinaldo.
Como me é comum, para não perder a piada, ainda que de gosto duvi­doso, retruquei: — É, meu amigo, talvez isso se deva ao fato de Hum­berto Coutinho estar morto enquanto José Reinaldo estar mais vivo que nunca.
Mas, como dizia, retor­nando ao tema, desde 2006 que o ex-​governador coloca os inter­esses do grupo que estar no poder diante dos seus.
Fez isso no próprio 2006 quando pode­ria ter entregue o gov­erno ao vice-​governador Jura Filho – e assim retornar o gov­erno ao grupo Sar­ney –, para candidatar-​se, e ser eleito, senador, pois tinha “cacife” para isso, mas preferiu con­duzir aquela eleição que fez Jack­son Lago gov­er­nador; colo­cou nova­mente em 2010, quando o grupo apron­tou a “ursada” de lançar cinco can­didatos para as duas vagas de senador, o que liq­uidou com suas chances; e em 2014, quando, em nome da unidade, abriu mão para a can­di­datura de Roberto Rocha.
Agora, em 2018, com o gov­er­nador que “fez” sur­fando na pop­u­lar­i­dade, com duas vagas em dis­puta, depois de tan­tos sac­ri­fí­cios, o mín­imo que o grupo político, que tanto aju­dou, dev­e­ria fazer era, sequer, admi­tir que hou­vesse dis­cussão sobre a primeira can­di­datura, pois a do ex-​governador era, inques­tion­avel­mente, a nat­ural, ninguém dis­cu­tiria isso. Todos, aliás, ainda dis­cor­dando de algu­mas de suas posições, tin­ham sua can­di­datura como certa.
A outra vaga na chapa seria preenchida por quem mel­hor se via­bi­lizasse politi­ca­mente, pois José Reinaldo já fora via­bi­lizado ao longo dos anos.
Este era o roteiro da lóg­ica mais razoável.
A solidão do poder ou, talvez, a soberba, não deixou o gov­er­nador perce­ber uma lição, que de tão óbvia, chega a ser primária: política faze­mos evi­tando prob­le­mas e não criando-​os.
Um erro grave para quem se acha mere­ce­dor de planos mais ele­va­dos que o gov­erno do Maran­hão.
A estraté­gia de empurrar e escolha até o ponto de não deixar aos pos­tu­lantes outra alter­na­tiva que não fos­sem aceitarem quais­quer migal­has ofer­tadas pelo dono do poder, não fun­cio­nou com José Reinaldo, que antes tarde do que nunca, fugiu do ardil.
O rompi­mento do ex com o atual gov­er­nador não é, em nada, bom para este último. Não ape­nas do ponto de vista eleitoral, como, sobre­tudo, do político.
A primeira leitura que a classe política – que já tem descon­fi­anças em relação ao gov­er­nador –, fará é: “ora, se ele tra­tou ‘assim’ Zé Reinaldo que o ‘fez’ na política, como vai nos tratar, agora, mais for­t­ale­cido por um segundo mandato?”.
Esta leitura e, prin­ci­pal­mente, o enga­ja­mento do ex-​governador numa can­di­datura de Eduardo Braide – que não fez feio na eleição para prefeito da cap­i­tal –, trará uma nova e boa per­spec­tiva a uma ter­ceira via que catal­is­ará os apoios dos insat­is­feitos com o gov­erno comu­nista mas que não querem nem saber de um retorno aos gov­er­nos do grupo Sar­ney.
O gov­er­nador, embeve­cido pelo poder, talvez, não tenha se dado conta do real sig­nifi­cado do gesto de José Reinaldo, que, registre-​se, demorou a não mais poder em fazê-​lo, na esper­ança de con­tar com apoio – que não veio –, pois, ainda que não agre­gasse muitos votos, até mesmo dev­ido às condições mate­ri­ais, tem uma imensa facil­i­dade de tirá-​los, prin­ci­pal­mente, pela capaci­dade de artic­u­lação que tem e pela história que con­struiu ao longo dos anos. Não tem político no Maran­hão que não lhe seja deve­dor de algo, mesmo que de um gesto de con­sid­er­ação.
A isso some-​se a extra­ordinária capaci­dade de fazer política de Eduardo Braide, que entra numa guerra onde só tem gan­har. Se tiver a inteligên­cia para explo­rar os pon­tos fra­cos deste e dos gov­er­nos que o ante­cedeu, tem grandes chances de fazer uma grande cam­panha.
Não tenho dúvi­das que o gov­er­nador enfrentará um con­tratempo extra com o qual não con­tava. Ainda mais, que essa não será uma única baixa.
O ex-​governador, fora do grupo, cer­ta­mente forçará a saída de um apoio esdrúx­ulo do Par­tido Democ­ratas — DEM ao pro­jeto comu­nista. Já era inusi­tado que tal apoio viesse dev­ido à situ­ação nacional, agora isso se torna mais dis­tante.
Outra baixa que é con­tada como certa – e tam­bém fruto da inabil­i­dade do atual inquilino dos Leões –, é a do dep­utado Waldir Maran­hão, que cobra aquilo que segundo ele foi um com­pro­misso acer­tado com teste­munhas: de que seria o can­didato a senador na chapa do gov­er­nador pela sua “par­tic­i­pação” episó­dio do impeach­ment.
O dep­utado, a mais de um amigo já con­fi­den­ciou que cobrará pub­li­ca­mente do gov­er­nador tal com­pro­misso, inclu­sive remem­o­rando aque­las que teriam sido suas palavras: — Waldir, meu amigo, eu não teria cor­agem de lhe pedir para assi­nar algo que estas mãos não assi­nassem.
Segundo estes ami­gos, isso teria sido dito o gov­er­nador olhando para as próprias mãos.
São muitos com­pro­mis­sos e pouca a dis­posição – e mesmo condições para cumprir –, o que provoca os des­gastes que não teria se tivesse agido com leal­dade com os que lhe devotaram amizade. Hon­rando os com­pro­mis­sos assum­i­dos e descar­tando os que não teria condições para cumprir.
O rompi­mento do ex-​governador José Reinaldo com o atual Flávio Dino é a prova de este último fal­tou não ape­nas com os seus deveres de ali­ado político, mas tam­bém com os deveres da amizade.
O tempo, sen­hor razão, fará a justiça der­radeira.
Abdon Mar­inho é advogado.

O TIRO QUE ACER­TOU OS BRIOS

Escrito por Abdon Mar­inho

O TIRO QUE ACER­TOU OS BRIOS.

Por Abdon Marinho.

OUVI ou li em algum lugar que, cer­ta­mente, um dos hit’s do Car­naval de 2018, seria o funk “Que Tiro Foi Esse”, da funkeira car­i­oca Jojo Maront­tinni (talvez esse seja um nome artístico).

Recluso durante todo período da folia de Momo – aproveitei para ler umas coisas, ouvir umas músi­cas, ver uns doc­u­men­tários ou filmes, pouco liguei a tele­visão nos noti­ciários –, não pude con­statar se, de fato, o tal funk tornou-​se o hit prometido.

Noutro giro con­statei que a tal música des­per­tou – como há tem­pos não se via –, largas críti­cas, indo desde as mais intol­er­antes onde a mesma é com­parada a lixo musi­cal a out­ras de maior quilate, como ques­tion­a­men­tos ao momento de inse­gu­rança que vive o país.

Ape­nas para se ter uma ideia da “polêmica”, artis­tas recon­heci­dos como Gabriel, o Pen­sador, manifestaram-​se, assim como out­ros supos­tos intelectuais.

Até o col­u­nista da Globo, Arnaldo Jabor, achou opor­tuno fazer uma crônica inspi­rada no tal funk.

Aliás, ape­nas para reg­istro, foi após a crônica de Jabor que fui atrás do funk para saber o que des­per­tara tan­tos sen­ti­men­tos e questionamentos.

Na inter­net encon­trei a letra e videos com clipes e per­for­mances diver­sas. Até uma de servi­do­ras públi­cas de um municí­pio maran­hense, essa e mais out­ras bem hilárias.

Assim, como lá em mea­dos dos anos noventa, com as músi­cas e letras da banda “Mamonas Assas­si­nas”, só achei engraçado.

E, acred­ito, que não deva ir além disso, além do chiste, da brin­cadeira, da performance.

A letra não diz nada: «Que bum foi esse que tá um arraso /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse? /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse, viado? /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse, viado? Que tiro foi esse que tá um arraso?! Samba /​Na cara da inimiga /​Vai, samba /​Des­fila com as ami­gas /​Vai, samba /​Na cara da inimiga Vai, samba /​Des­fila com as ami­gas…”. E por aí vai. Não diz nada.

A letra, como podemos ver, não tem qual­quer crit­ica social ou mesmo à situ­ação de vio­lên­cia que con­fla­gra o país, prin­ci­pal­mente, o Rio de Janeiro, estado de origem da funkeira. É de uma pobreza extra­ordinária. Ade­mais, tão-​pouco pos­sui o apelo erótico vul­gar de out­ros funks de duplo sen­tido ou mesmo aque­les que vão direto à pornografia e ao sexo em todas var­iáveis, inclu­sive aque­las que se aprox­i­mam e ultra­pas­sam os lim­ites da legalidade.

Noutras palavras: ainda que fosse para ser lev­ada a sério como música – o que está bem longe –, e digo isso sem a pre­ten­são de querer impor meus próprios gos­tos musi­cais, não seria motivo para tan­tas reações contrárias.

Exis­tem coisas bem piores no mer­cado fono­grá­fico nacional. Umas, inclu­sive, que têm lev­ado as autori­dades a rece­berem moções no sen­tido de pro­mover cen­sura a deter­mi­nadas músi­cas, tal o con­teúdo aten­tatório à for­mação de cri­anças e jovens.

Então é de se per­gun­tar que tiro foi esse que acer­tou tanto o brio das pes­soas a ponto de as moti­var as diver­sas man­i­fes­tações? Terá sido o sen­ti­mento de quê não deve falar de corda em casa de enfor­cado? Talvez seja.

Como falar em tiro quando mais de sessenta mil brasileiros tombaram, só no ano pas­sado, viti­mas da vio­lên­cia urbana? Quando, só no Rio de Janeiro, bem mais de uma cen­tena de poli­ci­ais tombaram na guerra de enfrenta­mento à ban­didagem? Quando cen­te­nas de pes­soas, inclu­sive cri­anças, tombaram víti­mas de balas per­di­das nesta guerra que se tornou a vida das pes­soas? Quando as pes­soas já dotam com­por­ta­men­tos típi­cos de zonas de guerra quando se deparam com os infind­áveis tiroteios que con­somem suas vidas? Quando a taxa de homicí­dios por grupo de 100 mil habi­tantes chega a ser quase dez vezes àquela aceitável pela Orga­ni­za­ção Mundial de Saúde — OMS?

O incô­modo, talvez, decorra disso: da falta de enga­ja­mento político e social a uma causa tão pre­mente quanto o é a vio­lên­cia no país.

Ora, é provável que a autora – chamar de artista, mesmo nestes tem­pos de indigên­cia int­elec­tual, parece um exagero –, não tenha tipo a intenção de denun­ciar nada. E esse é um dire­ito dela. O tiro, tão pre­sente no cotid­i­ano das pes­soas, para ela não deve ter pas­sado de mera fig­u­ração na sua “não letra”. E, daí?

Emb­ora o tema “vio­lên­cia» esteja na ordem do dia de qual­quer dis­cussão, as pes­soas não estão obri­gadas a tratá-​lo como um tabu e ou a se vestirem de ativis­tas soci­ais em toda e qual­quer manifestação.

Cer­ta­mente a autora do hit é con­hece­dora – e, provavel­mente, muito mais sofre­dora – de tal real­i­dade que muitos que a criticam.

Por isso mesmo, acho inter­es­sante essa capaci­dade do brasileiro de fazer graça da própria mis­éria a que vive sub­metido. Fazer piadas diante da tragé­dia, tam­bém deve ser con­sid­er­ada uma forma de rebel­dia, de inconformismo.

O mais cômodo, diante da real­i­dade bru­tal da vio­lên­cia, talvez fosse a sociedade, em peso, se tran­car em casa, com medo ou em protesto con­tra a guerra que se tornou a vida nos cen­tros urbanos, prin­ci­pal­mente no Rio de Janeiro.

Ao invés disso, estava nas ruas fazendo per­for­mances e fazendo piadas com a situ­ação, fes­te­jando a vida mais que temendo a morte.

Não deixando que a situ­ação de dom­i­nação do Estado pelo crime orga­ni­zado rep­re­sen­tasse a dom­i­nação da própria sociedade.

O fato de se fazer piada, de rir-​se da própria des­graça, não pode ser con­sid­er­ado um mal em si, ou mesmo, objeto de tan­tas crit­i­cas, pelo con­trário, pode ser, até, em último caso, um grito de alerta à indifer­ença ou banal­iza­ção da vio­lên­cia, a ponto da mesma – emb­ora acred­ite não tenha sido a intenção – virar hit de carnaval.

Noutro viés, e afora tudo isso, o tal “Que Tiro Foi Esse” é ape­nas uma música ruim, o que, nos dias de hoje, não dev­e­ria causar tanto alvoroço.

Afi­nal, o tiro da música só atingiu os brios de uns poucos.

Abdon Mar­inho é advogado.

MAIS QUE UM FLERTE COM A MARGINALIDADE.

Escrito por Abdon Mar­inho

MAIS QUE UM FLERTE COM A MARGINALIDADE.

Por Abdon Marinho.

FOI ASSOM­BRADO que vi em um site lig­ado ao Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e, pos­te­ri­or­mente, em man­i­fes­tações de alguns líderes do par­tido, a saudação a uma ameaça feita – por mar­gin­ais – ao Supremo Tri­bunal Fed­eral – STF, e colo­cada na entrada de uma das mais vio­len­tas comu­nidades do Brasil, a Rocinha.

A faixa colo­cada na entrada da comu­nidade e saudada pelos petis­tas diz: “STF SE PREN­DER LULA O MORRO VAI DESCER”. Para alguns débeis men­tais esta­mos diante de uma rev­olução brasileira.

Não tenho motivos para duvi­dar que os inte­grantes da seita lid­er­ada pelo ex-​presidente perderam o juízo. A dita faixa «rev­olu­cionária» em tudo é con­trária ao con­de­nado Luiz Iná­cio Lula da Silva.

A começar pelo sta­tus que atribuem ao ex-​presidente: líder de crim­i­nosos. Sim, meus ami­gos, como esta­mos cansa­dos de assi­s­tir, sobre­tudo no estado do Rio de Janeiro, de onde parte a “hom­e­nagem”, sem­pre que um ban­dido é preso ou morto – mesmo os mais cruéis e vio­len­tos – os demais inte­grantes da quadrilha deter­mi­nam o “luto”, o fechamento do comér­cio, das esco­las, o “toque de recol­her” e, ainda, respon­dem com mais vio­lên­cia, ceifando a vida de rivais e inocentes.

A ameaça ao STF – algo inédito, até aqui –, sig­nifica que o con­de­nado pos­sui ele­vado sta­tus no meio dos crim­i­nosos que deter­mi­naram a colo­cação da faixa.

Talvez o amigo fique em dúvida se a faixa foi colo­cada por ban­di­dos ou por deter­mi­nação dos mes­mos. Com certeza foi, e digo isso por dois motivos: o cidadão comum não ousaria colo­car uma faixa na entrada da comu­nidade sem o con­sen­ti­mento dos traf­i­cantes. Na ver­dade, o cidadão comum está pouco lig­ando para essa con­de­nação, sobre­tudo em pleno Car­naval: ou estar envolvido com as fes­tivi­dades de sua escola ou bloco ou ten­tando fugir da vio­lên­cia que levou o Rio de Janeiro à situ­ação de guerra explícita. Segundo, porque se não foram mar­gin­ais inte­grantes de quadrilhas, com diver­sas pas­sagens pelo sis­tema de segu­rança, pas­saram a sê-​los ao ousarem ameaçar a mais impor­tante Corte de Justiça brasileira.

Movi­dos pelo deses­pero ou, por pura idi­o­tia, os ali­a­dos do ex-​presidente não percebem que estes mar­gin­ais usam a ameaça – por conta de sua con­de­nação e os está­gio de divisão da sociedade brasileira em torno da mesma –, como uma forma de se for­t­ale­cerem den­tro do crime.

Estes idio­tas, trav­es­ti­dos de mil­i­tantes políti­cos não enten­dem isso.

Não enten­dem que estão sendo usa­dos pelo crime orga­ni­zado. E não duvido que alguns – os mais rad­i­cais –, até se aliem aos crim­i­nosos no sen­tido de provo­carem tumul­tos ou crimes por ocasião da deter­mi­nação do cumpri­mento da pena, tais como fechamento das prin­ci­pais vias de acesso, assas­si­natos, etc.

Quando mil­hares de brasileiros estiverem mor­rendo por deter­mi­nação dos coman­dos de traf­i­cantes são capazes de diz­erem que é a «rev­olução» mate­ri­al­izada con­tra a prisão do ex-​presidente.

Estes «mili­ton­tos» não con­seguem perce­ber que a situ­ação do sen­hor Lula – a menos que crie uma leg­is­lação espe­cial só para enquadra-​lo – não tem outra solução que não seja a fuga para o exílio. E, caso isso não ocorra, ele será obri­gado a cumprir a pena a que foi con­de­nado, sem que o STF, den­tro de uma situ­ação de nor­mal­i­dade democrática, possa fazer nada. Ou seja, a ameaça – que acred­ito moti­vada por inter­esses próprios – é, abso­lu­ta­mente, inócua.

O ex-​presidente, seu par­tido, seus ali­a­dos e advo­ga­dos, ao insi­s­tirem no des­cumpri­mento da lei e, mais, em mantê-​lo na dis­puta para presidên­cia ape­nas aumen­tam o clima de insta­bil­i­dade política, de divisão social e o descrédito nas insti­tu­ições da democ­ra­cia brasileira ao redor do mundo.

Os crim­i­nosos que esten­deram a faixa só têm a gan­har com isso. Primeiro por se faz­erem sim­páti­cos à parte da sociedade ali­ada do con­de­nado e segundo porque na even­tu­al­i­dade de uma decisão favorável ao mesmo, eles, os crim­i­nosos, seriam os maiores ben­e­fi­ci­a­dos, con­forme explico abaixo.

Como sabe­mos, em 2016, uma decisão – por estre­ita margem –, do STF enten­deu que o cumpri­mento das penas pode­ria ser deter­mi­nado a par­tir da segunda instân­cia. Tal medida pas­sou a ser uma «fac­ul­dade» do órgão cole­giado de segundo grau da Justiça.

Ape­nas para efeitos de reg­istro, por ocasião da decisão fui um dos seus críti­cos, enten­dendo que a mesma estaria em con­tradição com o man­da­mento con­sti­tu­cional de que “ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória” (art. 5º, LVII).

Muitos dos meus ami­gos enten­deram que esperar o trân­sito em jul­gado da pena era algo que dis­tan­ci­ava, ainda mais, ricos de pobres, uma vez que os ricos – e são muitos os exem­p­los –, podem pagar caros advo­ga­dos que levam seus proces­sos às cal­en­das e as pre­scrições, ficando estes, ricos e poderosos, isen­tos do cumpri­mento das penas.

Pois bem, o certo é que o STF enten­deu que o cumpri­mento pro­visório da pena não ofende tal dis­pos­i­tivo con­sti­tu­cional fac­ul­tando aos órgãos da justiça de segundo grau a quem com­pe­tir jul­gar que deter­mine o ime­di­ato cumpri­mento das penas ou não.

O Tri­bunal Regional da Quarta Região, usando desta fac­ul­dade deter­mi­nou o cumpri­mento da pena de ime­di­ato, não ape­nas por parte do sen­hor Lula mas de tan­tos out­ros que con­fir­mou a condenação.

Assim, uma decisão sob medida para ben­e­fi­ciar o ex-​presidente, terá, obri­ga­to­ri­a­mente, que dizer que o cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia fere a pre­sunção de inocência.

Ora, ao dizer isso, o STF estará deter­mi­nando a soltura de todos os pre­sos do país cujo os proces­sos não ten­ham «tran­si­tado em jul­gado», tratar-​se-​á de uma ver­dadeira política de «celas aber­tas” que soltará, não ape­nas aos cor­rup­tos apan­hados nos mais dis­tin­tos escân­da­los, quando os traf­i­cantes, assas­si­nos, chefes dos cartéis criminosos.

É isso que estará em jogo, todos os crim­i­nosos cujo os proces­sos este­jam pen­dentes de recur­sos, terão o dire­ito de pedir a exten­são do ben­efi­cio con­ce­dido ao ex-​presidente condenado.

Assim, como disse, os ban­di­dos que esten­deram a faixa com ameaças ao STF, estão, tam­bém, defend­endo seus interesses.

Estou é pasmo ao ver pes­soas esclare­ci­das não se darem conta do que estar em jogo.

Outra coisa assom­brosa, e que rev­ela a falta de com­pro­misso do ex-​presidente, os par­tidos alin­hados ao mesmo, seus líderes e mil­i­tantes, com o Brasil e suas insti­tu­ições democráti­cas é a insistên­cia numa pré-​candidatura ile­gal e abusiva.

Indifer­entes às leis do país, saem Brasil afora fazendo comí­cios – sim, são comí­cios –, não ape­nas para si, uma vez que sabe da impos­si­bil­i­dade de ser can­didato, como para os demais ali­a­dos num claro acinte as leis.

Qual­quer pes­soa de bom senso sabe da impos­si­bil­i­dade de uma can­di­datura do sen­hor Lula – repito: a não ser que se revogue parte das leis que dão sus­ten­tação a democ­ra­cia brasileira –, além da chamada Lei da Ficha Limpa – lei que con­tou com amplo apoio da pop­u­lação brasileira com quase dois mil­hões de assi­nat­uras em seu favor, e que tem obje­tivo extir­par da vida pública os cor­rup­tos e os respon­sáveis por out­ros crimes –, pesa con­tra o mesmo a pena adi­cional decor­rente da Lei de Lavagem e Ocul­tação de Bens (Lei 9.613÷1998), qual seja: “a inter­dição do exer­cí­cio de cargo ou função pública de qual­quer natureza e de dire­tor, mem­bro de con­selho de admin­is­tração ou de gerên­cia das pes­soas jurídi­cas referi­das no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena pri­v­a­tiva de liber­dade apli­cada”. (art. 7º, II, da Lei 9.613÷98).

Mas não é só, além destes dois imped­i­men­tos, já con­fir­ma­dos pela segunda instân­cia da Justiça brasileira, con­tra o sen­hor Lula pesa, ainda, diver­sos out­ros pro­ced­i­men­tos onde o mesmo é réu – alguns em vias de con­de­nação em primeira instân­cia –, ou inves­ti­gado que o inabilita para o cargo pretendido.

Não sei se recor­dam, mas a des­graça do sen­hor Eduardo Cunha, ex-​deputado e ex-​presidente da Câmara dos Dep­uta­dos – sem desmere­cer a série de crimes que come­teu –, começou quando o mesmo se colo­cou na linha sucessória para o exer­cí­cio da Presidên­cia da República.

Naquela opor­tu­nidade o STF assen­tou que um réu não pode­ria fig­u­rar na linha sucessória da presidência.

A par­tir daí a car­reira do hoje con­de­nado e preso, só ruiu.

Assim, não passa de uma perigosa tolice essa ideia de querer levar adi­ante a can­di­datura do ex-​presidente.

Não se trata ape­nas de um mero “ficha-​suja” que deseja con­cor­rer «sub judice”, na ver­dade esta­mos diante de alguém que não pode pleit­ear jamais assumir o mais ele­vado cargo do país.

Se o outro não pode­ria fig­u­rar na linha de sucessão, o que dizer de alguém, com tan­tos per­calços, pre­tender a titularidade?

Como vemos, a insistên­cia só reflete a falta de com­pro­mis­sos com a esta­bil­i­dade do país, de duas uma: são tolos ou mal inten­ciona­dos. Sem desprezar a pos­si­bil­i­dade de serem os dois.

Abdon Mar­inho é advogado.