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O DIRE­ITO E A ANGÚS­TIA DA DEFESA.

Escrito por Abdon Mar­inho

O DIRE­ITO E A ANGÚS­TIA DA DEFESA.
Por Abdon Mar­inho.
NOS primeiros anos que se seguiram a rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil, a médica Maria Aragão con­vi­dou para um ciclo de palestras o líder comu­nista Luís Car­los Prestes. Ado­les­cente, envolvido com o movi­mento estu­dan­til, par­ticipei de um destes debates que ocor­reu no auditório da Bib­lioteca Pública Bened­ito Leite, um lindo espaço local­izado na cúpula daquela casa, no ter­ceiro andar.
Em um dos momen­tos da palestra o líder comu­nista nar­rou sobre a sua relação com o advo­gado Herá­clito Fon­toura Sobral Pinto. Pes­soas, abso­lu­ta­mente dis­tin­tas, o comu­nista que tinha como defen­sor o advo­gado católico prat­i­cante e con­sid­er­ado, politi­ca­mente, con­ser­vador, porém, fer­renho defen­sor dos dire­itos humanos.
Ainda, na opor­tu­nidade, contou-​nos que na sua defesa, quando preso por ter lid­er­ado o lev­ante comu­nista de 1935, aquele ícone da advo­ca­cia, à mín­gua de qual­quer leg­is­lação que socor­resse seu cliente, valeu-​se da lei de pro­teção aos ani­mais, o Decreto Lei 24.645÷34, san­cionado pelo próprio Getúlio Var­gas, coman­dante do gov­erno que o man­dara pren­der, a ditadura do Estado Novo.
Mais de trinta anos depois, ocorreu-​me esta lem­brança diante da polêmica situ­ação de um colega advo­gado que, tam­bém, na defesa de um dire­ito de seu cliente, bus­cou no remé­dio hero­ico, o habeas cor­pus, a lib­er­ação de um veículo e, por conta disso, sofreu uma vio­lenta repri­menda – gros­seira e desproposi­tada – por parte do jul­gador que exam­inou a matéria. Tendo o jul­gador, num claro excesso, recomen­dado que o causídico fosse sub­metido a novo exame de ordem, ou que se ado­tasse outra medida, igual­mente jocosa e revestida de humil­hação e con­strang­i­mento ao advo­gado e à advo­ca­cia.
A polêmica alcançou-​me no tra­jeto para uns com­pro­mis­sos em Caru­ta­pera e Luís Domingues – mais uma vez. Uma mera coin­cidên­cia ou uma com­pro­vação de que estou indo demais ao extremo norte do estado.
Enquanto per­cor­ríamos o longo tra­jeto (tanto ida quanto volta), pen­sava sobre a situ­ação: o quanto às vezes, a vida, as opções, nos pregam peças e nos trazem cer­tos diss­a­bores.
Decerto que o colega con­hece os lim­ites do remé­dio con­sti­tu­cional. Mas, não se pode olvi­dar que mesmo teve a pre­ten­são de ver “livre” o veículo para o cliente – um cidadão, já alque­brado pelos anos –, que uti­lizava o bem que dis­punha para se loco­mover, sendo pri­vado de tal dire­ito pelo retardo do Estado.
Será que apelaria para medida tão rad­i­cal se o Estado (aqui incluso tam­bém o estado-​juiz) tivesse agido de forma célere e enten­dido que por trás de uma demanda exis­tem vidas depen­dendo de uma solução? Estou certo que não.
Mas, como não se angus­tiar quando vemos medi­das – mesmo as mais sin­ge­las –, como um sim­ples despa­cho, um “cite-​se”, “mor­garem” nas prateleiras do Judi­ciário? Quando, diante de tanta neces­si­dade, um alvará não ser emi­tido sem uma causa plausível que não a preguiça? Como achar nor­mal que uma mísera perí­cia em um veículo, pas­sa­dos mais de 45 dias, resta sem ser feita? Have­ria algo a ser peri­ci­ado, depois de tanto tempo, com o veículo sofrendo as intem­péries da natureza, ao relento, pegando sol e chuva? Como explicar tais coisas ao cliente, quando o que ele reclama é algo tão sim­ples como ter um bem que com­prou, pagou e dele neces­sita para se loco­mover?
Que atire a primeira pedra o que nunca se indig­nou com a falta sen­si­bil­i­dade e mesmo senso de justiça de tan­tos que operam o dire­ito.
Busquei na memória. Ainda não tinha um ano advo­gando (já se vão mais de vinte) quando, cuidando de uma cam­panha eleitoral, chegou-​me um caso curioso: a emis­sora de tele­visão respon­sável pela ger­ação da pro­pa­ganda, ao nosso sen­tir, nunca cumpria como devia ou retar­dava no cumpri­mento as pou­cas vitórias que obtín­hamos.
Um dia, já indig­nado (a palavra a ser usada dev­e­ria ser outra) pedi ao juiz que deter­mi­nasse a prisão da pres­i­dente da emis­sora.
Ora, sabíamos que não havia qual­quer amparo à pre­ten­são, que, nos ter­mos da lei, dev­eríamos fazer uma rep­re­sen­tação ao min­istério público e que este, se enten­desse, faria uma denún­cia, que cer­ta­mente não daria em nada.
Naquela opor­tu­nidade, ouvindo reclames diver­sos, pré­cisá­va­mos, ao menos, ten­tar estancar os pre­juí­zos que está­va­mos tendo. Foi o que fiz.
Algum tempo depois, con­ver­sando com Wal­ter Rodrigues, tocamos no assunto e ele foi categórico: — Abdon, fizestes muito bem. Pela primeira vez na vida alguém teve a cor­agem de pedir a prisão Teresa Murad Sar­ney. Só mesmo você.
Não sei se disse isso como um chiste ou como um elo­gio.
O ver­dadeiro advo­gado não tem medo de, respei­tando os lim­ites da lei, pedir e cla­mar pelo dire­ito do seu cliente. Pelo con­trário, é a sua obri­gação.
O próprio Sobral Pinto já pon­tu­ava que a advo­ca­cia não era lugar para covardes.
Advo­ga­dos, não podemos, não deve­mos e não temos o dire­ito de nos aco­modar­mos, de não ousar­mos. Não podemos nos “bito­lar­mos” a só faz­er­mos aquilo que con­sta nos man­u­ais.
A ver­dadeira Advo­ca­cia com “A” é auda­ciosa e ousada. A par­tir das deman­das soci­ais trans­forma o dire­ito.
Não podemos, diante das neg­a­ti­vas ou das pre­ten­sões não aten­di­das, nós sen­tar­mos no meio-​fio e choramos, pelo con­trário, temos que con­tin­uar a luta até as instân­cias der­radeiras, até nos faz­er­mos ouvir.
Lem­bro que não faz muito tempo, acho que na eleição de 2016, chegou-​nos um caso em que, pelas vias ordinárias, já tín­hamos ten­tado tudo para reverter, sem con­seguir. Como a argu­men­tação tinha origem numa decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, chamei os cole­gas e disse: — vamos fazer uma recla­mação ao Supremo. A reação deles foi: — tu é doido, onde já se viu ocu­par o Supremo com isso; não será con­hecido, etc.
Respondi-​lhes pior do que perder era não ten­tar­mos, não usar­mos de tudo que podíamos para resolver o réclame do cliente. Bem, para encur­tar a história, fize­mos a recla­mação e o Supremo não a con­heceu. Mas ten­ta­mos.
A Sobral Pinto só restou, segundo o próprio cliente, o decreto-​lei san­cionado para a pro­teção dos ani­mais. Será que não dev­e­ria usá-​lo? Será que foi ridículo fazê-​lo? Estou certo que não.
Conta o ane­dotário jurídico que, certa vez, no próprio Supremo, Rui Bar­bosa, defendeu, pela manhã uma tese, tendo obtido vitória e, à tarde, por ocasião de outra sus­ten­tação, defendeu uma tese que se opunha à primeira. Um dos min­istros o ques­tio­nou: — Dr. Rui, mais cedo o sen­hor defendeu uma tese diame­tral­mente oposta à esta.
O baian­inho, então, saiu-​se com esta: — Vossa Excelên­cia tem razão. Mas, na sessão da manhã eu estava errado.
Talvez seja ape­nas uma piada ou causo com o gênio do dire­ito brasileiro e tal fato nunca tenha se dado. Entre­tanto, estou certo que ele, difer­ente do afir­mado pelo mag­istrado, não se enver­gonharia da ati­tude do colega que, ante à sur­dez cos­tumeira da Justiça, teve de valer-​se do instru­mento excep­cional do Habeas Cor­pus na intenção de per­mi­tir que seu cliente pudesse se loco­mover em seu veículo.
Aliás, registre-​se, não foi a primeira vez que se fez uso de tal instru­mento para “lib­er­tar” coisas. Um caso, famoso pela sen­si­bil­i­dade – tanto do advo­gado quando do juiz –, foi o céle­bre “Habeas Pinho”, onde o advo­gado e boêmio Ronaldo Cunha Lima, em forma de poema, peti­cio­nou pela liber­dade do seu vio­lão e o juiz, igual­mente, em poema, o deferiu.
Eram out­ros tem­pos. Quando havia o respeito mútuo, quando mag­istra­dos se per­mi­tiam fazer poe­mas; quando o desejo de ver valer o bom dire­ito era supe­rior ao direto de fazer valer o inter­esse próprio e as próprias vaidades; quando a Justiça tinha o dire­ito de se fazer respeitar sem que lhe fosse apon­tado os próprios descam­in­hos.
Encerro estas pou­cas lin­has que escrevo a bordo do fer­ry­boat Baía de São José, que já se aprox­ima da Cidade de São Luís, não sem antes hipote­car minha total e sol­i­dariedade ao colega que, com deste­mor, ousou ir além dos lim­ites do foi ensi­nado nos ban­cos esco­lares. E, faço isso enquanto lamento o fato do mag­istrado haver se tor­nado, infe­liz­mente, ele próprio – que tem o dever zelar pelas boas relações e paci­ficar a sociedade – um pri­sioneiro das fór­mu­las e man­u­ais.
Abdon Mar­inho é advogado.

UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.

Escrito por Abdon Mar­inho

UM DESPROPÓSITO DE HOM­E­NAGEM.
Por Abdon Mar­inho.
A COR­RENTE é das primeiras lem­branças que trago da infân­cia. A cor­rente da cole­to­ria.
Aos mais jovens abro um parên­tese para explicar que antiga­mente, em quase todos municí­pios do Maran­hão tinha uma Cole­to­ria com uma cor­rente na frente da estrada que obri­gava os cam­in­hões e out­ros veícu­los a pararem para que fosse ver­i­fi­cada o que trans­portavam e fazer o recol­hi­mento dos impos­tos.
Acho que o nome téc­nico dos fun­cionários eram fis­cais da fazenda, mas, para todos, eram ape­nas chama­dos de cole­tor.
Na Gonçalves Dias da minha infân­cia, a Cole­to­ria – que tinha como cole­tor o sen­hor Mar­cionilio Lopes, se me falha a memória –, ficava na entrada da cidade, nas prox­im­i­dades do cemitério munic­i­pal, mais ou menos em frente onde, depois con­struíram o depósito da Com­pan­hia Brasileira de Armazenagem ou, sim­ples­mente, CIBRAZEM, e as residên­cias dos seus fun­cionários – o primeiro con­domínio da cidade.
Pois bem, muitos anos depois, já advo­gado ini­ciando a car­reira, con­heci outro cole­tor, o sen­hor Joel dos San­tos, pai do meu sócio Wel­ger Freire.
Já vivendo a sabedo­ria out­onal da vida, seu Joel, como o chamava, cos­tu­mava dizer – e Wel­ger, vez por outra, tam­bém conta –, que em todos os anos em que foi cole­tor nunca entrou para fis­calizar um esta­b­elec­i­mento sem que não tenha encon­trado mais de uma irreg­u­lar­i­dade.
Faço essa breve digressão para entrar no assunto pro­pri­a­mente dito e que me trouxe a lem­brança das palavras do saudoso Joel dos San­tos.
A imprensa notí­cia que o gov­er­nador do Maran­hão, por decisão do Con­selho dos Procu­radores do Min­istério Público Estad­ual, foi agra­ci­ado com a mais impor­tante comenda daquela insti­tu­ição, a medalha Celso Mag­a­l­hães.
Mais do que ao gov­er­nador, que ape­nas é uma peça na engrenagem da admin­is­tração, uma hom­e­nagem a todo o gov­erno pelos rel­e­vantes serviços presta­dos à causa da insti­tu­ição. Na ver­dade uma espé­cie de “ates­tado de hon­esti­dade” ao gov­er­nador e a seu gov­erno.
O Min­istério Público Estad­ual, con­trar­iando a lóg­ica e a exper­iên­cia do velho Joel, com a dita hom­e­nagem atesta que o atual gov­erno é um pri­mor de hon­esti­dade a não mere­cer reparos. Como se seu Joel olhasse ape­nas a fachada do esta­b­elec­i­mento e já fosse carim­bando a “reg­u­lar­i­dade”.
Não duvido que o gov­er­nador mereça, até porque faltam-​me ele­men­tos para dizer se o gov­erno é ou não hon­esto. Até porque tempo não me sobra para acom­pan­har suas ações, vigiar os diários ou inves­ti­gar a ver­dade dos muitos boatos que ouvi­mos.
Isso é papel dos órgãos de con­t­role, dos par­tidos de oposição e dos políti­cos que dis­putarão a prefer­ên­cia do eleitorado logo mais. Entre­tanto é fato que a oposição tem denun­ci­ado uma série de “malfeitos” da atual gestão, bem como não se pode olvi­dar que a Polí­cia Fed­eral, por três vezes – tal como Pedro negou Cristo –, já aman­heceu “na porta” do atual gov­erno cobrando expli­cações diver­sas.
Mas, ainda que nada disso tivesse ocor­rido, nem mesmo os reclames dos opos­i­tores, entendo que o Min­istério Público pos­sui uma rel­e­vante mis­são Con­sti­tu­cional que torna incom­patível com esse tipo de pro­ceder.
A con­vicção do equívoco se acen­tua, quando, segundo diver­sos meios de comu­ni­cação, além da hon­raria con­ce­dida ao gov­er­nador, o que mais viu foram suas excelên­cias, Procu­radores de Justiça, em cenas de “tietagem” explícita em relação ao chefe do Poder Exec­u­tivo estad­ual. Não estava lá, talvez seja ape­nas a maledicên­cia dos opos­i­tores.
Noutra quadra, acred­ito que suas excelên­cias não aten­taram para as con­se­quên­cias da delib­er­ação que tomaram.
Ainda que digam que o fato de con­ced­erem a tal hon­raria não os impe­dem do pleno exer­cí­cio de suas atribuições, decerto que não é assim que os opos­i­tores ou mesmo o cidadão comum vão enten­der.
Outro dia publiquei um texto onde aler­tava para o incô­modo silên­cio do Min­istério Público Estad­ual em face das diver­sas oper­ações da Polí­cia Fed­eral no estado. Pul­ulavam as infor­mações de desvios, pes­soas pre­sas, etcetera, e nada se ouvia do fis­cal da lei, nem mesmo de uma declar­ação pro­to­co­lar a pat­uleia tomou con­hec­i­mento.
Se eu – que nada tenho con­tra ou a favor ao gov­erno –, não entendi o silên­cio, o que dizer dos opos­i­tores ou mesmo dos cidadãos comuns que têm mal­querenças ou deman­das con­tra o gov­erno ou o gov­er­nador? Como enten­der que o MPE, tenha, prati­ca­mente, con­ce­dido um “ates­tado de hon­esti­dade” a atual gestão?
Claro, poderão dizer não ates­taram hon­esti­dade de ninguém ou, ainda, que não é nada disso, entre­tanto, tal hom­e­nagem não com­por­tava, excelên­cias, sobre­tudo, agora, em pleno ano de eleições gerais.
Será que não aten­taram para a pos­si­bil­i­dade de algum “mar­queteiro” ter a infe­liz “ideia” de usar a tal medalha como instru­mento de pro­pa­ganda eleitoral dizendo que o Min­istério Público “atestou” a hon­esti­dade do gov­er­nador e que por isso o mesmo deve ser reeleito? Já pen­saram no tra­balho que será des­men­tir tal coisa? E como fica a lisura do pleito?
Não duvi­dem que isso ocorra. Mesmo que não seja feito “ofi­cial­mente” pela cam­panha, será feito por algum dos diver­sos blogueiros e/​ou jor­nal­is­tas à soldo das cam­pan­has ou sim­ples­mente sim­pa­ti­zantes. E ainda usarão as ima­gens com as cenas de “tietagem” – se é que estas ocor­reram.
A maior pre­ocu­pação de quem fará a eleição deste ano será com a dis­sem­i­nação de notí­cias fal­sas, destor­ci­das ou que não cor­re­spon­dem a total­i­dade da ver­dade. Sabe­mos que serão muitas. Os pré-​candidatos já preparam seus “exérci­tos” para ocu­parem as redes soci­ais e dis­sem­inarem loas a si e apon­tar os defeitos dos adver­sários.
Essa pre­ocu­pação que é geral dev­e­ria cobrar maior dis­crição das insti­tu­ições e não o con­trário.
Noutras palavras, inad­ver­tida­mente, suas excelên­cias, levaram o Min­istério Público Estad­ual para den­tro dis­puta eleitoral com todas suas nefas­tas con­se­quên­cias.
Um enorme passo atrás.
O Min­istério Público, a par­tir da Carta de 1988, só não gan­hou o nome de “poder”, mas é, efe­ti­va­mente, um poder. Ele sabe disso e usa suas pre­rrog­a­ti­vas com tanta ênfase que já há, inclu­sive, quem réclame dos seus exces­sos e intro­mis­sões noutras esferas admin­is­tra­ti­vas.
Quase trinta anos depois, com o Min­istério Público, com as atribuições e inde­pendên­cia con­sol­i­dadas, o despropósito da hom­e­nagem, parece-​nos, um ponto fora da curva, uma espé­cie de provin­cian­ismo tar­dio daque­les que, pen­sá­va­mos, tinha ficado no pas­sado.
Até porque, nas mais diver­sas comar­cas temos visto o órgão min­is­te­r­ial extrema­mente atu­ante, por vezes – como ante­ri­or­mente dito –, quase extrap­olando de suas atribuições e invadindo as funções de quem foi legit­i­ma­mente eleitos pelo povo – que é o deten­tor do poder orig­inário.
E é este zelo que tem valido ao MPE o recon­hec­i­mento como o mais atu­ante do país no com­bate à cor­rupção, título este, aliás, can­tado em prosa e verso e fes­te­jado por onde se passa.
Por isso mesmo, uma dis­tinção ofer­tada a quem deva ser objeto das atribuições não deixa de causar assom­bro às pes­soas sen­sa­tas.
Onde já viu prestar hom­e­nagem ou distribuir-​se comen­das aque­les que nada mais fazem que cumprirem com seu dever? Será que, dora­vante, os gestores munic­i­pais que cumprirem seu dever tam­bém serão agra­ci­a­dos? O MPE pre­tende criar um selo de qual­i­dade admin­is­tra­tiva? Os pre­sos com bom com­por­ta­mento tam­bém recla­marão o recon­hec­i­mento do órgão acu­sador? Farão jus à comen­das?
Um amigo, em pas­sagem por Lis­boa, Por­tu­gal, con­tou aos nos­sos patrí­cios sobre a tal hom­e­nagem prestada pelo Min­istério Público ao chefe do Poder Exec­u­tivo maran­hense e eles não acred­i­taram, pen­saram tratar-​se de uma piada de brasileiro.
Tal qual ocor­ria no pas­sado, quando suas excelên­cias não viam nada demais em com­pare­cerem até em inau­gu­rações de obras públi­cas para deitarem aplau­sos e elo­gios às autori­dades, a atual hom­e­nagem revela-​se fora de con­texto, como uma ode ao provin­cian­ismo.
Deve­mos recon­hecer, entre­tanto, que já foi bem pior.
Por estas pla­gas, já foram mais comuns os con­vescotes em hotéis de luxo ou man­sões, onde todos se encon­travam para se con­frat­er­nizar e fes­te­jar – mag­istra­dos, mem­bros do min­istério público, empresários, políti­cos, advo­ga­dos, etc. –, quando muitas vezes, nos dias pos­te­ri­ores, estes mes­mos con­vi­vas eram clientes uns dos out­ros: jul­gadores e réus.
Para aumen­tar o provin­cian­ismo – e a falta de com­pos­tura –, ou rev­e­lar a falta de con­strang­i­mento, ainda posavam para fotos que sairiam nas col­u­nas soci­ais de domingo ou durante a sem­ana.
O saudoso jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues não cansava de me inda­gar sobre tais exo­tismos: — Abdon, esse povo não fica con­strangido, de ficarem todos jun­tos e mis­tu­ra­dos e nos dias seguintes estarem dis­putando inter­esses diver­gentes? Ou ainda: — Abdon, que hora mesmo esse povo tra­balha, ler ou estuda, se não nos cansamos de vê-​los dia sim e no outro tam­bém, em fes­tas e fes­tas?
Ainda bem que estas, são coisas que ficaram no pas­sado, pelo menos já esta­mos longe do que era. Vez por outra é que apare­cem algu­mas recaí­das, tais como estas da hom­e­nagem e tietagem fora de propósito.
Abdon Mar­inho é advogado.

O SILÊN­CIO SELE­TIVO DOS CÍNICOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

O SILÊN­CIO SELE­TIVO DOS CÍNI­COS.
Por Abdon Mar­inho.
O BISPO silen­cia de forma obse­quiosa;
E, assim, tam­bém, o faz, o frei;
O escritor de rep­utação inter­na­cional unão escreve uma linha;
O jor­nal­ista não faz uma matéria;
Os atores famosos – e os nem tanto – estão mudos;
As atrizes, tão tal­en­tosas, lin­das e queri­das, estão cal­adas;
O can­tor de fama inter­na­cional finge que não ver ou que não sabe de nada;
O artista respeitado em todo mundo não tem nada a dizer;
A poet­isa, que quando fala nos encanta com seus ver­sos, não faz ou diz uma quadra a respeito.
As funções ou ofí­cios acima sim­bolizam diver­sos cole­tivos de cidadãos brasileiros. E, todos, prati­ca­mente sem exceção, se dizem human­istas, defen­sores da democ­ra­cia, das liber­dades indi­vid­u­ais, dos dire­itos humanos e da cidada­nia.
Estran­hamente, todos eles, prati­ca­mente sem exceções – a exceção jus­ti­fica a regra, dizem –, ado­tam o silên­cio em relação a maior crise human­itária da história da Venezuela. Alguns, mais auda­ciosos – ou sem noção –, ainda se arriscam na defesa da ditadura boli­var­i­ana.
Emb­ora pareça dis­tante do eixo Rio-​São Paulo, onde, suposta­mente se con­cen­tra elite pen­sante nacional, a Venezuela é logo ali, está “gru­dad­inha” na fron­teira norte do Brasil, com seus desac­er­tos políti­cos, econômi­cos e human­itários se refletindo do lado de cá da fron­teira, prin­ci­pal­mente em Roraima, com o aumento da demanda por saúde, edu­cação, assistên­cia social ou segu­rança pública, em face da cres­cente explo­ração dos migrantes, da pros­ti­tu­ição e todas out­ras con­se­quên­cias de acréscimo pop­u­la­cional não plane­jado para um Estado que já sofria de prob­le­mas crôni­cos.
A ditadura implan­tada no país viz­inho é respon­sável por uma crise human­itária sem prece­dentes na América do Sul, com inflação que passa de 1000% (mil por cento) ao ano, com um salário mín­imo que não alcança dois dólares no mer­cado para­lelo, com o desabastec­i­mento que obriga a pop­u­lação inteira a ficar horas a fio nas filas para com­prar pão sub­sidi­ado e racionado.
Nem deve­mos falar em out­ros pro­du­tos bási­cos que há tem­pos sumi­ram das prateleiras dos super­me­r­ca­dos.
Em tem­pos recentes uma parcela da pop­u­lação tinha que dis­putar nos depósi­tos de lixo sobras de comida com os cães e urubus ou “pescarem” todos os tipos de metais nos esgo­tos dos mais favore­ci­dos.
Por último tive­mos a notí­cia de que seres humanos estariam com­ple­tando a dieta ali­men­tar com ração para cachor­ros e gatos.
Os gril­hões da fome que ronda a pop­u­lação tem prej­u­di­cado espe­cial­mente as cri­anças, já sendo comum a diminuição da estatura e o raquitismo provo­cado pela falta de nutri­entes, não sendo raros os casos de morte em decor­rên­cia do fla­gelo.
E, se falta o que comer é porque muitos dos out­ros serviços essen­ci­ais deixaram de ser ofer­e­ci­dos. São cirur­gias e out­ros trata­men­tos médi­cos que não são ofer­ta­dos por falta de equipa­men­tos e insumos bási­cos. Ou seja, os cidadãos estão sendo con­de­na­dos à morte por falta de trata­mento.
A pop­u­lação alque­brada pela fome, pela desas­sistên­cia e com os líderes pre­sos, impe­di­dos de manifestarem-​se ou no exílio não tem como ofer­e­cer grandes resistên­cia à ditadura cada vez mais opres­sora.
Porém dizem pos­suir uma das mais exem­plares democ­ra­cias do oci­dente, tanto, que agora mesmo, antes de abril de 2018, já têm eleições pres­i­den­ci­ais con­vo­cadas pela con­sti­tu­inte for­mada só por ali­a­dos do gov­erno.
Na eleição que se aviz­inha os adver­sários do régime estão proibidos de se unirem e os prin­ci­pais líderes da oposição impe­di­dos de con­cor­rer.
Assim fica tão fácil quanto mar­car pênalti com o goleiro amar­rado num dos lados da trave. Uma odiosa prática de usar instru­men­tos democráti­cos para per­pet­uar ditaduras.
Mas, cer­ta­mente, logo após as eleições, ver­e­mos muitos destes ilus­tres silen­ciosos saudando e defend­endo a democ­ra­cia boli­var­i­ana. Ou fin­gindo que nada têm com o descal­abro político-​repressivo daque­les que com a des­culpa de lib­er­tar o povo do cap­i­tal­ismo usa como estraté­gia matar esse mesmo povo de fome.
A lista de cíni­cos silen­ciosos que nada vêem de errado ou nada têm a dizer sobre a crise human­itária venezue­lana é com­posta pelos mes­mos que saem em defesa do ex-​presidente Lula da Silva con­de­nado por cor­rupção, com sen­tença con­fir­mada em segunda instân­cia.
Aliás o mesmo Lula Silva que se abalou de ir a Venezuela para par­tic­i­par ati­va­mente da cam­panha do sen­hor Nicolás Maduro, o dita­dor da ocasião.
Por aqui – e para além do Brasil –, estes cíni­cos silen­ciosos se prestam ao papel de difamarem o Judi­ciário brasileiro, como se vivêsse­mos uma ditadura, ape­sar de ter­mos todas as insti­tu­ições da República fun­cio­nando de forma reg­u­lar e, logo mais, em eleições gerais pre­vi­a­mente deter­mi­nadas e sem sur­presa, para ninguém, sendo real­izadas, onde qual­quer um do povo – desde que preenchi­dos os req­ui­si­tos legais – poderá con­cor­rer – e até gan­har –, o dire­ito de con­duzir o país, um dos esta­dos da fed­er­ação ou exercer um mandato de senador ou dep­utado fed­eral no Con­gresso Nacional ou um de dep­utado estad­ual nas Assem­bléias Leg­isla­ti­vas.
Ape­sar disso, para estes ilu­mi­na­dos, o Brasil é uma ditadura em detri­mento do mod­elo de democ­ra­cia que é o país viz­inho, e ainda há uns tolos sem juízo, segui­dos por out­ros igual­mente tolos, falando em “des­obe­diên­cia civil” ou mesmo que se faça uma “rev­olução armada” no nosso país.
Chega a ser estar­rece­dor que a int­elec­tu­al­i­dade brasileira – pelo menos a parte que se diz ativa politi­ca­mente ou que se man­i­festa neste sen­tido –, ass­inta com o dis­curso em defesa da cor­rupção e de quê o fun­ciona­mento reg­u­lar dos poderes públi­cos car­ac­ter­iza aten­tado con­tra a democ­ra­cia enquanto não dá um pio, ainda que pro­to­co­lar, con­tra o régime opres­sor da Venezuela, este sim, pro­mo­tor de inom­ináveis vio­lên­cias con­tra os cidadãos.
A causa da cidada­nia, dev­e­riam saber, não está restrita às fron­teiras nacionais. Onde quer que este­jam pre­sentes as injustiças, con­tra elas devem se man­i­fes­tar os homens de bem.
O silên­cio obse­quioso e o alar­ido sele­tivo serve ape­nas aos que não pos­suem hon­esti­dade nos princí­pios.
A sele­tivi­dade da crítica é o refú­gio do cin­ismo.
Abdon Mar­inho é advogado.