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A PERE­GRI­NAÇÃO DO ÓCIO.

Escrito por Abdon Mar­inho

A PERE­GRI­NAÇÃO DO ÓCIO.

Por Abdon Marinho.

SOUBE através do sen­hor Flávio Dino – quase uma dezenas de ami­gos man­daram sua men­sagem de vídeo –, que ele e out­ros nove gov­er­nadores estiveram, hoje, 10 de abril, em Curitiba, no Paraná.

Nas palavras do gov­er­nador, foram hipote­car sol­i­dariedade pes­soal e política ao ex-​presidente Lula, segundo eles, vítima de um erro judi­cial, tanto na questão de mérito, pois o caso do aparta­mento não com­por­taria tal con­de­nação, como tam­bém a questão do cumpri­mento da pena, pois dev­e­ria esperar o trân­sito em jul­gado da sen­tença con­de­natória con­forme pre­ceitua o Código de Processo Penal e Con­sti­tu­ição Fed­eral; pregam a resti­tu­ição da sua liber­dade e dos seus dire­itos políti­cos e encerra com a palavra de ordem: Lula livre.

Cer­ta­mente estes governadores-​peregrinos foram à cap­i­tal do Paraná às suas próprias expen­sas, pagando as pas­sagens, em voos de car­reira, com seus cartões ou dos próprios bol­sos.

Não seria de esperar outra con­duta daque­les que se dizem tão éti­cos.

A viagem valeu pelo pas­seio, uma vez que a juíza da Vara de Exe­cuções Penais, apli­cando a lei, deter­mi­nou que o ex-​presidente – assim como os demais pre­sos –, só tem dire­ito a visita dos seus advo­ga­dos e dos famil­iares, estes dev­i­da­mente cadastra­dos, uma vez por sem­ana, nas quartas-​feiras.

Desnecessário dizer do acerto da juíza ao cumprir a lei e não ceder a pataquada que suas excelên­cias pre­tendiam ence­nar.

Sem­pre acho pre­ocu­pante autori­dades não saberem sep­a­rar opor­tunismo político de funções insti­tu­cionais. E não falo ape­nas da anom­alia de tentarem infringirem as nor­mas do sis­tema carcerário. Vai além.

O gov­er­nador do Maran­hão, por exem­plo, não sei se falou em nome dos demais no vídeo que fez dis­tribuir, clara­mente desafia a autori­dade do poder judi­ciário que jul­gou e con­de­nou o ex-​presidente Lula a doze anos e um mês de prisão no processo do aparta­mento do Guarujá.

Caso tenha man­i­fes­tado um sen­ti­mento cole­tivo, os gov­er­nadores foram a Curitiba dizer que o mérito jul­ga­mento, já con­fir­mado em segunda instân­cia, e que os tri­bunais supe­ri­ores – ainda que não ten­ham se man­i­fes­tado no processo através de recur­sos espe­cial e extra­ordinário –, apre­ciando HC disse não haver qual­quer incom­pat­i­bil­i­dade com o cumpri­mento da pena.

Estivésse­mos diante de par­ente injustiça ou ile­gal­i­dade, STJ e STF diriam isso?

Será que os gov­er­nadores ao se imiscuirem-​se no mérito de decisões judi­ci­ais e cumpri­mento de pena, se acham com legit­im­i­dade para mod­i­ficar a situ­ação posta?

Só não arrisco dizer que foi uma “estu­dan­tada” porque dez ou nove gov­er­nadores, legí­ti­mos rep­re­sen­tantes do povo, devem saber o que estão fazendo e o momento em que estão fazendo.

Se acham que qual­quer “amigo” ou “ali­ado” pode vis­i­tar os pre­sos quando bem enten­derem, talvez pre­tendam fazer gestões junto aos Judi­ciário e deter­mi­nar as admin­is­trações pen­i­ten­ciárias dos seus esta­dos que passem a agir deste modo. Qual­quer dia, qual­quer hora, um “amigo” pode bater na porta do presí­dio para “levar um papo” com o amigo encarcerado.

Se acham que os con­de­na­dos em primeira e segunda instân­cia só devem cumprir pena após não lhes restar quais­quer recur­sos nas demais instân­cias da justiça, pois esse é um dire­ito dos cidadãos e que o con­trário disso é ofender a ordem jurídica e a Con­sti­tu­ição, talvez pre­tendam, tam­bém, junto à justiça de seus esta­dos, envi­dar os esforços necessários para soltarem todos os encar­cer­a­dos que se encon­tram nas mes­mas condições do ex-​presidente Lula.

A per­si­s­tir a “ideia” que foram vender em Curitiba vão resolver o prob­lema carcerário nacional.

Para isso vão deter­mi­nar a soltura de todos os pre­sos pro­visórios, todos os con­de­na­dos na primeira e instân­cia e ainda aque­les que con­de­na­dos em segunda instân­cia, ainda têm recur­sos pen­dentes nos tri­bunais superiores.

E, como são autên­ti­cos democ­ratas e defen­sores dos dire­itos humanos, da Con­sti­tu­ição, per­manecerão tam­bém soltos os que fiz­erem ape­los à ONU e out­ros organ­is­mos inter­na­cionais.

Estará resolvido o assunto que tanto afligem os cidadãos pagadores de impos­tos.

O exem­plo para ser bom, já dizia meu pai, tem que começar den­tro de casa.

Os gov­er­nadores que ocu­param um dia útil de tra­balho passe­ando e fazendo pros­elit­ismo político no Paraná, pode­riam envi­dar seus esforços para aplicar as ideias que foram defender em relação ao sen­hor Lula à pop­u­lação carcerária dos seus esta­dos. Não é uma boa ideia?

E, como cer­ta­mente, não tem assun­tos mais urgentes a se ocu­parem, já encon­traram uma ocu­pação.

Pois é, a econo­mia dos esta­dos, vai de vento em popa.

A infraestru­tura, uma maravilha;

Mesmo as chu­vas tor­ren­ci­ais que caem no nordeste do país, não afe­tou em nada a vida das pes­soas.

Edu­cação e saúde, dis­pen­sam quais­quer cuida­dos.

Pronto, suas excelên­cias poderão se dedicar a causa de soltar os pre­sos con­de­na­dos ape­nas em segunda instân­cia, trata-​se de uma causa que deve unir todos os brasileiros, como bem disse o gov­er­nador do Maranhão.

E eu que pen­sava que as coisas não pode­riam mais pio­rar no Brasil.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

Escrito por Abdon Mar­inho

LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

Por Abdon Marinho.

PAS­SAVA longe de min­has intenções voltar a escr­ever sobre a situ­ação jurídica do ex-​presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva, encar­cer­ado para cumpri­mento da pena a que foi con­de­nado pela Justiça brasileira de 12 anos e um mês de prisão.

Antes de qual­quer con­sid­er­ação, devo reit­erar o que disse noutras vezes: o infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio de Lula menos ainda. O meu sen­ti­mento é de pesar, frus­tração e ver­gonha pelo país ter que pas­sar por mais essa: ter um ex-​presidente encar­cer­ado pelos crimes comuns de cor­rupção e lavagem de din­heiro.

Não pre­tendia falar disso porque já o fiz algu­mas vezes.

Logo que este e out­ros proces­sos tiveram iní­cio aler­tava para o grave equívoco da defesa do sen­hor Lula em ten­tar fazer uma defesa política e não jurídica das imputações. Não me cabe jul­gar, talvez, como defesa jurídica só tivessem mesmo a política.

O sen­hor Lula foi con­de­nado por cor­rupção e lavagem de din­heiro. As provas de tais deli­tos estão mate­ri­al­izadas em doc­u­men­tos, perí­cias e teste­munhos, den­tre os quais se desta­cam o do cor­réu Léo Pin­heiro, que con­fir­mou as imputações de que o aparta­mento – que no dis­curso o sen­hor Lula se referiu como “meu aparta­mento” –, fora reser­vado, refor­mado e equipado como parte do esquema de propinas da sua empresa, OAS, ao ex-​presidente e ao seu par­tido, con­forme ajus­tada com o tesoureiro da agremi­ação João Vac­cari Neto.

A equipe de juris­tas do ex-​presidente, das mais efi­cientes e caras, tinha como se con­tra­por ao con­junto de provas? Temo que não, por isso mesmo teria insis­tido na tática do enfrenta­mento político das provas jurídi­cas, como, aliás, ainda insis­tem em fazê-​lo.

Por ocasião da pro­lação da sen­tença, no ano pas­sado, assen­tei que a sen­tença estava bem posta e calçada em refer­ên­cias das provas con­stantes dos autos do processo. Disse mais: — terão grandes difi­cul­dades para descon­sti­tuir a sen­tença.

No enfrenta­mento da sen­tença, pelo que acom­pan­hamos da sessão de jul­ga­mento da Oitava Câmara do Tri­bunal Regional Fed­eral Quarto, sedi­ado em Porto Ale­gre, RS, a defesa do ex-​presidente não trouxe ele­men­tos capazes de modificá-​la, razão pela qual aquela corte não só man­teve a sen­tença do juiz Sér­gio Moro como a ampliou em mais alguns anos.

Assim cheg­amos à situ­ação do atual do sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva: con­de­nado pelo juiz nat­ural do processo com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia, a quem com­petia o exame de toda a matéria.

Como sabe­mos – e dis­se­mos –, o ex-​presidente – difer­ente dos demais brasileiros –, pos­sui os mais abal­iza­dos advo­ga­dos do país tra­bal­hando na sua defesa e que, cer­ta­mente, ques­tionaram e recor­reram às instân­cias supe­ri­ores até das vír­gu­las, por­ven­tura exis­tentes fora de ordem nos autos, ainda assim, não obtiveram qual­quer êxito que com­pro­vasse a inocên­cia do ex-​presidente das imputações que lhes foram impostas.

Além da defesa, até aqui, não con­seguir com­pro­var a inocên­cia do con­de­nado tão pouco, con­seguiram que fos­sem revis­tos quais­quer atos da instrução proces­sual pelas instân­cias supe­ri­ores.

Impor­tante estes esclarec­i­men­tos, uma vez que ainda hoje a mil­itân­cia – talvez no propósito de con­struir sua própria nar­ra­tiva –, insiste em dizer que o ex-​presidente é inocente. Como inocente se jul­gado e con­de­nado pelas instân­cias ordinárias da Justiça?

Como sabe­mos, dora­vante as demais instân­cias – Supe­rior Tri­bunal de Justiça e Supremo Tri­bunal Fed­eral –, não mais se debruçarão sobre o exame das provas, só podendo, mod­i­ficar o jul­gado no exame do dire­ito, o que rara­mente acon­tece – salvo engano em menos de um por cento dos casos.

A ideia de inocên­cia ou a tolice de que esta­mos diante de um “pri­sioneiro político” não faz o menos sen­tido, servindo ape­nas, como disse, como uma nar­ra­tiva que os seguidores do petista ten­tam con­struir para fugir do rótulo de que, infe­liz­mente, sua maior lid­er­ança política sucumbiu aos encan­tos da cor­rupção que tanto prom­e­teu com­bater.

Igual­mente tola é a ideia de que o ex-​presidente é vítima de “perseguição” da parte dos del­e­ga­dos da polí­cia fed­eral, dos mem­bros do Min­istério Público e do Poder Judi­ciário.

Não há, em lugar nen­hum dos autos, ou fora deles – exceto pelo próprio con­de­nado, com a des­culpa da emoção –, a infor­mação de que del­e­ga­dos ou procu­radores ten­ham for­ja­dos provas con­tra o con­de­nado.

O mesmo sen­ti­mento ocorre em relação a sen­tença, calçada, repito, nas provas jun­tadas aos autos.

Será que algum juiz ousaria con­denar um ex-​presidente República que deixou o poder com níveis ele­va­dos de apoio pop­u­lar e que ainda hoje, com tan­tas coisas que foram rev­e­lada, mantém-​se na dianteira das pesquisas eleitorais, sem provas consistentes?

Ora, não faz sen­tido tal cren­dice. Como disse ante­ri­or­mente, defen­dem o ex-​presidente os mais expe­ri­entes e com­pe­tentes advo­ga­dos, tivesse o juiz incor­rido em qual­quer equívoco na pro­lação do decreto con­de­natório, não ten­ham duvi­das, estes seriam rechaça­dos e mostra­dos ao Tri­bunal Regional Fed­eral, que atua como órgão de revisão.

Como sabe­mos, não foi o que se deu. O TRF4, con­hecendo da matéria, não ape­nas con­fir­mou a con­de­nação, por una­n­im­i­dade – é bom que se reg­istre –, como ampliou a pena.

Os defen­sores do con­de­nado não con­seguiram descon­sti­tu­ição das provas e, por con­seguinte, da pena.

Ainda assim a nar­ra­tiva que os defen­sores do ex-​presidente ten­tam “vender” aos incau­tos é que teria havido um con­luio, envol­vendo desde del­e­ga­dos, mem­bros do min­istério público, um juiz e uma turma inteira de tri­bunal para condená-​lo.

Pior, ninguém nas instân­cias supe­ri­ores tem perce­bido tão nefasta urdidura. Tam­bém seriam cúmplices?

E vão além, ten­tam pas­sar a ideia de que toda a “Oper­ação Lava Jato” não passa de uma “trama” con­tra os inter­esses do par­tido, do ex-​presidente e do povo.

Vemos clara­mente isso quando no seu dis­curso antes da prisão o ex-​presidente saúda deter­mi­nado cidadão elo­giando sua “luta incan­sável” con­tra a oper­ação que tem ten­tado pas­sar o país à limpo depois que uma ver­dadeira praga de gafan­ho­tos tomou conta da Petro­bras e desviou uma fábula em recur­sos públi­cos.

A própria empresa recon­heceu, no seu bal­anço, um pre­juízo de cerca de seis bil­hões com a cor­rupção.

Quando vejo a nar­ra­tiva, os diver­sos dis­cur­sos e o com­por­ta­mento do ex-​presidente e seus ali­a­dos, cheg­amos à con­clusão que os mes­mos não têm quais­quer com­pro­mis­sos com o país e suas insti­tu­ições.

O que inter­essa é ape­nas eles e o poder pelo poder, a pauta deles é clara.

Como a única chance do sen­hor Lula ser solto é o Supremo Tri­bunal Fed­eral mod­i­ficar jurisprudên­cia que per­mite o cumpri­mento da pena a par­tir do jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se encerra o exame das provas, movem céus e terra para que isso acon­teça, inde­pen­dente das con­se­quên­cias que isso trará ao país, como expli­care­mos a seguir.

Como sabe­mos o STF esta­b­ele­ceu a pos­si­bil­i­dade do cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia e o TRF4 ado­tou tal entendi­mento como súmula, ou seja, como regra geral, o ex-​presidente con­de­nado e seus ali­a­dos terão que con­struir um entendi­mento que impeça ou mel­hor que proíba o cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia.

O resul­tado disso é que, caso con­sigam o seu intento, todos que este­jam nas condições do ex-​presidente, poderão requerer tal bene­fí­cio, qual seja: só ser encar­cer­ado após não haver mais pos­si­bil­i­dade de qual­quer recurso, embargo ou agravo em qual­quer instân­cia da Justiça.

Alguém já imag­i­nou as con­se­quên­cias disso para o com­bate à crim­i­nal­i­dade?

O outro ponto da pauta que vai con­tra os inter­esses do país é a insistên­cia do ex-​presidente e seus ali­a­dos em querer por fim a chamada Lei da Ficha Limpa.

Como sabe­mos há, atual­mente, dois óbices à can­di­datura do ex-​presidente, além do fato de encontra-​se encar­cer­ado: a con­de­nação em segunda instân­cia e natureza da con­de­nação (cor­rupção e lavagem de din­heiro) que tor­nam automática a exclusão de quem assim se encon­tra de dis­putar eleições.

Pois bem, emb­ora o próprio ex-​presidente e todos seus ali­a­dos ten­ham feito cam­panha pela Lei da Ficha Limpa, agora estão todos con­tra, querem a revo­gação da lei para garan­tir que o ex-​presidente, caso seja solto, par­ticipe do pleito – e assim como ele, todos demais “fichas sujas” que estão afas­ta­dos da dis­puta.

Em resumo, meus sen­hores, assim como todos os dita­dores, o que querem o ex-​presidente e seus ali­a­dos é ficarem fora do alcance da lei. Não querem que leis do país sejam apli­cada a eles.

As provas de que não acred­i­tam na democ­ra­cia e nas suas insti­tu­ições estão mais que claras. Numa estranha iro­nia a espan­car nos­sas faces, no mesmo dia em que o sen­hor Lula foi con­vi­dado a se entre­gar para cumprir pena a que foi reg­u­lar­mente con­de­nado após longo processo, a tele­visão exibia as ima­gens da ex-​presidente da Cor­eia do Sul, sendo lev­ada para a cadeia alge­mada, acom­pan­hada uni­ca­mente por duas poli­ci­ais, con­de­nada que foi a 24 anos de prisão. Seus crimes, emb­ora de longe, acred­ito, pas­sam longe dos aqui cometi­dos pelo sen­hor Lula.

As ima­gens são con­trastantes: enquanto por aqui se fez (e ainda se faz) todo um car­naval, com dire­ito a chur­rasco, cachaça, dis­curso, comí­cio, man­i­fes­tação de ruas e adu­lação, por lá, ape­nas a imagem de ser­ena res­ig­nação da con­de­nada, alge­mada, sendo con­duzida.

O Brasil e nos­sas autori­dades ainda têm muito a apren­der em matéria de democ­ra­cia e respeito à lei, que deve ser igual para todos. Para todos!

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.

Escrito por Abdon Mar­inho

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
Por Abdon Mar­inho.
MANHÃ chu­vosa. Enquanto con­tem­plava, desde as primeiras horas do dia a chuva que caía, ia refletindo sobre os últi­mos acon­tec­i­men­tos do nosso país.
E é de inda­gar: como cheg­amos a este ponto? Qual o futuro que nos aguarda?
São tem­pos estran­hos.
Se não me falha a memória, desde o ano de 1984 – e lem­bro o episó­dio – não ouvia o Jor­nal Nacional encer­rar com uma infor­mação vinda da caserna, um pro­nun­ci­a­mento mil­i­tar. Naquela opor­tu­nidade foi a infor­mação de que Brasília, a cap­i­tal da fed­eral aman­hece­ria sob Estado de Sítio. Era a véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, que prop­unha a volta de eleições dire­tas para a presidên­cia da República.
Pas­sa­dos mais de trinta anos, como um dèja vu fora de época, ouvi o apre­sen­ta­dor do JN infor­mar uma última notí­cia: e leu a um tuíte do gen­eral Vil­las Boas, onde o mesmo faz comen­tários sobre o quadro político. Mais que isso, falando em nome do Exército brasileiro.
Aqui não desço ao con­teúdo do tuíte – o mesmo até pode ser per­ti­nente –, o mais rel­e­vante foi a sua reper­cussão em meio a mídia e as insti­tu­ições. Emb­ora, o gen­eral tenha fal­ado em nome do Exército, pode­ria ter sido tratado como uma opinião pes­soal. Assim como as demais opiniões de out­ros mil­itares em respostas às colo­cações do coman­dante da tropa mil­i­tar.
Fez-​se o oposto. Gerou-​se um clima de inter­venção como nunca tín­hamos visto.
Vejo como se país tivesse retro­ce­dido a 1978, quando os mil­itares, já cansa­dos do encargo, já tra­bal­havam no sen­tido de devolver o poder político aos civis, e o general-​presidente de então disse que faria a tran­sição nem que fosse na marra.
O Brasil de hoje dis­cute um retorno a uma situ­ação de quarenta anos atrás.
Como cheg­amos a esse grau de lou­cura insti­tu­cional?
A sociedade con­sol­ida a visão de que democ­ra­cia brasileira é o retrato do fra­casso.
As palavras do gen­eral Vil­las Boas, muito além do que efe­ti­va­mente disse, encon­trou inques­tionável eco em todas as camadas da sociedade. Nos últi­mos ouvi man­i­fes­tações de apoio as palavras do gen­eral não ape­nas nos cír­cu­los mil­itares das Forças Armadas, dos mil­itares das poli­cias e corpo de bombeiros, mas tam­bém de inúmeros cidadãos civis.
Como cheg­amos a isso? A per­gunta que não cala.
Não lem­bro – em tempo algum da história do país –, ter visto a autori­dade do Supremo Tri­bunal Fed­eral ser tão ques­tion­ada. Pior que isso, a sua dos seus min­istros jogada na lama. Por estes dias o que se ouviu em diver­sas cap­i­tais foram apu­pos, vaias e xinga­men­tos à Corte, inclu­sive com palavras de ordem do tipo: “Olá Supremo /​Eu vim aqui /​pra te dizer /​Que o país tem ver­gonha de você”.
Este foi um dos coros con­tra corte por conta do jul­ga­mento de um habeas cor­pus do ex-​presidente Lula, con­de­nado com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia da justiça brasileira.
Como cheg­amos a esse ponto? Ao ponto de pop­u­lares gritarem palavras de ordem con­tra a Corte máx­ima da justiça do Brasil?
Não tenho reg­istros de tamanha situ­ação de descrédito – nem mesmo durante os 21 anos do Régime Mil­i­tar.
Ape­sar da situ­ação de excep­cional­i­dade durante aquele período havia da parte da pop­u­lação um respeito rev­er­en­cial ao STF. Por mais que incom­preen­síveis, muitas das vezes algu­mas de suas decisões, não se ousava ques­tionar a sobera­nia e ou mesmo a justeza de seus acórdãos.
Isso ficou no pas­sado.
E, infe­liz­mente, forçoso recon­hecer, o próprio STF é o respon­sável pelo despres­ti­gio que passa. Ao longo dos anos, foi se dimin­uindo, se fulanizando e as suas decisões. Min­istros vai­dosos, mais políti­cos que juízes, tornaram se ser­vos dos holo­fotes, sem qual­quer pre­ocu­pação com o con­junto do tri­bunal.
Suas excelên­cias, sem qual­quer con­strang­i­mento ou pudor pas­saram a decidir mais diante das câmeras que nos autos dos proces­sos, na observân­cia da Con­sti­tu­ição Fed­eral. Deixaram de obser­var as regras mais ele­mentares de dis­crição e decoro. Viraram “pal­piteiros” em tudo que foi assunto sobre os quais lhes per­gun­tavam os jor­nal­is­tas.
Tanto fiz­eram na busca da fama que se tornaram mais con­heci­dos que a escalação da seleção brasileira, isso à véspera da Copa do Mundo.
O resul­tado é o vemos: o descrédito, os apu­pos, o ques­tion­a­mento público de suas decisões.
O STF con­struiu sua ruína e com ela a ruína do próprio país.
Vejam o elu­cida­tivo caso que coloca o país em sus­pense: a prisão do ex-​presidente Lula. Faz pouco mais de dois anos que o STF fir­mou jurisprudên­cia – registre-​se: por estre­ita margem –, infir­mando a pos­si­bil­i­dade de prisão após jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se esgota o exame das matérias de fato.
Ora, matéria deci­dida, cabia a suas excelên­cia dar efe­tivo cumpri­mento aquela decisão nos proces­sos que lhe chegavam às mãos, certo? Lógico que sim, a tese vence­dora no tri­bunal dev­e­ria ser obser­vada pela indi­vid­u­al­i­dade dos min­istros e suas tur­mas. Ocor­reu o con­trário. Cada min­istro, a exceção da min­is­tra Rosa Weber, pas­sou a decidir con­forme sua con­vicção pes­soal, desre­spei­tando, eles próprios o órgão cole­giado, na sua instân­cia máx­ima. Acendeu-​se a caldeira do inferno. Os tri­bunais infe­ri­ores, obe­de­cendo a decisão do Supremo e seus min­istros a desrespeitando-​a.
O jul­ga­mento do HC do ex-​presidente é mais uma ver­tente a enve­ne­nar as relações insti­tu­cionais, arrisco dizer que o STF apro­fun­dou ainda mais seu desprestí­gio e o fosso que o sep­ara da sociedade.
A sociedade espera que, pelo menos diante do STF, todos cidadãos ten­ham o mesmo trata­mento. Aliás, mais de uma vez já se ouviu min­istros diz­erem que proces­sos não tem capa. Aí o cidadão se per­gunta: se fosse ele ou um João da Silva qual­quer ao invés do ex-​presidente, a corte gas­taria duas sessões inteira, indo pela madru­gada a den­tro para decidir um habeas cor­pus? Mais, o tri­bunal desafi­aria suas próprias decisões no intuído de lhe con­ceder uma ordem para não ser preso?
Qual­quer um sabe as respostas para estas per­gun­tas. Ela é não. Entre­tanto o se viu foi isso, o tri­bunal bus­cando dire­ito onde não havia para dar a um brasileiro em espe­cial, um trata­mento difer­en­ci­ado. E foi além, tive­mos min­istros da mais ele­vada Corte “exercendo” clara­mente o papel de advo­ga­dos de defesa do paciente, ques­tio­nando, inclu­sive, os votos diver­gentes.
A matéria posta em dis­cussão era bem sim­ples: se o STJ ao não per­mi­tir ao con­de­nado Luiz Iná­cio que recor­resse em liber­dade até esgo­tar todos os recur­sos, estaria agindo em afronta ao que dis­põe a Carta Magna a ser socor­rido com base no reme­dio hero­ico: “LXVIII — conceder-​se-​á «habeas-​corpus» sem­pre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer vio­lên­cia ou coação em sua liber­dade de loco­moção, por ile­gal­i­dade ou abuso de poder;”.
A resposta sin­gela a essa per­gunta: NÃO.
Não ocor­reu ile­gal­i­dade ou abuso de poder. O STJ agiu em con­formi­dade com o entendi­mento do próprio STF que decidiu assim – acer­tada­mente ou não, con­forme já descortinei o assunto out­ras vezes, ressal­vando meu pen­sa­mento em con­trário.
Acon­tece que o entendi­mento prevale­cente, até o momento, é no sen­tido do cumpri­mento da ape­nas após o esgo­ta­mento da segunda instân­cia, logo não have­ria que se falar em vio­lação da parte do STJ, con­quanto inúmeros brasileiros estão cumprindo pena, desde 2016, com base em tal prece­dente. E, salvo, protestos iso­la­dos aqui e ali, de advo­ga­dos e defen­sores, ninguém nunca se pre­ocupou com o fato dos presí­dios estarem cheios de pobres.
O que resta claro para a sociedade é que, ante a pos­si­bil­i­dade das auguras do cárcere atin­gir os poderosos, os crim­i­nosos de colar­inho branco, tenta-​se bus­car uma saída para que isso não ocorra.
Para isso, antes do sen­hor Lula ser preso, já artic­u­lam levar a jul­ga­mento as ADC’s (Ações Dire­tas de Con­sti­tu­cional­i­dade) para mudar o entendi­mento de 2016.
E, pior, para que não fique tão con­tra­ditório darem um giro de 180º na jurisprudên­cia, “tra­mam” um novo “puxad­inho jurídico”: o cumpri­mento da pena após a ter­ceira instân­cia, ou seja, a par­tir do jul­ga­mento no Supe­rior Tri­bunal de Justiça. Tudo para dar uma sobre­v­ida aos encalacra­dos, levar os proces­sos as cal­en­das, para pre­scrição ou para a morte dos crim­i­nosos.
Ao meu sen­tir ou se é con­sti­tu­cional ou não o cumpri­mento da pena antes do trân­sito em jul­gado. Fora disso é arru­mação.
A per­gunta der­radeira a se fazer é: quanto tempo mais o Brasil vai aguen­tar? Quanto tempo mais será o país do “jeit­inho”.
É con­tra isso que se insurge as vozes da cidada­nia.
Abdon Mar­inho ‘e advogado.