A TRAGÉDIA DA VIOLÊNCIA É MAIOR DO QUE REVELAM OS NÚMEROS.
Por Abdon Marinho.
QUASE tão tradicional quanto à queima os fogos em Copacabana, no Rio de Janeiro, na virada do ano é sabermos, nos dias seguintes de motins de presos em algum presídio Brasil a fora, com seus balanços dignos de filme de terror.
A bola da vez, na virada 2017/18, foi o Estado de Goiás.
Os motins são ocasionados, quase sempre, pela superlotação, pela insalubridade, pela promiscuidade entre autoridades e presos, pela corrupção, por uma combinação destes e vários outros fatores.
O certo é que as autoridades brasileiras perderam o controle da vida dentro dos presídios e, se não têm capacidade de controlar, quem teoricamente estaria preso, já temos como imaginar a tragédia do lado de fora.
A violência no Brasil não alcança paralelo no mundo.
São cerca de sessenta mil homicídios/ano, outro tanto no trânsito.
Isso é muito mais do se tem mortos em guerras ao redor do mundo.
Outro dia, no fim ano passado, uma pesquisa revelou que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo com 726 mil presos.
Só ficando atrás dos Estados Unidos e da China.
Talvez alguém comemore por não estamos no topo da lista. Não deveriam. Estes números servem para atestar o quanto é dramática a situação nacional.
O primeiro colocado na lista, os EUA, têm uma legislação penal rigorosa com penas longas, não sendo raro aplicação de pena perpétua (às vezes mais de uma) o que leva a um acúmulo muito grande de presos, por anos a fio, no sistema carcerário.
Uma das críticas que entidades de direitos faz é justamente sobre a manutenção desta população anciã atrás das grades, cumprindo penas até que lhes sobrevenham a morte dentro sistema.
Nem falemos nas condenações à morte, uma vez que já faz algum tempo que não tomamos conhecimento de execução por lá, ultimamente.
Além do mais, os EUA possuem uma população superior à nossa, cerca de um terço superior.
A população americana hoje é estimada em 325 milhões de habitantes. Apesar disso, o número de homicídios por lá, por ano, não alcança 15 mil, menos de um quarto da nossa.
Apenas para se ter uma ideia, no apagar das luzes de 2017, fomos informados que a cidade de Nova Iorque, com seus, cerca de, 8 milhões de habitantes registrou apenas 286 homicídios.
Só para efeitos de comparação, a Ilha de São Luís, com uma população sete vezes menor, deve registrar o triplo deste número ou algo aproximado disso.
Assim, o número de americanos presos, superior a 2 milhões, feitas estas considerações, não pode ser considerado superior em relação ao número brasileiro.
Em segundo lugar, com 1,650 mil (um milhão, seiscentos e cinquenta mil) presos, vem a China.
Por se tratar de uma ditadura não temos muitas informações sobre o sistema de aplicação da lei penal, exceto pelo que denunciam as entidades de diretos humanos sobre as execuções em massa de prisioneiros, até por crimes considerados não violentos, são passíveis de punição com a morte – onde obrigam os familiares dos executados a pagarem pela bala da execução, registre-se.
Segundo organismos internacionais, a China é responsável por noventa por cento das execuções de presos no mundo. E já foi bem pior, até 2007, a taxa de execução anual era de cerca de dez mil presos/ano.
Além das execuções, temos uma maior severidade na aplicação das penas, o que gera um acúmulo de presos ao longo dos anos.
Se crimes, como tráfico de drogas, pode levar à morte, outros crimes menores – que aqui o juiz manda soltar na audiência de custódia –, eleva a quantidade de presos naquele país.
Outra situação a merecer consideração, das já referidas, é a populacional. A China possui hoje uma população de cerca de 1,380 (um bilhão e trezentos e oitenta milhões) de habitantes.
Isso é mais de seis vezes e meia a nossa população. Entretanto, possui uma população carcerária que pouco mais que o dobro da nossa.
Aí chegamos ao nosso “injusto” terceiro lugar em número de presos. Digo injusto por que sabemos que o nosso número de presos é artificial.
E para comprovar que o digo faço as considerações abaixo:
O crime no Brasil compensa.
Se pegarmos o número de homicídios ou outros crimes ocorridos aqui na ponta, no impacto direto ao cidadão, veremos que a grande parte dos crimes não são solucionados. A taxa de resolução da polícia brasileira é muito baixa.
O marginal comete o crime certo que não será descoberto pela polícia, seja homicídio, seja tráfico, seja invasão e roubos de residências; sabem que só um azar muito grande o levará à cadeia imediatamente.
Os poucos azarados, se não cometeu um crime muito grave, um homicídio, por exemplo, será solto, se não foi descoberto antes, na audiência de custódia, para continuar os crimes de onde foi interrompido pela ação da polícia. Já tivemos notícias de bandidos voltando a atividade delitiva no estacionamento do fórum.
Dos poucos crimes solucionados poucos viram denúncias e destes muitos se perdem nos escaninhos da burocracia, prescrevem, levam a absolvição, por terem sido mal feitos os processos, ou pelo fator – que não podemos deixar de reconhecer –, da corrupção.
As penas no Brasil estimulam o crime.
O bandido, ainda considerando a possibilidade de ser apanhado, denunciado, julgado e condenado, avalia que o tempo que passará na cadeia é compensado pelo proveito econômico auferido pela conduta criminosa.
Não bastasse as penas não serem pesadas, se condenados no mínimo das penas nem chegam a conhecer a realidade do cárcere.
Fora isso, ainda temos as generosas progressões, as saídas temporárias, a corrupção dentro das cadeias que permite auferir algumas vantagens (desde que possa pagar); e com sorte, ainda pode conseguir um indulto natalino de algum presidente bondoso.
A política implementada no país é de “cadeia zero”. Há um verdadeiro frenesi para soltar presos, abrir vagas, diminuir a população carcerária, etc.
É a famosa política do “solticídio”.
Agora mesmo, por ocasião do último motim – causado pelos presos e pela omissão das autoridades –, alegando falta de espaço, já que destruíram as celas, e segurança, a Justiça autorizou que os presos fiquem em casa até encontrarem outras vagas para eles.
Ora, fosse o Brasil um país mais rígido com a criminalidade, com penas duras, sem a farra de tantos benefícios, sem a possibilidade do cidadão, roubar, estuprar, mesmo matar, sair “espalitando” os dentes pela porta da frente dos fóruns e das cadeias, certamente o “caneco” de campeão do ranking de população carcerária seria nosso.
Somos apenas campeões morais.
O Brasil, sua população, que vai às urnas logo mais, precisa entender que não podemos tergiversar com criminalidade. Temos que ir para o enfrentamento. Aplicar penas, e fazê-las cumprir, de modo que sirvam para desestimular as práticas delitivas. Acabar com essa cultura de ter o bandido por coitadinho.
Enquanto o crime continuar compensando a tendência do mesmo é aumentar.
Outra coisa, precisamos parar com o discurso hipócrita de que não devemos construir presídios e sim escolas. Precisamos dos dois dando aos “clientes” a possibilidade da escolha.
O país compromete seu futuro, enquanto nação soberana, se continuar perdendo mais de 120 mil cidadãos/ano para a violência, e deixando outro tanto de incapacitados, enquanto ninguém na sociedade se sente livre nem para pôr os pés fora de casa.
Chega! Já passa da hora de enfrentamos essas questões.
Abdon Marinho é advogado.
A TRAGÉDIA DA VIOLÊNCIA É MAIOR DO QUE REVELAM OS NÚMEROS.
Escrito por Abdon Marinho
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