O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
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- Criado: Quinta, 05 Abril 2018 16:48
- Escrito por Abdon Marinho
O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
Por Abdon Marinho.
MANHÃ chuvosa. Enquanto contemplava, desde as primeiras horas do dia a chuva que caía, ia refletindo sobre os últimos acontecimentos do nosso país.
E é de indagar: como chegamos a este ponto? Qual o futuro que nos aguarda?
São tempos estranhos.
Se não me falha a memória, desde o ano de 1984 – e lembro o episódio – não ouvia o Jornal Nacional encerrar com uma informação vinda da caserna, um pronunciamento militar. Naquela oportunidade foi a informação de que Brasília, a capital da federal amanheceria sob Estado de Sítio. Era a véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, que propunha a volta de eleições diretas para a presidência da República.
Passados mais de trinta anos, como um dèja vu fora de época, ouvi o apresentador do JN informar uma última notícia: e leu a um tuíte do general Villas Boas, onde o mesmo faz comentários sobre o quadro político. Mais que isso, falando em nome do Exército brasileiro.
Aqui não desço ao conteúdo do tuíte – o mesmo até pode ser pertinente –, o mais relevante foi a sua repercussão em meio a mídia e as instituições. Embora, o general tenha falado em nome do Exército, poderia ter sido tratado como uma opinião pessoal. Assim como as demais opiniões de outros militares em respostas às colocações do comandante da tropa militar.
Fez-se o oposto. Gerou-se um clima de intervenção como nunca tínhamos visto.
Vejo como se país tivesse retrocedido a 1978, quando os militares, já cansados do encargo, já trabalhavam no sentido de devolver o poder político aos civis, e o general-presidente de então disse que faria a transição nem que fosse na marra.
O Brasil de hoje discute um retorno a uma situação de quarenta anos atrás.
Como chegamos a esse grau de loucura institucional?
A sociedade consolida a visão de que democracia brasileira é o retrato do fracasso.
As palavras do general Villas Boas, muito além do que efetivamente disse, encontrou inquestionável eco em todas as camadas da sociedade. Nos últimos ouvi manifestações de apoio as palavras do general não apenas nos círculos militares das Forças Armadas, dos militares das policias e corpo de bombeiros, mas também de inúmeros cidadãos civis.
Como chegamos a isso? A pergunta que não cala.
Não lembro – em tempo algum da história do país –, ter visto a autoridade do Supremo Tribunal Federal ser tão questionada. Pior que isso, a sua dos seus ministros jogada na lama. Por estes dias o que se ouviu em diversas capitais foram apupos, vaias e xingamentos à Corte, inclusive com palavras de ordem do tipo: “Olá Supremo /Eu vim aqui /pra te dizer /Que o país tem vergonha de você”.
Este foi um dos coros contra corte por conta do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, condenado com sentença confirmada e ampliada pela segunda instância da justiça brasileira.
Como chegamos a esse ponto? Ao ponto de populares gritarem palavras de ordem contra a Corte máxima da justiça do Brasil?
Não tenho registros de tamanha situação de descrédito – nem mesmo durante os 21 anos do Régime Militar.
Apesar da situação de excepcionalidade durante aquele período havia da parte da população um respeito reverencial ao STF. Por mais que incompreensíveis, muitas das vezes algumas de suas decisões, não se ousava questionar a soberania e ou mesmo a justeza de seus acórdãos.
Isso ficou no passado.
E, infelizmente, forçoso reconhecer, o próprio STF é o responsável pelo desprestigio que passa. Ao longo dos anos, foi se diminuindo, se fulanizando e as suas decisões. Ministros vaidosos, mais políticos que juízes, tornaram se servos dos holofotes, sem qualquer preocupação com o conjunto do tribunal.
Suas excelências, sem qualquer constrangimento ou pudor passaram a decidir mais diante das câmeras que nos autos dos processos, na observância da Constituição Federal. Deixaram de observar as regras mais elementares de discrição e decoro. Viraram “palpiteiros” em tudo que foi assunto sobre os quais lhes perguntavam os jornalistas.
Tanto fizeram na busca da fama que se tornaram mais conhecidos que a escalação da seleção brasileira, isso à véspera da Copa do Mundo.
O resultado é o vemos: o descrédito, os apupos, o questionamento público de suas decisões.
O STF construiu sua ruína e com ela a ruína do próprio país.
Vejam o elucidativo caso que coloca o país em suspense: a prisão do ex-presidente Lula. Faz pouco mais de dois anos que o STF firmou jurisprudência – registre-se: por estreita margem –, infirmando a possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância, quando se esgota o exame das matérias de fato.
Ora, matéria decidida, cabia a suas excelência dar efetivo cumprimento aquela decisão nos processos que lhe chegavam às mãos, certo? Lógico que sim, a tese vencedora no tribunal deveria ser observada pela individualidade dos ministros e suas turmas. Ocorreu o contrário. Cada ministro, a exceção da ministra Rosa Weber, passou a decidir conforme sua convicção pessoal, desrespeitando, eles próprios o órgão colegiado, na sua instância máxima. Acendeu-se a caldeira do inferno. Os tribunais inferiores, obedecendo a decisão do Supremo e seus ministros a desrespeitando-a.
O julgamento do HC do ex-presidente é mais uma vertente a envenenar as relações institucionais, arrisco dizer que o STF aprofundou ainda mais seu desprestígio e o fosso que o separa da sociedade.
A sociedade espera que, pelo menos diante do STF, todos cidadãos tenham o mesmo tratamento. Aliás, mais de uma vez já se ouviu ministros dizerem que processos não tem capa. Aí o cidadão se pergunta: se fosse ele ou um João da Silva qualquer ao invés do ex-presidente, a corte gastaria duas sessões inteira, indo pela madrugada a dentro para decidir um habeas corpus? Mais, o tribunal desafiaria suas próprias decisões no intuído de lhe conceder uma ordem para não ser preso?
Qualquer um sabe as respostas para estas perguntas. Ela é não. Entretanto o se viu foi isso, o tribunal buscando direito onde não havia para dar a um brasileiro em especial, um tratamento diferenciado. E foi além, tivemos ministros da mais elevada Corte “exercendo” claramente o papel de advogados de defesa do paciente, questionando, inclusive, os votos divergentes.
A matéria posta em discussão era bem simples: se o STJ ao não permitir ao condenado Luiz Inácio que recorresse em liberdade até esgotar todos os recursos, estaria agindo em afronta ao que dispõe a Carta Magna a ser socorrido com base no remedio heroico: “LXVIII — conceder-se-á «habeas-corpus» sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;”.
A resposta singela a essa pergunta: NÃO.
Não ocorreu ilegalidade ou abuso de poder. O STJ agiu em conformidade com o entendimento do próprio STF que decidiu assim – acertadamente ou não, conforme já descortinei o assunto outras vezes, ressalvando meu pensamento em contrário.
Acontece que o entendimento prevalecente, até o momento, é no sentido do cumprimento da apenas após o esgotamento da segunda instância, logo não haveria que se falar em violação da parte do STJ, conquanto inúmeros brasileiros estão cumprindo pena, desde 2016, com base em tal precedente. E, salvo, protestos isolados aqui e ali, de advogados e defensores, ninguém nunca se preocupou com o fato dos presídios estarem cheios de pobres.
O que resta claro para a sociedade é que, ante a possibilidade das auguras do cárcere atingir os poderosos, os criminosos de colarinho branco, tenta-se buscar uma saída para que isso não ocorra.
Para isso, antes do senhor Lula ser preso, já articulam levar a julgamento as ADC’s (Ações Diretas de Constitucionalidade) para mudar o entendimento de 2016.
E, pior, para que não fique tão contraditório darem um giro de 180º na jurisprudência, “tramam” um novo “puxadinho jurídico”: o cumprimento da pena após a terceira instância, ou seja, a partir do julgamento no Superior Tribunal de Justiça. Tudo para dar uma sobrevida aos encalacrados, levar os processos as calendas, para prescrição ou para a morte dos criminosos.
Ao meu sentir ou se é constitucional ou não o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado. Fora disso é arrumação.
A pergunta derradeira a se fazer é: quanto tempo mais o Brasil vai aguentar? Quanto tempo mais será o país do “jeitinho”.
É contra isso que se insurge as vozes da cidadania.
Abdon Marinho ‘e advogado.