AbdonMarinho - EM NOME DE DEUS: A POLÊMICA DAS CAPELANIAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

EM NOME DE DEUS: A POLÊMICA DAS CAPELANIAS.

EM NOME DE DEUS: A POLÊMICA DAS CAPELA­NIAS.

Por Abdon Mar­inho.

NUNCA fui muito lig­ado à religião. Nascido em família católica pouco prat­i­cante e morando num povoado de pou­cas casas, nen­huma igreja, a fre­quên­cia aos cul­tos eram quase nulas. Fui bati­zado por influên­cia de minha mãe, devota de São Fran­cisco de Assis, que deu-​me como padrin­hos Absalão e Nazaré, far­ma­cêu­ti­cos de Gonçalves Dias.

Como não há mal que não nos traga bene­fí­cios, a ausên­cia de uma prática mais efe­tiva da fé fez-​me muito tol­er­ante em relação a todos os cre­dos.

Assim, era comum, no oratório que tín­hamos em casa faz­er­mos uma oração e, em seguida, irmos em alguma viz­in­hança acom­pan­har um rit­ual de umbanda que, no nosso povoado, con­hecíamos por “terecô”.

E, acred­i­tando e respei­tando as diver­sas for­mas de fé, aprendi que essa é uma relação pes­soal e íntima, sobre a qual não cabe con­sid­er­ação de ter­ceiros. Sendo esta uma das razões de nunca ter escrito sobre essa temática. Uma outra razão é o velho adá­gio de que sobre religião, fute­bol, não deve­mos discutir.

Tal preâm­bulo faz-​se opor­tuno diante da neces­si­dade de tratar­mos, em caráter excep­cional, da tal polêmica de cunho jurídico e político envol­vendo o que jocosa­mente vem sendo apel­i­dado em alguns veícu­los de comu­ni­cação, sobre­tudo, as redes soci­ais como: “a farra das capelanias”.

A primeira coisa que entendo impor­tante assen­tar é que essa, difer­ente do dizem alguns, não é uma questão reli­giosa ou de “perseguição” a esta ou aquela denom­i­nação. Os que dizem isso, não estão sendo “fiéis” à questão cen­tral do tema.

Como sabe­mos as capela­nias – neste caso, as mil­itares –, são insti­tu­ições sec­u­lares e fazem parte da vida cas­trense, sem exagero podemos dizer, desde sem­pre.

Trata-​se de uma garan­tia indi­vid­ual consignada na Con­sti­tu­ição Fed­eral de 1988, logo no artigo 5º., o que trata das garan­tias e dire­itos indi­vid­u­ais. Con­sta lá: “VI — é invi­o­lável a liber­dade de con­sciên­cia e de crença, sendo asse­gu­rado o livre exer­cí­cio dos cul­tos reli­giosos e garan­tida, na forma da lei, a pro­teção aos locais de culto e a suas litur­gias; VII — é asse­gu­rada, nos ter­mos da lei, a prestação de assistên­cia reli­giosa nas enti­dades civis e mil­itares de inter­nação coletiva;”

Faço, proposi­tada­mente, a citação dos dois dis­pos­i­tivos por enten­der que os mes­mos se com­ple­tam: um diz ser invi­o­lável a liber­dade de con­sciên­cia e crença e o outro asse­gura que o Estado, nos ter­mos da lei a prestação de assistên­cia reli­giosa nas enti­dades civis e mil­itares de inter­nação cole­tiva.

Por conta do vere­dicto con­sti­tu­cional, o Brasil pos­sui um acordo diplomático, desde o ano 1989, com a Santa Sé no sen­tido de garan­tir um Ordi­narato Mil­i­tar para a prestação de assistên­cia reli­giosa aos católi­cos inter­na­dos nas insti­tu­ições mil­itares.

Logo, não há que se falar em ile­gal­i­dade nas capela­nias, pelo con­trário, trata-​se de uma garan­tia con­sti­tu­cional que o Estado do Maran­hão asse­gura.

O que acred­ito tenha atraído a crítica dos opos­i­tores e, tam­bém, chamado a atenção do Procu­rador Regional Eleitoral – que apura um pos­sível abuso de poder político por parte do gov­er­nador que será can­didato à reeleição –, seja o excesso de capela­nias, ainda mais, quase todas voltadas para às denom­i­nações evangéli­cas.

Pelo que se notí­cia são dezenas de pas­tores com salários ele­va­dos – dizem, até 21 mil reais –, para prestarem assistên­cia reli­giosa aos mil­itares (poli­ci­ais e bombeiros), nos presí­dios e – noticiou-​se –, até na Polí­cia Civil, que não é enti­dade de inter­nação cole­tiva.

Faz sen­tido o estran­hamento, até em face de não ter­mos tomado con­hec­i­mento que as autori­dades estad­u­ais procu­raram a Santa Sé ou o Ordi­narato Mil­i­tar do Brasil em busca de sac­er­dotes para exercerem tal mis­ter, quando sabe­mos que, numeri­ca­mente, a pop­u­lação católica ainda é supe­rior à pop­u­lação das demais denom­i­nações evangéli­cas.

Igual­mente, não se soube da nomeação de prat­i­cantes da umbanda ou prat­i­cantes dos demais cul­tos afro-​brasileiros para as tais capela­nias.

Causa ainda mais inqui­etação nos adver­sários e mesmo no Min­istério Público Eleitoral, sem­pre pre­ocu­pado com a lisura e a equidade entre os can­didatos, quando apare­cem gravações do gov­er­nador, que será can­didato, em even­tos reli­giosos tratando os min­istros da fé como cabos eleitorais, elo­giando o desem­penho deste ou daquele no pleito pas­sado.

Não está dito nas Escrit­uras que não se pode servir a dois sen­hores? Logo, ou se serve a Deus ou a causa da política.

A situ­ação ganha ares de polêmica ainda maior quando sabe­mos, por ser público e notório, que o gov­er­nador inte­gra um par­tido que, doutri­nar­i­a­mente, se opõe a todas as for­mas de religião e, em espe­cial, as religiões cristãs.

Tratam-​se de incon­gruên­cias intransponíveis.

O Par­tido Comu­nista do Brasil — PC do B, par­tido do qual o gov­er­nador figura como uma de suas prin­ci­pais lid­er­anças, que como o próprio nome diz, se opõe ide­ológ­ica e doutri­nar­i­a­mente à fé em Deus e em Cristo.

Nos países comu­nistas apoia­dos por ele (PCdoB) não existe per­mis­são para a práti­cas reli­giosas ou a mesma é restrita, sendo que na Cor­eia do Norte, que adota a linha mais dura do comu­nismo, por­tar uma Bíblia ou mesmo entrar no país com uma é crime que leva o infrator à prisão ou aos cam­pos de tra­bal­hos força­dos.

Na antiga União Soviética, berço inspi­rador do PCdoB, o Stal­in­ismo, além da proibição da fé, destruiu quase todos os tem­p­los reli­giosos, ver­dadeiras jóias da arquite­tura, de beleza e apelo histórico inques­tionáveis.

As pes­soas esclare­ci­das, prin­ci­pal­mente as que habitam fora do estado, não com­preen­dem como o gov­er­nador ou estes líderes reli­giosos que lhe ter­cem loas – e aqui não ape­nas os evangéli­cos –, igno­ram ou fazem pouco caso da ver­dade histórica – mas ainda atual –, da perseguição doutrinária e física dos regimes comu­nistas às diver­sas práti­cas reli­giosas.

Ora, temos líderes reli­giosos, aqui no Maran­hão, que apoiam um par­tido que faz notas de apoios e moções de con­grat­u­lações a regimes que proíbem a religião, pren­dem – e até matam – líderes … reli­giosos.

Aí, vemos uma dep­utada fed­eral que se anun­cia pré-​candidata ao Senado da República, dizer que as críti­cas feitas pelos opos­i­tores ao excesso de capela­nias trata-​se de “perseguição” aos evangéli­cos.

É um espanto a falta de per­cepção histórica da real­i­dade. A dúvida que paira é se são igno­rantes ou esper­tos em dema­sia.

Como não ficar espan­ta­dos, tam­bém, com um gov­er­nador comu­nista que prostrar-​se, de joel­hos e sob chuva tor­ren­cial, para rece­ber benção de pas­tores evangéli­cos ou citando parte do livro de Lev­íti­cos em inau­gu­rações ou atos ofi­ci­ais? Lev­íti­cos! O livro que traz as lições para red­imir os pecadores ou obser­var nos cul­tos. E são tan­tas regras.

Retor­nando à questão das capela­nias, o que tem gerando insat­is­fação, inclu­sive de out­ros líderes reli­giosos, e atraído críti­cas de diver­sos setores da sociedade, não é sua existên­cia. Todos sabe­mos de sua importân­cia, do seu sen­tido ter­apêu­tico para aque­les que são sub­meti­dos a situ­ação de inter­nação.

O que se ques­tiona – e com razão – , é o excesso. Segundo li o Maran­hão chegou, no atual gov­erno, a cinquenta capela­nias, e há a promessa de amplia-​las. O segundo estado em número de capela­nias tem ape­nas cinco. Diver­sos não tem nen­huma. Mesmo no lúdico mundo das histórias em quadrin­hos – primeiro lugar onde ouvi falar em capela­nia –, não lem­bro de ter visto nas revis­tas do “Recruta Zero”, mais que um capelão.

O certo é que se fôsse­mos dividir o número inter­nos pelo de capelães daria um número reduzido de assis­ti­dos, situ­ação que leva os opos­i­tores do gov­erno a sus­peitarem que seu real obje­tivo é mais pecaminoso que celes­tial.

Seria o caso de inda­gar se ao invés de ter­mos tan­tos capelães cus­tando tanto, se não poderíamos ampliar o número de psicól­o­gos, assis­tentes soci­ais, ter­apeu­tas, etc.? Estes, claro, dev­i­da­mente con­cur­sa­dos e ingres­sando no serviço público pela “porta da frente”.

O que se ques­tiona são critérios para as escol­has destes reli­giosos para exercerem estas capela­nias, os cidadãos recla­mam estes critérios, muitos até pen­sam em largar seus afaz­eres para se dedi­carem à teolo­gia e assim gal­garem tais pos­tos, pois o salário é atra­tivo.

O que se ques­tiona é o porquê destes “min­istros da fé”, mais inter­es­sa­dos na sal­vação das almas que dos cor­pos, não exercerem suas funções sem onerar o estado, já com as finanças combalidas?

O que se ques­tiona é, por que não nomear, sem maiores cus­tos para o estado, pes­soas das cor­po­rações para exercerem essas capela­nias? Decerto, temos, den­tro das mes­mas, pes­soas com capac­i­tação sufi­ciente para isso.

O que se ques­tiona é o impacto que tan­tas capela­nias pos­sam ter nos pilares da vida cas­trense: a hier­ar­quia e a dis­ci­plina. Como “encara” essa real­i­dade um ofi­cial que pas­sou anos “ralando” na car­reira para gal­gar uma pro­moção, uma mel­ho­ria no soldo, diante de pes­soas que chegaram “ontem” e já gal­garam tais pos­tos e sol­dos, sem nunca terem “ral­ado”?

Cer­ta­mente há um efeito deletério para a cor­po­ração que será sen­tido no médio ou longo pra­zos.

Não imag­i­nava que as cor­po­rações ou mesmo os demais ambi­entes de inter­nação cole­tiva estivessem tão neces­si­ta­dos de amparo reli­gioso.

Vendo tais situ­ações me socorre a lem­brança de antigo político maran­hense que certo dia, dirigindo-​se a mim, saiu-​se com a seguinte tirada: — meu filho, quando veres alguém “rezando” muito pode ter uma certeza: é alguém com muitos peca­dos.

No caso do “excesso” de capela­nias, tenho por mim que esta­mos diante de muita fé. Ou muitos peca­dos. Essa resposta ter­e­mos com o tempo.

E sendo certo que nada aos olhos de Deus se faz oculto, muitos peca­dos terão que ser expli­ca­dos a Ele.

Assim é o que nos ensina o Evan­gelho de Mar­cos 4:22: “Porque nada há encoberto que não haja de ser man­i­festo; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser descoberto”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.