QUANDO A REALIDADE SE IMPÕE.
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- Criado: Segunda, 07 Maio 2018 18:51
- Escrito por Abdon Marinho
QUANDO A REALIDADE SE IMPÕE.
Por Abdon Marinho.
QUEM acredita em coincidências diz que foi mera fatalidade. Os que não acreditam dizem que foi tão somente a imposição da realidade sobre o discurso.
O fato, entretanto, não poderia ser mais emblemático: no mesmo dia em que o governador, em artigo assinado e publicado no Jornal Pequeno, tecia loas a politica de segurança do seu governo, justamente neste dia, a ilha acordou sobressaltada com as notícias de violência extrema. Na madrugada foi um delegado da Policia Federal que teve a vida ceifada (em princípio vitima de um assalto malsucedido no bairro do Araçagi, São José de Ribamar), antes deste fato ou logo depois um cidadão, também, vitima de um assalto, levou um tiro no rosto e se encontra internado num hospital da capital; ainda na manhã domingo, chegou-nos a informação de que uma criança, de apenas sete anos, morrera, atingida na cabeça durante uma troca de tiros entre membros de facções rivais no Bairro de Fátima.
São filhos que nunca mais desfrutarão de um abraço do pai, uma esposa que não terá o aconchego do marido; são pai e mãe que, na inversão da ordem natural da vida, não verão o filho crescer, dar-lhe netos, cuidar deles na velhice; são vitimas para os quais não se sabe a extensão das sequelas.
Como num roteiro macabro, escrito com o propósito de desmentir sua excelência, todos esses fatos chegaram ao conhecimento da patuleia antes que tivéssemos tempo de concluir a leitura do curto texto de autoelogios, onde festeja, segundo as próprias estatísticas, substanciosas reduções nos índices de criminalidade na capital e no interior.
Não tenho elementos para aquilatar o grau de efetiva redução nos indicadores de violência, faz tempo – mas, acredito, já no atual governo –, que o servidores do IML foram “proibidos” de repassarem a imprensa os dados das ocorrências e os meios de comunicação deixaram de investigar os fatos relacionados a eles.
Assim, os interessados em saber os números e a natureza das ocorrências passaram a contar, unicamente, com o cadastro oficial do sistema de segurança.
Sem embargos ou questionamentos um corpo achado crivado de balas, deixa de ser homicídio e vira, na estatística, “achado de cadáver”; o cidadão é alvejado por balas ou facadas e morre um ou dois dias depois no hospital, deixa de ser homicídio para ser “lesão corporal seguida de morte” e assim sucessivamente. O que não faltam são meios de “disfarçar” dados.
A falta de interesse e/ou acompanhamento externo facilita que ocorram tais situações e que se “venda” uma falsa sensação de segurança.
A tragédia ocorrida com a família do Delegado Federal David Aragão era anunciada desde sempre. São raras as residências do Araçagi que ainda não foram assaltadas, arrombadas ou furtadas. Até parece que o bairro virou uma espécie de “trabalho” para os marginais que, todos os dias, vão lá fazer o “apurado do dia”. Não raros são os amigos que contam uma história de violência envolvendo um outro amigo, um parente, um conhecido… descambar para latrocínios, estupros, etcetera era algo que aconteceria mais cedo ou mais tarde e que, infelizmente, voltarão a acontecer.
Outro dia – até já escrevi aqui –, ouvi a narrativa aterrorizante de um amigo-vítima da violência naquele bairro. Cedinho, por volta das 6 horas, ele saiu de casa para deixar a esposa na parada de ônibus e voltar para levar a filha no colégio. No retorno, quando abria o portão, os bandidos o abordaram e o aterrorizaram, passou os piores momentos da sua vida temendo pelo que poderia lhe acontecer como à sua filha. Segundo ele – para encurtar a conversa –, só está vivo para contar a história, por causa da filha. Foi isso que lhe deixou claro os bandidos: que só não o matavam para não deixar traumatizada a criança que, aterrorizada, assistia a tudo.
Em resumo: após este episódio abandonou a casa que lhe consumira anos de investimentos na construção e foi morar num apartamento.
E, são tantos os episódios de violência, o abandono do bairro pelas autoridades, a falta de infraestrutura básica, que passaram a lhe apelidar de “Araçagiquistão”, uma referência a violência naqueles países do Oriente Médio e outros do entorno.
Em que pese as estatísticas oficiais – e que não temos como contestar – dizerem que estamos indo muito bem, obrigado!, o que vemos nos bairros, sobretudo os mais pobres e nas periferias dos municípios da ilha, revela uma outra realidade.
A morte da criança na troca de tiros ou o assalto que culminou com a tentativa de homicídio do empresário na porta de casa são apenas os exemplos mais gritantes.
O Bairro de Fátima sempre teve um histórico de violência, mas as pessoas, até mesmo de fora, conseguiam circular livremente, o mesmo acontecendo no Anil, na Liberdade, Coroado, Vila Isabel Cafeteira, Vila Litorânea, Divinéia, Sol e Mar e Luizão.
Eu mesmo cansei de circular por estes bairros com a mesma desenvoltura que circulava pelo centro de São Luís, hoje, nem no centro. Não há, nestas localidades, uma viela, uma rua, uma quadra ou mesmo o bairro inteiro que não esteja sob o domínio de uma facção criminosa.
São elas (facções) que determinam até se o cidadão deve circular com os vidros dos carros fechados ou abertos.
Os muros estão cheios de inscrições avisando a população quem é que manda na área e passando instruções aos moradores.
Diante de tais situações, ainda que tenha havido (e não tenho como aferir isso) uma redução nominal no número de homicídios, conforme festejado pelo governo, a realidade mostra que aumentou a área de domínio das facções criminosas em toda ilha – com todas suas nefastas consequências –, sem que o poder público mostre que, efetivamente, tem domínio da situação.
O certo é que teve pouca valia a leitura do texto governamental exultante com a redução da violência para aqueles que estavam no mesmo dia em que o lia, velando seus mortos, torcendo pela resistência de seus feridos ou para aqueles que vive o dia a dia sob o domínio do medo.
Abdon Marinho é advogado.