SOBRE DITADURAS, HOMENAGENS E MEMÓRIA.
Por Abdon Marinho.
COMO tínhamos anunciado aqui, os deputados estatuais do Maranhão erguerem seus livrinhos vermelhos e elegerem, por unanimidade — como convém a todos os modelos autoritários – , a sua mesa diretora para comandar a Casa até fevereiro de 2023, algo inédito pela antecipação (não fazemos ideia de quem serão os campeões do Brasileirão de 19, 20, 21 ou 22, ou se o Sampaio vai superar a má fase e ganhar alguma competição nacional, aliás, sequer sabemos se estaremos vivos, mas já sabemos e testemunharemos – se estivermos vivos e eles também –, quem estará no comando legislativo).
Um dia após atentarem contra os princípios comezinhos do que seja democracia — e contando com o silêncio cúmplice de instituições como o Ministério Público Estadual e a Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Maranhão, além da imprensa e demais entidades da sociedade civil –, os deputados de “De Volta para o Futuro”, aprovaram um projeto de lei proibindo qualquer homenagem a ditadura.
Nada contra o projeto de lei, de iniciativa de um deputado do Partido Comunista do Brasil — PCdoB, aprovado por um parlamento que no dia anterior demonstrara todo apreço a democracia e que, certamente, será sancionado pelo governador também filiado ao PCdoB e virar lei.
O autor da iniciativa propagandeia nas redes sociais que o “projeto é uma medida que vai além do respeito aos direitos fundamentais. É também uma forma de respeito à minha consciência e biografia. Sou advogado, constitucionalista e diariamente luto contra a corrupção e para que a lei seja cumprida. Durante a ditadura, crianças foram sequestradas, violentadas e torturadas. Aos autores, nossa única homenagem deve ser o desprezo.”
Como disse anteriormente nada tenho contra uma lei que proíba homenagem a ditadores, torturadores e outros lixos humanos que inundam a história, entretanto, considerando, sobretudo, a justificativa apresentada, entendo oportuno algumas observações.
O projeto de lei foi apresentado por um deputado comunista, aprovado na assembleia legislativa presidida por um deputado comunista e, certamente, será sancionado pelo governador comunista do estado.
Os três, como sabemos, são integrantes do Partido Comunista do Brasil — PCdoB.
— E o que tem isso Abdon?
Tem o seguinte, batatinha: como é de conhecimento público, o PCdoB, que alega quase 100 anos de existência, é o partido brasileiro que mais esteve do “lado errado” da história. Nestes quase cem anos apoiou – e apoia, e defendeu, e defende –, as ditaduras mais sanguinárias da história da humanidade.
Eis alguns exemplos: Maoísmo, na China com 60 milhões de mortos; Stalinismo, na antiga União Soviética, com 20 milhões de mortos; Camboja, com 2 milhões de mortos; Coreia do Norte, com 2 milhões de mortos; Afeganistão, com 1,5 milhão de mortos; Vietnã, com 1 milhão de mortos; Europa Oriental, com 1 milhão de mortos; América Latina 150 mil mortos.
O PCdoB defendeu e apoiou todos estes regimes totalitários, que massacraram milhões de seres humanos por discordarem deles e por não quererem viver sob a escravidão imposta.
O PCdoB até hoje não fez uma autocrítica consistente e pública aos seus posicionamentos em relação às barbaridades cometidas por seus “ídolos”.
E não me digam que estes são fatos de um passado distante. Não o são. Ainda hoje o partido defende aquelas práticas e os regimes autoritários da Coreia do Norte, do Camboja, de Cuba e o que restou de modelos que descambaram para ditaduras, como é o caso da Venezuela.
São países onde imperam graves violações aos direitos humanos fundamentais. Basta dizer que na Coreia do Norte, por exemplo, as penas passam da pessoa que cometeu um suposto delito. Um cidadão falou mal do “grande líder”, disse que estava com fome, a família inteira é desterrada para um “campo de reeducação com trabalhos forçados” onde ficarão pelo resto de suas vidas miseráveis.
Pois é, esse régime, não faz muito tempo, ganhou uma nota oficial de solidariedade do partido. Acho que o único partido brasileiro a cometer tamanho desatino.
Exemplos mais próximos de tiranias apoiadas pelo Partido Comunista do Brasil — PCdoB, são a Venezuela, onde o chavismo já matou milhares de pessoas, seja pela fome, seja pela falta de medicamentos, seja pela violência e, que, segundo a ONU, já forçou ao exílio de mais de 3 milhões de cidadãos; e Cuba que sob o jugo dos irmãos Castro é responsável pela eliminação de mais de 80 mil cubanos, sem contar com a crueldade da repressão que sofrem há sessenta anos.
Diante de tudo isso, quando vejo alguém do PCdoB falando em direitos humanos, garantias fundamentais, me socorrem duas ideias: a primeira, que a pessoa que fala isso está “tirando sarro” da minha cara ou me insultando; a segunda, que a pessoa se “intrigou” com os livros de história no jardim de infância e nunca mais quis saber do assunto.
A longa noite de vinte um anos, que foi a ditadura brasileira, segundo as mais abalizadas fontes, não eliminou 400 pessoas – e repudiamos todos esses crimes –, assim como os casos de torturas e demais violações de direitos humanos.
Os cidadãos de bem, os familiares ou mesmo as vítimas, têm todo o direito de repudiar, de negar perdão aos atos praticados.
Já os integrantes do Partido Comunista do Brasil — PCdoB, por mais que ensaiem, não possuem qualquer legitimidade para dizer nada sobre ditadores, torturas, perecimento de cidadãos, pois ao longo da sua história apoiou – e ainda apoia –, as ditaduras mais ordinárias que já existiram – e ainda existem –, na face da terra.
Por baixo, carregam nos ombros cerca 100 milhões de mortos.
Mas não é só, desde os anos cinquenta do século passado que todos sabem dos crimes cometidos pelas ditaduras apoiadas pelo partido, que, apesar disso, nunca fez uma autocrítica, pelo contrário, continuou apoiando e defendendo as mesmas.
Essa prática conserva até hoje, seja por defender os crimes acima referidos, seja por defender os crimes ainda em curso na Coreia do Norte, no Camboja, na China, em Cuba, e mesmo na Venezuela.
Aliás, apenas para fins históricos, embora alegue ter nascido em 1922, o PCdoB, só “nasceu”, efetivamente, a partir de uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro – PCB, quando este adotou a linha revisionista de Nikita Khrushchov, que denunciou os crimes cometidos por Stálin. Os então dissidentes, reivindicaram para si o “legado” criminoso do stalinismo, posteriormente, a partir dos anos 60, passaram a adotar a linha maoísta e depois a chamada linha albanesa, também conhecida por Hoxhaísmo, uma referência a Enver Hoxha que dirigiu por quatro décadas aquele pequeno país com mão de ferro perseguindo dissidentes, religiosos, e até aqueles que usassem barba – uma forma de repressão aos muçulmanos.
Conheci os comunistas maranhenses do PCdoB, lá pelos idos de 1985⁄86 (alguns deles ainda usavam o bigodinho em homenagem ao camarada Stálin), quando a Albânia, o país mais isolado da Europa e vivendo sobre uma brutal ditadura era o farol e modelo do que queriam para o Maranhão e para o Brasil.
Embora louvável o projeto de lei (e certamente virará lei) que, de alguma forma, repudia a ditadura brasileira, soa, no mínimo, irônico que tal propositura, com aprovação e sanção em nome da “memória histórica” parta justamente de integrantes de um partido que tudo que fez ao longo de sua existência foi apoiar ditaduras que colecionava (e coleciona) cadáveres de cidadãos que ousaram contesta-las.
Ditaduras pelas quais o próprio governador do estado demonstrou insuspeito apreço ao sair vestido em homenagem aos líderes comunistas no último carnaval, inclusive, carregando a foice e o martelo que simboliza sua doutrina.
Os cidadãos de bem, temos horror as ditaduras, não apenas aquelas dirigidas por nossos inimigos ou adversários ideológicos, mas todas elas, de todas as correntes, do passado, do presente e do futuro.
A memória histórica não pode ser seletiva.
Abdon Marinho é advogado.