AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

Por Abdon Mar­inho.

EM MEA­DOS de 2018, durante uma de min­has via­gens pelo inte­rior, fui procu­rado por um amigo. Que­ria que inter­cedesse por uma família que fora presa pre­ven­ti­va­mente, em um con­flito agrário, acu­sada de ameaçar os inva­sores da terra. Alguns habeas cor­pus já tin­ham sido avi­a­dos, porém, ainda, sem êxito.

Ape­sar de não ser nossa área de atu­ação e pouca famil­iari­dade ter­mos com matéria penal, solicitei que um dos meus sócios fizesse um novo HC que iria falar com o desem­bar­gador. Assim foi feito e dias depois a família estava solta.

Pas­sou pouco mais de dois meses (no máx­imo três) quando fui nova­mente procu­rado com o mesmo assunto. A Justiça, nova­mente, dec­re­tara a prisão de inte­grantes da família sob a acusação de que eles estariam ameaçando os supos­tos inva­sores das ter­ras. Nova­mente tive­mos que per­cor­rer um longo cam­inho para con­seguir soltar os cidadãos pre­sos por ameaça. Vitória só obtida no Tri­bunal de Justiça através do voto da maio­ria dos mem­bros da Câmara Criminal.

O crime de ameaça de que trata o artigo 147 do Código Penal, objeto da prisão daque­les cidadãos, esta­b­elece pena de detenção de um a seis meses, ou multa.

Con­tado o tempo em pas­saram pre­sos – nas duas vezes –, cumpri­ram mais que a pena máx­ima esta­b­ele­cida no tipo penal.

Cumpre obser­var que cumpri­ram todo esse tempo de prisão sem serem ouvi­dos ou estado na pre­sença de um juiz de dire­ito, vez que não é obri­gatória, nas comar­cas do inte­rior, a chamada audiên­cia de custó­dia.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, decidirá breve­mente sobre a con­sti­tu­cional­i­dade da prisão após o jul­ga­mento em segunda instân­cia.

Ainda, segundo dizem, o STF, escu­d­ado na inter­pre­tação lit­eral do inciso LVII do artigo 5º, da Con­sti­tu­ição Fed­eral, segundo o qual: “ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado de sen­tença penal con­de­natória;”, vetará a prisão a par­tir da con­de­nação em segunda instância.

Segundo soube, os mais notórios crim­i­nosos do país já estão con­fir­mando pre­sença nas fes­tas de final de ano e em out­ras pre­vis­tas para o primeiro semes­tre do ano que vem.

Trata-​se, por óbvio de uma impor­tante decisão, fun­dada em tese jurídica rel­e­vante, afi­nal, se à Con­sti­tu­ição diz que ninguém pode ser con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, em tese, ninguém pode­ria ser preso até que se esgo­tassem todos os recur­sos nas der­radeiras instân­cias da Justiça.

Doutri­nar­i­a­mente até con­cordo com tal entendi­mento, con­forme já expres­sei em escritos ante­ri­ores. Entre­tanto, após muito refle­tir sobre o tema, me pus a pen­sar se este foi o norte traçado pelo con­sti­tu­inte orig­inário.

Quando pro­mul­gada em out­ubro de 1988 o pres­i­dente da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, Ulysses Guimarães, pon­tif­i­cou que aquela era uma Con­sti­tu­ição cidadã, des­ti­nada, por­tanto, a diminuir as imen­sas desigual­dades soci­ais exis­tentes no nosso país.

Nos últi­mos trinta e um anos, por diver­sas vezes, sendo a última em 2016, o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, exceto pelo inter­valo exis­tente entre 2009 a 2016, enten­deu que o cumpri­mento da pena a par­tir da con­fir­mação do decreto con­de­natório na segunda instân­cia não ofend­e­ria à Con­sti­tu­ição cidadã.

Na última decisão sobre o tema, em 2016, tanto o min­istro Gilmar Mendes quanto o min­istro Dias Tof­foli assen­taram que o Brasil, com aquele entendi­mento, se aprox­i­mava do mundo civ­i­lizado, uma vez que quase a total­i­dade das nações ado­tam o cumpri­mento da pena a par­tir da primeira ou da segunda instân­cia.

Emb­ora ressal­vando as mel­hores das intenções que os min­istros do STF têm, chega a ser per­tur­bador que em tão pouco tempo mudem de opinião sobre um assunto tão sério e com mon­u­men­tal impacto sobre a vida dos cidadãos brasileiros, ainda mais quando se sabe que exis­tem moti­vações sub­al­ter­nas numa mudança de entendi­mento na pre­sente quadra: garan­tir a liber­dade dos poderosos que foram apan­hados no curso das inves­ti­gações da Oper­ação Lava Jato.

Olhando mais de perto, sabe­mos que essa é “missa encomen­dada” para soltar o ex-​presidente Lula e diver­sos out­ros crim­i­nosos de “colar­inho branco”, que ficarão fora do alcance da lei pelo resto de suas vidas. Como um recado para a pat­uleia de que o crime com­pensa e que quanto maior o crime maior a rec­om­pensa.

Nos últi­mos anos o STF, ao se ocu­par de out­ros assun­tos que não os per­ti­nentes à sua pauta precípua: a guarda da Con­sti­tu­ição, tem ficado a dever à sociedade. Agora, ao insi­s­tir (caso venha acon­te­cer) em se tornar casa revi­sora de ações penais, ficará devendo muito mais. Não ape­nas porque não dará conta de jul­gar os recur­sos crim­i­nais que por lá apor­tarão como, tam­bém, por negar à sociedade uma punição célere e justa aos malfeitores.

Os exem­p­los estão aí, ainda à vista de todos. Basta lem­brar o caso de Pimenta Neves que matou a namorada pub­li­ca­mente é só foi cumprir a pena após mais de uma década depois do crime, quando aos famil­iares da vítima – os que ainda estavam vivos –, sequer inter­es­sava mais. Ou caso do ex-​senador Luiz Estevão que ficou, igual­mente, mais de uma década impune após ser con­de­nado por fraudes e este­lion­atos diver­sos em todas as instân­cias da justiça e ficou poster­gando com dezenas de recur­sos.

E o que dizer do notório Paulo Maluf, que de tanto fazer malfeitos, até virou verbo, ainda na primeira metade dos anos oitenta, o verbo mal­u­far, e que só foi con­hecer as dependên­cias inter­nas de uma cela, e por curto período, no ano passado?

O Supremo, segundo a bolsa de apos­tas, tra­balha para trans­for­mar a impunidade em regra para aque­les que pud­erem pagar bons advo­ga­dos, inde­pen­dente de serem traf­i­cantes, latro­ci­das, cor­rup­tos, ladrões do din­heiro público.

Para estes as por­tas das cadeias serão giratórias.

Segundo dados do Con­selho Nacional de Justiça – CNJ, a pop­u­lação carcerária do país já pos­sui cerca de 730 mil pre­sos. Destes, quase a metade é com­posta de pre­sos pro­visórios, ou seja, de pre­sos que não foram jul­ga­dos ainda, cujo proces­sos se arras­tam por meses, por anos e, já tive­mos casos de, por décadas.

Como é pos­sível con­sid­erar ético ou moral­mente jus­ti­ficável que se man­tenha a prisão – até por anos –, de pes­soas que nunca foram jul­gadas ou con­de­nadas e que, até mesmo, nunca foram ouvi­das por um juiz, e man­dar soltar pre­sos que já foram jul­ga­dos e con­de­na­dos, por uma, duas, três ou mesmo qua­tro instân­cias – no caso dos diver­sos recur­sos exis­tentes no âmbito do STF?

A solução será soltar todos os encar­cer­a­dos cuja penas não ten­ham tran­si­tado e jul­gado? O que fazer com mil­hares de pre­sos pro­visórios?

Se é injusto que se mande à cadeia alguém que já foi con­de­nado por uma, duas, três, qua­tro instân­cias, mas que ainda não tenha ocor­rido o trân­sito em jul­gado, o que dizer da situ­ação daque­les que nunca foram jul­ga­dos uma única vez e estão encarcerados?

Alguma coisa está fora de ordem quando a justiça passa enten­der que uma prisão pro­visória garante mais a ordem pública que uma sen­tença con­de­natória.

Arrisco dizer que o STF poderá está con­duzindo o país àquela situ­ação em que o cidadão será com­pelido a fazer justiça com as próprias mãos.

Quem vai se con­for­mar e ter que ficar olhando para um cidadão que ceifou a vida de um filho, um irmão ou um par­ente seu por anos a fio enquanto não “tran­sita em jul­gado” todos recur­sos pos­síveis e imag­ináveis de serem ten­ta­dos? Quem vai se con­for­mar em ter que con­viver – ou em saber –, que os fascíno­ras que invadi­ram sua casa, lhe roubaram, estupraram sua filha e/​ou esposa ficarão soltos e rindo da sua cara? Como se man­ter pací­fico diante de uma justiça que obri­ga­to­ri­a­mente terá que tar­dar e quase sem­pre fal­har?

Não foi bem enten­dido o alerta que fez o gen­eral Vilas-​Boas sobre as con­se­quên­cias desas­trosas que poderão advir de uma decisão política do STF, pau­tada nos próprios inter­esses e sem aten­tar para a gravi­dade os des­do­bra­men­tos. O gen­eral não tem condições, sequer físi­cas, de ameaçar ninguém, como ten­taram fazer crer e como alguns idio­tas difundi­ram. Não vi o que disse, ou escreveu, como uma ameaça mas, sim, como um sen­ti­mento das ruas que já não tol­eram tanta impunidade e ban­dalha.

O que se desenha é uma justiça para os ricos e outra para os pobres?

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Carta a Wal­ter Rodrigues — Tem­pos Sombrios.

Escrito por Abdon Mar­inho

CARTA A WAL­TER RODRIGUESTEM­POS SOMBRIOS.

São José de Riba­mar, 16 de out­ubro de 2019.

Meu carís­simo Walter,

NESTE DIA, em que pelo cal­endário comum estarias com­ple­tando 70 anos, resolvi escrever-​te mais uma vez. Já faz muito tempo desde quando expus a ti min­has ideias sobre o momento político brasileiro e maran­hense.

Dev­eras que fazes muita falta na análise dos fatos destes dias e até é provável que estivesses dis­cor­dando do meu desalento em relação a tudo que assisto.

Em relação ao Brasil, acred­ito que muitas das con­quis­tas democráti­cas cor­rem o risco de desaparecerem.

Assisto com muita pre­ocu­pação as insti­tu­ições se dis­solverem.

Em diver­sos escritos tenho denun­ci­ado o novo “pacto das elites”, envol­vendo as mais ele­vadas fig­uras dos poderes da nação, numa estraté­gia sór­dida de pro­teção mútua e con­tra qual­quer punição pelos malfeitos cometi­dos.

A palavra de ordem é: ninguém solta a mão de ninguém. Os “grandes” se pro­tegem, ainda que para isso ten­ham que sac­ri­ficar a nação.

Imag­ine que a mais ele­vada Corte do país, para anu­lar con­de­nações de con­tu­mazes cor­rup­tos decidiu, desafiando o Código de Processo Penal, de 1973, que nos proces­sos em que ten­ham dela­tores e delata­dos, estes dev­erão falar em tem­pos dis­tin­tos nas chamadas ale­gações finais.

Ora, sem­pre tive­mos dela­tores e delata­dos nos proces­sos penais e durante quase cinquenta anos, nesta fase proces­sual todos falaram no mesmo tempo.

Qual a razão disso agora, meio século depois?

Uma só. Anu­lar as sen­tenças daque­les que foram apan­hados roubando a nação.

Queres mais? Segundo dizem o Supremo dev­erá mudar sua jurisprudên­cia que, inclu­sive, foi reafir­mada recen­te­mente, em 2016, quanto à exe­cução da pena após a segunda instância.

Do ponto de vista doutrinário, em que pese rarís­si­mos países adotarem o cumpri­mento da pena após o trân­sito em jul­gado, é uma dis­cussão inter­es­sante.

Acon­tece que não se trata disso. Mais uma vez, como no exem­plo ante­rior, a ideia é ben­e­fi­ciar os cor­rup­tos de sem­pre, os que saque­aram a nação.

Ninguém está pre­ocu­pado com o Dire­ito ou Justiça. Querem, tão somente, pro­te­ger os seus, ainda que para isso ten­ham que soltar mil­hares con­de­na­dos pelos crimes mais diver­sos e graves, segundo infor­mação do próprio Con­selho Nacional de Justiça – CNJ.

Durante quase cinquenta anos não se pre­ocu­param com o “cidadão” e agora pas­saram a se preocupar?

As devem ser ditas pelo nome: o STF trama para soltar seus ban­di­dos de esti­mação.

Se olhar­mos para os out­ros poderes da República, o desalento só aumenta: temos um Poder Exec­u­tivo que a maior parte das vezes se ocupa de resolver as crises que ele próprio criou ou de fazer tem­pes­tades em copos d’água; e um Poder Leg­isla­tivo que não se con­strange em par­tir para a chan­tagem explícita ou em leg­is­lar em causa própria.

O Brasil inven­tou um mod­elo par­la­men­tarista onde os par­la­mentares man­dam sem qual­quer ônus e sem quais­quer respon­s­abil­i­dades.

Chega a ser patético assi­s­tir­mos a comunhão de inter­esses entre os denom­i­na­dos de esquerda e os de dire­ita na defesa da cor­rupção e da impunidade.

O cenário estad­ual é muito pior que o nacional. Enquanto para o Brasil existe alguma pos­si­bil­i­dade de mudança a par­tir das eleições de 2022, no Maran­hão as mudanças que se desen­ham, pelo menos até aqui, são para pior.

Como sabes – e é até provável que já o tenha encon­trado por aí –, no último agosto dos des­gos­tos perdemos o amigo Celso Véras.

Naquela manhã, enquanto velá­va­mos o morto, eu e out­ros ami­gos, como Con­ceição Andrade, Juarez Medeiros, Zé Costa, Roberto de Paula, falá­va­mos de sua con­tribuição na resistên­cia à ditadura ou na luta pelos dire­itos humanos nos anos de chumbo e da sua influên­cia para a for­mação de novas lid­er­anças políti­cas no estado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, um sábado, quando voltei para casa fiquei refletindo sobre a história política do estado.

A luta de ger­ações, primeiro con­tra a ditadura mil­i­tar, depois pela alternân­cia de poder e con­tra o sarneísmo.

A ditadura chegou ao fim em 1985. Em 1994 e 1998, com o fale­cido senador Epitá­cio Cafeteira, ten­ta­mos, sem êxito, a alternân­cia polit­ica no estado.

Ape­nas em 2006, com a vitória de Jack­son Lago, o sarneísmo sofreu seu primeiro revés. Dev­ido a força política em âmbito nacional, Sar­ney reto­mou o poder dois anos depois e, ape­nas em 2014, perdeu, defin­i­ti­va­mente, o poder no estado para os comu­nistas.

Sabes bem que a luta sem­pre foi pela alternân­cia e a par­tir dela levar­mos o Maran­hão ao desen­volvi­mento pleno.

Tenho dito, nos meus escritos – e tam­bém aos ami­gos mais próx­i­mos –, que o desen­volvi­mento acon­te­cerá, cedo ou tarde – e ape­sar dos gov­er­nantes que temos. Porém, cinco anos depois da son­hada alternân­cia o que temos visto é a mis­éria abso­luta aumen­tar assus­ta­do­ra­mente, dizem que o aumento passa de 40% (quarenta por cento) nos últi­mos qua­tro anos; é o estado sem qual­quer capaci­dade de inves­ti­mento em obras estru­tu­rantes e mal podendo pagar sua folha de pes­soal; é a pre­v­idên­cia dos fun­cionários públi­cos entrar em colapso.

Novo gov­erno, vel­has práticas.

Difer­ente do que pen­sá­va­mos, os atu­ais gov­er­nantes não son­haram os mes­mos son­hos que as ger­ações que os pre­ced­eram. Eles têm um pro­jeto de poder próprio que é indifer­ente ao des­tino do estado. Tanto assim que, cinco anos depois, bus­caram uma aliança com o Sar­ney. Sim o mesmo Sar­ney que apoiou o régime mil­i­tar e que sem­pre foi com­bat­ido pelas forças políti­cas democráti­cas do estado.

Pen­sei: as vidas de tan­tos com­pan­heiros sac­ri­fi­cadas na luta con­tra o sarneísmo para aque­les que, final­mente, tendo chegado ao poder se vendendo como alternân­cia, aderir ofi­cial­mente ao Sar­ney.

Quando digo “ofi­cial­mente” é ape­nas para realçar o caráter litúr­gico, uma vez que as práti­cas empre­gadas no gov­erno atual­mente não são muito difer­entes das que sem­pre foram empre­gadas nos gov­er­nos ante­ri­ores: o empreguismo, o pat­ri­mo­ni­al­ismo, nas denún­cias de malfeitos, na uti­liza­ção do poder público em bene­fí­cio próprio, e tan­tas out­ras coisas.

Se existe dis­tinção em relação aos gov­er­nos ante­ri­ores, é ape­nas na piora, como na ten­ta­tiva de cri­ação de um pen­sa­mento único, na repressão à liber­dade de expressão, na perseguição aos que não se calam aos desmandos.

Outro dia uma jovem sueca ativista da causa ambi­en­tal dizia que os adul­tos tin­ham rou­bado seus son­hos.

Em relação à política local poderíamos dizer que os atu­ais gov­er­nantes roubaram os son­hos de duas ou três ger­ações, daque­les que lutaram con­tra a ditadura; dos que lutaram con­tra o sarneísmo; daque­les que son­haram com um gov­erno real­izador, cor­reto e volta­dos aos inter­esses da população.

Ao invés disso, quando, final­mente, “cheg­amos” ao poder é para ter­mos um gov­erno eivado de vel­has práti­cas e ali­ado do … Sar­ney.

E por qual razão? Nova­mente, uma só. O sonho do atual gov­er­nador, como sabes, sem­pre foi seguir os pas­sos do Sar­ney, gal­gar os espaços no cenário nacional e inter­na­cional que o velho moru­bix­aba alcançou. Por isso mesmo, sem qual­quer con­strang­i­mento, foi a casa dele pedir “arrego”.

Os seus adu­ladores e até mesmo o próprio, como se fos­sem fiéis dis­cípu­los de Pan­taleão, inven­taram mil e uma des­cul­pas, os riscos à democ­ra­cia, a causa nacional, a defesa da Con­sti­tu­ição, etc. Nada disso, como se dizia no meu inte­rior: foram “pedir penico”.

Outra coisa que sem­pre se dizia lá no meu sertão é que “gal­inha que segue pato, corre o sério risco de mor­rer afo­gada”.

Ape­nas um breve adá­gio para lem­brar ao gov­er­nante que os riscos de ten­tar seguir o Sar­ney é o mesmo da galinha.

Mas de tudo, caro amigo, o que mais me pesa a falta de per­spec­ti­vas, é a deses­per­ança em relação ao porvir.

Arrisco dizer que mais sinto saudades do pas­sado de perseguições do que ale­gria com o que nos reserva o futuro.

Qual o legado politico do atual gov­erno?

Olhamos as opções e o desalento aumenta. Não tem futuro. Não são pes­soas voltadas aos com­pro­mis­sos históri­cos de lutas por justiça social, igual­dade, hon­esti­dade, zelo pelo patrimônio público.

Temo, sin­ce­ra­mente, que no futuro sen­tire­mos saudades da atual mis­éria que cas­tiga nos­sos concidadãos.

Pode­ria me calar diante de tudo que assisto – como, aliás, me recomen­dam as pes­soas sen­sa­tas –, mas foi para isso que tanto luta­mos? Para, como gado, assen­tir como se tudo estivesse bem, só impor­tando a ração diária que recebe?

Neste seu aniver­sário de setenta anos, caro amigo, ao passo em que lamento a tua ausên­cia, a falta que faz nos­sas con­ver­sas de domingo, fico feliz por não teres que pas­sar por tan­tas decepções, por tan­tos dias som­brios do pre­sente e do futuro.

Um afe­tu­oso abraço do amigo,

Abdon Mar­inho.

UMA DEMOC­RA­CIA QUE FLERTA COM A DITADURA.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA DEMOC­RA­CIA QUE FLERTA COM A DITADURA.

Por Abdon Marinho.

EXISTE UMA quase una­n­im­i­dade no mundo: viver sob regimes democráti­cos é infini­ta­mente mel­hor do que sob os regimes total­itários. Tal pre­missa é tão ver­dadeira que mesmo as ditaduras utilizam-​se de todos os mecan­is­mos para não serem apon­tadas como o que são: ditaduras.

No mundo inteiro é assim. Ape­nas os dementes ou aque­les que perderam por com­pleto a empa­tia com os povos que lid­eram ten­tam pas­sar ou se venderem como ditadores.

O Brasil, assim como diver­sas out­ras nações do con­ti­nente, ao longo de suas histórias exper­i­men­ta­ram regimes dita­to­ri­ais com breves inter­stí­cios democráti­cos.

A propen­são à ditaduras é tão enraizada que estu­diosos sérios – e não de hoje –, têm como certo que as ditaduras, no nosso e noutros países da chamada América-​Latina, são cícli­cas e sem­pre estão à espre­ita (ou a ditadura ou um régime populista).

Em meus vagares tenho refletido sobre a situ­ação do país.

A República foi procla­mada como um golpe mil­i­tar em 1889. Se con­sid­er­amos a primeira República como democrática, ainda assim, já em 1930, sofre­mos a primeira rup­tura insti­tu­cional com a chamada “Rev­olução de 30”, pas­sando o país a ser coman­dado por Getúlio Var­gas, como líder pop­ulista ou como dita­dor até 1945.

O período de “nor­mal­i­dade democrática”, com eleições suposta­mente livres, foi até 1964, ou seja, durou menos de 20 anos. A par­tir de 1964 até 1985 tive­mos um régime mil­i­tar, a longa noite de 21 anos.

Na história da República brasileira este é o período de “nor­mal­i­dade” democrática mais longo, con­tando com quase trinta e cinco anos. Tão longo que a democ­ra­cia já insiste em fler­tar com a ditadura. Flerta-​se tanto que já há quem diga que um novo ciclo dita­to­r­ial ainda não se ini­ciou porque nos quar­téis – onde tradi­cional­mente ecoam tais sen­ti­men­tos –, o deserto de lid­er­anças é o mesmo, senão pior que o da vida civil.

Sem con­tar que não existe “afi­nação” entre as lid­er­anças políti­cas civis e as mil­itares.

Ape­nas por isso, segundo dizem, não ocor­reu ainda uma nova rup­tura na ordem institucional.

Repare que não sou defen­sor de qual­quer rup­tura na ordem democrática, pelo con­trário, me coloco frontal­mente con­tra tais aven­turas.

É, jus­ta­mente, por ser con­tra qual­quer rup­tura insti­tu­cional que faço esse breve resumo histórico e alerto a nação para a gravi­dade do momento em que vive­mos.

Enganam-​se aque­les que pen­sam que os golpes mil­itares ocor­reram sem o con­sór­cio da sociedade civil. Talvez isso tenha se dado ape­nas no golpe de 1889, que pôs fim ao Império, quando o que con­tou mesmo foi o “acordão” das elites.

Em todos os demais, ainda que ape­nas no primeiro momento, as rup­turas à ordem insti­tu­cional con­tou com o apoio sig­ni­fica­tivo da pop­u­lação civil, inclu­sive o último, de 1964.

Quando alerto para fato de que a democ­ra­cia brasileira começa a “fler­tar” com um régime de exceção é porque vejo nas ruas e nas “novas ruas”, que aten­dem pelo nome de redes soci­ais, um clima de pro­funda insat­is­fação com as nos­sas insti­tu­ições.

Um exem­plo bem ilus­tra­tivo deste desapreço foi o “não assas­si­nato” do min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, Gilmar Mendes.

Quando o ex-​procurador-​geral da República, Rodrigo Janot, rev­elou, em entre­vista, que plane­jara – e por muito pouco não exe­cu­tara –, o min­istro da mais ele­vada Corte do país, emb­ora tal rev­e­lação tenha cau­sado estu­por entre a classe jurídica e mesmo política, o que mais se viu no seio da sociedade, entre o “povão”, foram os lamen­tos por ele não ter con­seguido dar cabo ao homicí­dio.

Vejam, mesmo a promessa de elim­i­nação física de uma pes­soa, uma autori­dade da mais ele­vada Corte do Brasil, não des­perta sen­ti­men­tos de empa­tia ou sol­i­dariedade, pelo con­trário, o sen­ti­mento de grande parte da pop­u­lação é de frus­tração com “incom­petên­cia’’ do suposto homi­cida.

E dirão: — ah, era o Gilmar!

Uma alusão ao min­istro que desde que assumiu o posto no STF tem con­struído uma sól­ida rep­utação de destru­idor de proces­sos, quase todos favore­cendo a escória cor­rupta que não se con­strange em roubar o país – mas há, tam­bém, os homi­ci­das, os traf­i­cantes, e tan­tos out­ros que sem­pre con­tam com a com­preen­são do min­istro para os seus “malfeitos”. Não foi sem razão que há mais de dez anos, no plenário daquela Corte, o então min­istro Joaquim Bar­bosa, até como desabafo disse em alto e bom som, dirigindo-​se ao min­istro: — Vossa excelên­cia está destru­indo essa corte.

O tempo pas­sou e o min­istro só aumen­tou sua ques­tionável atu­ação. Se vai destruir a corte como vati­ci­nou o ex-​colega, ainda não se sabe.

Mas, difer­ente do que podem imag­i­nar, não é ape­nas o min­istro Gilmar Mendes que tem des­per­tado os instin­tos mais prim­i­tivos da sociedade.

Assim como não é ele soz­inho o respon­sável pela “destru­ição do STF”, caso, de fato, venha a acon­te­cer. A ele já se soma mais de meia dúzia de min­istros que a despeito de diz­erem que estão jul­gando no inter­esse da sociedade, não é assim que estão sendo vis­tos.

Não faz muitos dias suas excelên­cias decidi­ram que na ordem de apre­sen­tação das ale­gações finais nos proces­sos penais os réus delata­dos devem, obri­ga­to­ri­a­mente, falar depois dos réus dela­tores.

A decisão abre uma avenida para anu­lação de um sig­ni­fica­tivo número de sen­tenças de cidadãos já con­de­na­dos.

O Código de Processo Penal é de 1973, ou seja, já tem quase meio século. Lá não con­sta a regra que agora os min­istros impuseram aos proces­sos.

Desde 1973, nunca tive­mos nos mes­mos proces­sos réus dela­tores e delata­dos? Todos eles não falaram no mesmo tempo proces­sual?

Pois bem, os juízes de primeira instân­cia – e as cortes que ref­er­en­daram suas decisões –, terão os proces­sos retor­na­dos ao momento proces­sual ante­rior à sen­tença con­de­natória, para que se obe­deça a uma regra cri­ada, agora, pelos min­istros do STF.

Acho que será a primeira vez na história do mundo que se des­faz uma sen­tença feita em obe­diên­cia à norma escrita.

A “saia justa” cri­ada pelos min­istros é tão justa que já falam em dar um “jeit­inho” na excrescên­cia, criar uma “mod­u­lação” esta­b­ele­cendo os casos em que o entendi­mento “extra-​legal” será apli­cado.

Se pudessem – não duvido que ten­tem –, as excelên­cias diriam que as novas regras extra-​legais se apli­cam nos casos das pes­soas tais e tais.

Mas não pensem que suas excelên­cias estão se dando por sat­is­feitas. Agora mesmo, segundo se noti­cia, estão tra­mando uma maneira de “proibir” qual­quer prisão em segunda instân­cia. Dora­vante, qual­quer crim­i­noso, seja ele homi­cida, estuprador, latro­cida, traf­i­cante, ladrão, cor­rupto, somente poderá ser preso após o chamado “trân­sito em jul­gado” da sen­tença con­de­natória. Se assim for, víti­mas e crim­i­nosos sairão pelas mes­mas por­tas dos tri­bunais nos dias de seus jul­ga­men­tos – se ainda exi­s­tir jul­ga­mento no país.

A “brin­cadeira” rep­re­sen­tará a soltura, segundo esti­ma­ti­vas, de quase 180 mil con­de­na­dos, pelos crimes mais diver­sos.

Me per­gunto se não seria menos oneroso ao país se fizessem um lei esta­b­ele­cendo que deter­mi­nadas pes­soas não poderão ser pre­sas em hipótese alguma. Pode­riam colo­car os nomes das pes­soas inim­putáveis, inclusive.

Este é o nível da nossa Suprema Corte.

Se o STF está assim, podemos imag­i­nar como se encon­tra o par­la­mento. Esse em matéria de ban­dalha não con­segue nos decep­cionar nunca. Não bas­tasse ser o mais caro e per­dulário do mundo, não cansam em bus­car maneiras de aliviar as bur­ras da nação.

Sem qual­quer pudor pas­saram à chan­tagem explícita e a leg­is­lar fla­grante­mente em causa própria.

Os exem­p­los estão aí para quem quiser ver.

Não faz muito tempo as excelên­cias cri­aram a chamada emenda impos­i­tiva. Os val­ores que se despende com as tais emen­das par­la­mentares, hoje, já é muito supe­rior aos recur­sos que o exec­u­tivo gasta com inves­ti­men­tos, excluí­dos os gas­tos prev­i­den­ciários e recur­sos vinculado.

Mas não é só, todos no Brasil, exce­tuando a Polí­cia Fed­eral e o Min­istério Público Fed­eral, sabem ou pelo menos descon­fiam que estas emen­das nada mais são do que uma forma das excelên­cias faz­erem for­tuna às cus­tas do contribuinte.

A nego­ci­ação de emen­das no Con­gresso Nacional e fora dele, parece não ser seg­redo para ninguém, havendo não só a “com­pra” da emenda “na folha”, como crédito futuro, como a nego­ci­ação da mesma no des­tino. Segundo dizem, o “lucro”, depen­dendo do caso, gira, em média, nos trinta por cento.

Claro que devem haver par­la­mentares sérios, decentes. Esses, entre­tanto, já são a exceção da exceção. A larga maio­ria está mesmo é fazendo for­tuna. Noutras palavras, roubando o din­heiro público.

Não pensem que existe lim­ite à ousa­dia dos crim­i­nosos. Agora, para votarem qual­quer matéria, ainda as mais pre­mentes ao inter­esse nacional, condi­cionam à lib­er­ação de suas emen­das. Par­ti­ram para a chan­tagem explícita. Aquilo que ladrões fazem com a arma na mão as excelên­cias fazem com os seus votos no par­la­mento.

Mais que ninguém levaram a sério a ideia de que o voto é uma arma. Arma que usam para nos assaltar.

Tem mais. Não sat­is­feitos com tudo que nos tiram, suas excelên­cias esta­b­ele­ce­ram que nós, con­tribuintes, deve­mos pagar por suas cam­pan­has eleitorais e pelo fun­ciona­mento dos seus par­tidos políti­cos.

Para isso des­ti­naram alguns bil­hões de reais para os fun­dos eleitorais e par­tidários. Na ânsia de come­terem deli­tos, mesmo esses recur­sos, con­forme apu­rado em inúmeros inquéri­tos, dão um jeito de sub­trair em proveito próprio.

Na busca da impunidade cri­aram leis que tor­nam frouxas as regras de fis­cal­iza­ção dos recur­sos públi­cos e mais uma, de abuso de autori­dade, que con­strange pos­síveis inves­ti­gadores.

Tudo isso cos­tu­rado em um “pacto de elites” entre os poderes da nação.

Não é sem motivo que autori­dades são hos­tilizadas quando vis­tas em locais públicos.

Não é sem razão que deve­mos temer pelo futuro da democ­ra­cia brasileira.

E deve­mos per­gun­tar: depois de tudo isso, podemos falar em democracia?

Abdon Mar­inho é advo­gado.