OS TIRANETES E A IMPRENSA.
Por Abdon Marinho.
COMO se tornou lugar comum, mais uma vez, a liberdade de expressão e informação, ganhou destaque nos meios sociais. Mal havíamos saído do imbróglio envolvendo o Supremo Tribunal Federal — STF, que determinara a censura prévia a algumas publicações (revista digital Crusoé e
site O Antagonista) por estas conterem críticas ao ministro-presidente daquela corte – censura retirada cerca de uma semana depois –, e, abrir e conduzir um inquérito sigiloso por supostas ofensas aos integrantes do tribunal – ainda em curso –, foi a vez de discussão semelhante chegar nestas terras de Gonçalves Dias.
Explica-se: durante o XI Congresso Nacional de Direito, promovido pelo Instituto Maranhense de Defesa do Consumidor e Ensino Jurídico (Imadec), um deputado estadual, escalado para palestrar sobre o tema “educação e democracia em tempos de crise”, fez a seguinte colocação: “primeiro passo é não ler blogs, pronto! Saiam disso. Vai lá no computador de vocês (sic), denunciem todos os blogs. Não leiam blogs. Por que blogs, senhoras e senhores, eles publicam aquilo que eles são pagos para publicar”.
A construção é pobre, mas o conteúdo é bem pior.
Como podemos perceber a proposição do ilustre deputado revelou-se contrária ao próprio tema: “educação e democracia em tempos de crise”.
A ideia central de democracia é a capacidade de convivência com a pluralidade de ideias, o respeito às diversas manifestações de pensamento, sobretudo, a capacidade de aceitar críticas. A proposição/recomendação de sua excelência iguala-se, guardadas as devidas proporções, à prática primitiva de se mandar queimar livros, punir seus autores, confiscar ou censurar jornais ou mesmo liquida-los por quaisquer meios.
Ao revelar tanta contrariedade com um meio de comunicação, caso tivesse poder para tanto, não impediria suas edições? Qual diferença existiria entre a sugestão feita e aqueles que, valendo-se do poder, censurava, proibia, queimavam jornais em tristes tempos pretéritos?
A diferença talvez resida unicamente na ausência de poder.
A colocação de sua excelência, quando sugere uma motivação econômica para as publicações de jornalistas e blogueiros, assemelha-se, a uma outra, esta proferida por Adolf Hitler no dias anteriores a implantação do nazismo, disse ele: “eles falam sobre liberdade de imprensa quando na verdade todos esses jornais têm um dono, e em todos os casos, o dono é o financiador. E então, essa imprensa molda a opinião pública”.
Pouco tempo depois a Alemanha já não tinha mais uma imprensa que não estivesse vinculada ao ideário da nova ordem implantada.
O exemplo acima não é único, antes fosse, todos os regimes totalitários para se firmarem destruíram antes a imprensa livre e crítica.
Tem sido assim desde sempre. Nazismo, Fascismo, Maoísmo, Stalinismo, Castrismo, Chavismo e tantos outros. Com o agravante de que quanto mais totalitários os regimes, mais violenta a reação à liberdade de imprensa, chegando-se à sua total aniquilação e a implantação do pensamento único.
Foi neste contexto que o líder comunista, não menos tirano, Josef Stálin, cunhou a frase: “a imprensa é a arma mais poderosa do nosso partido”.
Na verdade chamava de imprensa o que nada mais era sua máquina de propaganda disseminadora de pensamento único na antiga União Soviética.
Exemplo mais recente, e à vista de todos, é o que se deu na Venezuela a partir da ascensão do chavismo ao poder quando o mundo inteiro assistiu ao fim dos meios de comunicação independentes, sob os argumentos mais bizarros, como dizerem que estavam à serviço dos “contrarrevolucionários” ou à serviço de potências estrangeiras. Um a um foram tendo as concessões cassadas, não renovadas ou, simplesmente, expropriadas.
Aqui mesmo, no Brasil, passaram todos os anos dos governos petistas tentando limitar ou restringir a liberdade de expressão e comunicação. Propuseram a criação de um conselho de controle da mídia – que não foi aprovado –, e diversos mecanismos para controlar as linhas editoriais e a propriedade dos meios de comunicação.
O discurso é sempre muito bonito: temos que colocar o povo para controlar a mídia, os veículos de imprensa.
Acontece que nunca dizem que estes tais conselhos – que sempre formam para tudo e com o objetivo de drenar recursos públicos para suas causas –, são controlados por eles.
Daí que embora soe inverosímil e até paradoxal que em uma palestra sobre educação e democracia, se proponha que não se leiam determinados veículos de comunicação, e, mais, que os “denucie” tais veículos, trata-se de uma ideia perfeitamente compatível com aquilo que pregam: qual seja, que a imprensa deve ser submetida à linha de pensamento daqueles que hoje estão no poder em nosso estado.
Mas isso, como dito antes, não é um privilégio apenas deles, mesmo nas democracias ocidentais mais avançadas, já assistimos tentativas de cooptação ou de restrição à liberdade de expressão. Há uma frase lapidar de Richard Nixon, então presidente americano, acossado por denúncias e mais denúncias do chamado “escândalo Watergate”, que retrata bem esse sentimento anti-imprensa, disse ele: “a imprensa é o inimigo”.
Dito isso, lá pelos anos setenta, naquela que já era o modelo de democracia para todas as nações civilizadas, como uma proteção expressa, através de emenda à constituição, assegurando a plena liberdade de expressão.
Mais recentemente, também, dos Estados Unidos, vêm outra série de ataques à liberdade de expressão. A partir da campanha de Donald Trump – já usada em larga escala –, e continuamente no seu governo, que é a conceituação de algo que se chamou de “pós-verdade” e, para desmerecer os veículos de comunicação, qualquer notícia que contrarie sua linha de pensamento é tratada com “fakes news”.
Trata-se de comportamento que contraria toda história — e tradição -, americana de dispensar especial respeito aos veículos de comunicação e a liberdade de pensamento, com consequências danosas pelo resto mundo.
O povo e os veículos de comunicação dos EUA, decerto, não sentirão os efeitos mais deletérios desta “nova política”, mas no resto do mundo já se sente.
Temos visto outros líderes mundiais autoritários reprimirem com mais vigor as liberdades individuais e o direito de livre manifestação de pensamento.
Na Turquia, por exemplo, temos milhares de jornalistas e opositores ao atual governo encarcerado. Também por lá, o governo saudita deu cabo a um jornalista que se opunha ao seu régime.
Na Rússia, na China e tantos outros lugares, o tratamento dispensado pelo governo americano aos veículos de comunicação tem servido de inspiração à verve infinitamente mais autoritária que nos remetem aos mais tristes acontecimentos ao longo da história.
O Brasil, apesar da extraordinária conquista no se refere à liberdade de expressão, a partir da edição da Constituição de 1988, ainda é um dos países que mais registra violência contra tal conquista.
No último dia 30 de abril se divulgou um estudo feito pelo Conselho do Ministério Público e pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública — Enasp, segundo o qual o nosso país é o sexto mais perigoso do mundo para os jornalistas, só ficando atrás de países com manifesta crise institucional, política e humanitária, como Síria, Iraque, Paquistão, México e Somália.
Ainda segundo o levantamento, entre os anos 1995 a 2018, 64 jornalistas, profissionais de imprensa e comunicadores foram mortos no exercício da profissão no nosso país.
Um quadro desalentador para uma nação que assegurou em seu texto constitucional ampla liberdade de expressão e de imprensa, dizendo que a mesma não sofreria qualquer embaraço.
A violência contra a livre manifestação do pensamento não alcança apenas jornalistas ou outros comunicadores, ela vai a qualquer um que ouse discordar do pensamento dos “tiranetes” de plantão, e ela também não é apenas física –,visando a eliminação física ou encarceramento dos pensam diferente –, ela, através da força e dos aparelhos do Estado, persegue a condenação de jornalistas/blogueiros e demais comunicadores, inclusive, na esfera penal, visando a aniquilação financeira dos mesmos.
Não faz muito tempo um grupo de juízes – reparem bem, juízes –, sentindo-se “atingidos” por determinada publicação, passaram a abrir, em diversas comarcas, ações contra os jornalistas. E eram tantas as ações – e em tantas comarcas – , que os profissionais da imprensa não tinham mais como trabalharem, passavam todo o tempo se descolocando entre as diversas comarcas para responderem às ações propostas pelos magistrados aprendizes de tiranos.
A situação chegou a tal ponto que o próprio Supremo Tribunal Federal — STF, viu-se obrigado a intervir diante de tamanha violência.
Até o Supremo, que atual quadra, acha que deve e pode censurar publicações, entendeu excessivo e vergonhoso que vinha acontecendo. Assim como é excessivo e absurdo o que a própria corte faz ao abrir inquérito para investigar críticas ou levar a cabo a censura a veículos de comunicação. Excessivo, absurdo e vergonhoso.
Essa tenebrosa e obscura quadra política, com jornalistas e blogueiros sendo condenados, inclusive a pena de prisão por delitos de opinião, tem alcançado e com muita ênfase, também, o Maranhão.
Desde que os atuais donatários chegaram ao poder que ouço jornalistas, blogueiros e comunicadores, que não se submetem à linha “editorial dos Leões”, reclamarem de perseguição. São infinitos processos cíveis e penais atravancando as varas da justiça visando a punição – física e financeira –, por crimes de opinião.
A sociedade precisa ficar atenta a estes comportamentos. Todos os projetos autoritários de poder têm início com a repressão à imprensa livre. E quanto maior o poder mais autoritários se tornam.
A liberdade para se expressar livremente sem qualquer receio, não é uma conquista de um jornalista, blogueiro ou qualquer outro comunicador, é uma conquista da sociedade. Depois de calarem os jornalistas, farão o mesmo com o cidadão comum.
Ainda lembro das palavras do presidente da Assembleia Nacional Constituinte naqueles tumultuados dias de debates sobre a Constituição, disse o velho Ulysses Guimarães: “antes uma imprensa que erre ou cometa excessos, que imprensa nenhuma”.
Acrescentaria: “antes poder ler diversos textos e formar minha própria convicção do que só ter acesso à versão dos fatos que querem que saibamos”.
Abdon Marinho é advogado.