AbdonMarinho - O ESTADO PRIVATIZADO: O ESCANDALOSO CASO DO CAJUEIRO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O ESTADO PRI­VA­TI­ZADO: O ESCAN­DALOSO CASO DO CAJUEIRO.

O ESTADO PRI­VA­TI­ZADO: O ESCAN­DALOSO CASO DO CAJUEIRO.

Por Abdon Mar­inho.

AINDA em 2018 quando a con­vite de um colega advo­gado vis­itei a comu­nidade do Cajueiro, local­izada na zona rural do Municí­pio de São Luís, que vive uma situ­ação de con­flito por conta da insta­lação de um porto pri­vado de um con­sór­cio sino-​brasileiro, disse as pes­soas com quem falei da importân­cia de se unirem, pois estariam soz­in­has numa luta de difí­cil vitória.

Os acon­tec­i­men­tos dos últi­mos dias com­pro­vam que estava certo, senão por uma cir­custân­cia: dizia – e até disse nos tex­tos ante­ri­ores –, que o gov­erno estad­ual estava “omisso” nesta questão.

Equivoquei-​me com­ple­ta­mente, forçoso recon­hecer que estava errado. Na ver­dade, o gov­erno não está omisso – nunca esteve –, ele fez a opção de ficar do lado da empresa pri­vada que tenta con­struir o porto na local­i­dade, expul­sando, ou ind­enizando a “preço de bananas” suas pro­priedades.

Pro­priedades estas que foram lhes con­ce­di­das pelo próprio gov­erno estad­ual.

Come­cei a firmar-​me nesta con­vicção quando vi através de diver­sos vídeos que me foram envi­a­dos no dia do cumpri­mento de uma rein­te­gração de posse deter­mi­nada pela justiça; depois quando vi, tam­bém através de vídeos que me foram envi­a­dos, a repressão empreen­dida pelas forças poli­ci­ais diante de um protesto pací­fico, feito pelos moradores que ape­nas que­riam ser ouvi­dos pelo gov­er­nador do estado; e, final­mente, quando teste­munhamos o elo­quente silên­cio do gov­erno estad­ual diante de uma nota do con­sór­cio, veic­u­lado em diver­sas mídias e até em horário nobre de tele­visão, na qual, entre out­ras coisas, “desautor­iza” a autori­dade do estado.

Se você é maran­hense e não esteve em coma nos últi­mos anos, sabe que este gov­erno é o que menos cumpriu ordens de rein­te­gração de posse, moti­vando, inclu­sive, recla­mações diver­sas. Mesmo aque­las onde o esbulho é patente, o gov­erno resis­tia a não mais poder no seu cumprimento.

Logo soa estranho que venha dizer que “não” pode­ria deixar de cumprir a decisão judi­cial – cumprida com exces­sos –, pois, temia ser sub­metido a um processo de impeach­ment, con­forme se divul­gou em uma espé­cie de nota que mais pare­cia uma piada.

Impeach­ment? Logo agora, depois de cen­te­nas de out­ros des­cumpri­men­tos? Ainda mais quando se fala em uma pro­priedade duvi­dosa, con­forme já demonstramos?

Depois, a vio­lên­cia com que se reprimiu um protesto pací­fico da comu­nidade atingida.

O que foi aquilo? Havia neces­si­dade de todo aquele excesso? Havia a neces­si­dade se mobi­lizar tanta força para reprimir pes­soas que estavam prote­s­tando paci­fi­ca­mente? Havia a neces­si­dade do próprio secretário de segu­rança pública super­vi­sionar a repressão feita na cal­ada da noite?

Quer me pare­cer que os inte­grantes do gov­erno ten­taram – e ainda ten­tam –, fugir da própria ver­gonha. Tendo já cometido toda sorte de desatino no curso deste processo e mais a vio­lên­cia na des­ocu­pação, não que­riam que a mesma viesse até a porta do palá­cio.

Bateu-​lhes à porta a vio­lên­cia e a ver­gonha.

Por fim, desde o dia 15 de agosto de 2019, todos os canais de mídia, inclu­sive, a tele­visão Mirante, veic­u­lam em horário nobre uma “nota” que mal­trata a ver­dade e insulta o gov­erno estad­ual, sem que este esboce qual­quer reação.

Não perce­beram ou a empresa doadora de cam­panha do par­tido do gov­er­nador já deter­mina que atos são ou não legítimos?

Aliás, foi a nota que motivou esse texto. Não pre­tendia voltar ao tema depois de ter escrito duas vezes sobre o assunto e esclare­cido o que entendo como o cor­reto.

Pois bem, o quarto pará­grafo da nota diz: “uma escrit­ura apre­sen­tada por alguns moradores é de 1998. Entre out­ras nul­i­dades, foi emi­tida com base em Decre­tos revo­ga­dos em 1991.Portanto, é nula de pleno dire­ito”.

Vejam onde cheg­amos: uma empresa pri­vada deter­mi­nando que atos estatais são váli­dos e quais são nulos de pleno direito?!

Lá no meu inte­rior se dizia que “quem aluga a bunda não escolhe a hora de sen­tar”. É de se per­gun­tar – e per­gun­tar não ofende –, se a “doação de cam­panha” com­prou a autono­mia do estado.

Mas deix­e­mos isso de mão. A nota, neste ponto, deixa de lado a verdade.

Con­forme demon­stramos, até 1976 todas as ter­ras – até por inter­esses estratégi­cos –, per­ten­ciam a União Fed­eral, inte­gravam o seu patrimônio.

Naquele ano, por força do Decreto nº. 78.129, de 29 de julho de 1976, as ter­ras foram cedi­das por afora­mento ao Estado do Maran­hão.

A ementa do decreto dizia: “autor­iza a cessão, sob régime de afora­mento, dos ter­renos que men­ciona, situ­a­dos, no Municí­pio de São Luís, Estado do Maran­hão”.

Com efeito esse decreto foi revo­gado pelo Decreto (sem número) de 15 de fevereiro de 1991, que “man­teve” as con­cessões ante­ri­or­mente con­ce­di­das, vejamos a ementa: “Man­tém con­cessões, per­mis­sões e autor­iza­ções nos casos que men­ciona e dá out­ras providên­cias”.

Não pode­ria ser difer­ente uma vez que Con­sti­tu­ição Fed­eral de 1988, em seu artigo 26, incluiu entre o patrimônio dos esta­dos “as ter­ras devo­lu­tas não com­preen­di­das entre as da União”. (Art. 26, II, CF).

É dizer, quando a Con­sti­tu­ição foi pro­mul­gada, em 1988, aque­las ter­ras já estavam inseri­das no patrimônio do estado por força do decreto de 1976, já referido.

Mas, ainda que os decre­tos não tivessem man­tido as con­cessões e o estado não pudesse ter con­ce­dido a escrit­ura con­do­minial aque­las cen­te­nas de famílias, as ter­ras teriam sido reav­i­das pela União Fed­eral e não por terceiros.

O que esta­mos dizendo – e provando com doc­u­men­tos –, é que quais­quer títu­los daque­las ter­ras só têm val­i­dade se com­pro­vado a aquisição junto à União Fed­eral ou ao Estado do Maran­hão, pois as ter­ras eram da união que as con­cedeu como foro ao estado.

Fora disso é con­versa fiada. ‘É “gri­lagem”. Mesmo porque, nos ter­mos do artigo 191, pará­grafo único, da Con­sti­tu­ição Fed­eral, ter­ras públi­cas não podem ser adquiri­das através do insti­tuto do usu­capião.

Este é um assunto que não com­porta grandes inda­gações. Mais sim­ples que isso só desenhando.

O Estado do Maran­hão tinha poderes para out­or­gar a escrit­ura àque­las famílias, como fez.

Chega a ser ver­dadeira­mente escan­daloso que uma empresa pri­vada “tutele” o estado a ponto de dizer que este ou aquele ato foi ile­gal ou é nulo de pleno dire­ito. Com qual autoridade?

Pior que ninguém diz nada. Nem do atual gov­erno nem do gov­erno que out­or­gou a escrit­ura con­do­minial.

A situ­ação fica ainda mais curiosa quando recor­damos que em 1998 vigia em nosso estado o con­domínio sarno-​comunista com estes últi­mos respon­sáveis pela com­pli­cada situ­ação fundiária do estado que fes­te­jaram como a um “gol de placa” aquela “paci­fi­cação” – ainda mais porque está­va­mos às vésperas de ini­ciar o processo eleitoral daquele ano.

Agora, ape­sar de esta­mos nova­mente vivendo a era do comuno-​sarneísmo (o que difer­en­cia um e outro é que agora os comu­nistas estão no comando), tanto uns quan­tos out­ros silen­ciem sobre uma questão de tamanha gravidade.

A empresa veicu­lou em todos meios de comu­ni­cação – inclu­sive no sis­tema Mirante onde a ex-​governadora teve (ou ainda tem) par­tic­i­pação acionária –, uma nota dizendo que ela prati­cou uma fraude, um ato nulo de pleno dire­ito, jun­ta­mente com seus sub­or­di­na­dos comu­nistas e nem ela nem o par­tido dizem nada a respeito do assunto.

Igual­mente escan­daloso é o gov­erno tratar o assunto como um con­flito entre par­tic­u­lares dizendo só lhe cabe cumprir a ordem de rein­te­gração de posse, quando a comu­nidade ostenta uma escrit­ura con­do­minial que lhe foi out­or­gada pelo próprio gov­erno estad­ual.

Vejam que absurdo! O gov­erno estad­ual está, implici­ta­mente, dizendo que o doc­u­mento que emi­tiu não tem qual­quer valia e que as ter­ras onde o empreendi­mento será insta­l­ado per­tencem à empresa.

Os mem­bros do par­tido, hoje no poder, à época man­davam e des­man­davam no Insti­tuto de Ter­ras do Maran­hão — ITERMA, foram os respon­sáveis por todos os lev­an­ta­men­tos e assi­naram (através do pres­i­dente do par­tido) a escrit­ura con­do­minial jun­ta­mente com a gov­er­nadora e o secretário estad­ual de agri­cul­tura.

Estran­hamente, repito, não aparece ninguém nem do gov­erno nem do par­tido para defend­erem os próprios atos. Será que não restou um “gota” de con­strang­i­mento? Foi um ato estatal prat­i­cado por inte­grantes do par­tido que está no poder.

Enga­naram aque­las pes­soas – e toda a pop­u­lação do estado –, naquele momento, quando venderam a ideia que haviam resolvido o con­flito ou agora quando se colo­cam ao lado da empresa?

Igual­mente vex­atória é a posição de out­ros par­tidos – e políti­cos –, que sem­pre se bat­eram con­tra a “gri­lagem” de ter­ras no estado. Nen­hum deles tem nada a dizer sobre os fatos. A comu­nidade do Cajueiro tornou-​se invisível a eles.

O com­por­ta­mento de hoje não é muito difer­ente do com­por­ta­mento daque­les que sem­pre estiveram ao lado dos grileiros de ter­ras públi­cas em toda a história do Maran­hão. Dev­e­riam pen­sar duas vezes antes de diz­erem que falam em nome e – em defesa –, do povo.

Aqui não se trata se ser con­tra ou a favor de um pro­jeto de desen­volvi­mento para o estado – que somos inteira­mente favoráveis –, o que está em dis­cursão é uma questão de justiça. Esconder-​se sob esse argu­mento só reforça a ideia de que sem­pre foi fala­cioso o dis­curso em defesa dos fra­cos e oprimidos.

Com mil escusas por ter retor­nado ao tema. Espero não ter mais de voltar a fazê-​lo.

Abdon Mar­inho é advogado.