AbdonMarinho - Carta a Walter Rodrigues - Tempos Sombrios.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Carta a Wal­ter Rodrigues — Tem­pos Sombrios.

CARTA A WAL­TER RODRIGUESTEM­POS SOMBRIOS.

São José de Riba­mar, 16 de out­ubro de 2019.

Meu carís­simo Walter,

NESTE DIA, em que pelo cal­endário comum estarias com­ple­tando 70 anos, resolvi escrever-​te mais uma vez. Já faz muito tempo desde quando expus a ti min­has ideias sobre o momento político brasileiro e maran­hense.

Dev­eras que fazes muita falta na análise dos fatos destes dias e até é provável que estivesses dis­cor­dando do meu desalento em relação a tudo que assisto.

Em relação ao Brasil, acred­ito que muitas das con­quis­tas democráti­cas cor­rem o risco de desaparecerem.

Assisto com muita pre­ocu­pação as insti­tu­ições se dis­solverem.

Em diver­sos escritos tenho denun­ci­ado o novo “pacto das elites”, envol­vendo as mais ele­vadas fig­uras dos poderes da nação, numa estraté­gia sór­dida de pro­teção mútua e con­tra qual­quer punição pelos malfeitos cometi­dos.

A palavra de ordem é: ninguém solta a mão de ninguém. Os “grandes” se pro­tegem, ainda que para isso ten­ham que sac­ri­ficar a nação.

Imag­ine que a mais ele­vada Corte do país, para anu­lar con­de­nações de con­tu­mazes cor­rup­tos decidiu, desafiando o Código de Processo Penal, de 1973, que nos proces­sos em que ten­ham dela­tores e delata­dos, estes dev­erão falar em tem­pos dis­tin­tos nas chamadas ale­gações finais.

Ora, sem­pre tive­mos dela­tores e delata­dos nos proces­sos penais e durante quase cinquenta anos, nesta fase proces­sual todos falaram no mesmo tempo.

Qual a razão disso agora, meio século depois?

Uma só. Anu­lar as sen­tenças daque­les que foram apan­hados roubando a nação.

Queres mais? Segundo dizem o Supremo dev­erá mudar sua jurisprudên­cia que, inclu­sive, foi reafir­mada recen­te­mente, em 2016, quanto à exe­cução da pena após a segunda instância.

Do ponto de vista doutrinário, em que pese rarís­si­mos países adotarem o cumpri­mento da pena após o trân­sito em jul­gado, é uma dis­cussão inter­es­sante.

Acon­tece que não se trata disso. Mais uma vez, como no exem­plo ante­rior, a ideia é ben­e­fi­ciar os cor­rup­tos de sem­pre, os que saque­aram a nação.

Ninguém está pre­ocu­pado com o Dire­ito ou Justiça. Querem, tão somente, pro­te­ger os seus, ainda que para isso ten­ham que soltar mil­hares con­de­na­dos pelos crimes mais diver­sos e graves, segundo infor­mação do próprio Con­selho Nacional de Justiça – CNJ.

Durante quase cinquenta anos não se pre­ocu­param com o “cidadão” e agora pas­saram a se preocupar?

As devem ser ditas pelo nome: o STF trama para soltar seus ban­di­dos de esti­mação.

Se olhar­mos para os out­ros poderes da República, o desalento só aumenta: temos um Poder Exec­u­tivo que a maior parte das vezes se ocupa de resolver as crises que ele próprio criou ou de fazer tem­pes­tades em copos d’água; e um Poder Leg­isla­tivo que não se con­strange em par­tir para a chan­tagem explícita ou em leg­is­lar em causa própria.

O Brasil inven­tou um mod­elo par­la­men­tarista onde os par­la­mentares man­dam sem qual­quer ônus e sem quais­quer respon­s­abil­i­dades.

Chega a ser patético assi­s­tir­mos a comunhão de inter­esses entre os denom­i­na­dos de esquerda e os de dire­ita na defesa da cor­rupção e da impunidade.

O cenário estad­ual é muito pior que o nacional. Enquanto para o Brasil existe alguma pos­si­bil­i­dade de mudança a par­tir das eleições de 2022, no Maran­hão as mudanças que se desen­ham, pelo menos até aqui, são para pior.

Como sabes – e é até provável que já o tenha encon­trado por aí –, no último agosto dos des­gos­tos perdemos o amigo Celso Véras.

Naquela manhã, enquanto velá­va­mos o morto, eu e out­ros ami­gos, como Con­ceição Andrade, Juarez Medeiros, Zé Costa, Roberto de Paula, falá­va­mos de sua con­tribuição na resistên­cia à ditadura ou na luta pelos dire­itos humanos nos anos de chumbo e da sua influên­cia para a for­mação de novas lid­er­anças políti­cas no estado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, um sábado, quando voltei para casa fiquei refletindo sobre a história política do estado.

A luta de ger­ações, primeiro con­tra a ditadura mil­i­tar, depois pela alternân­cia de poder e con­tra o sarneísmo.

A ditadura chegou ao fim em 1985. Em 1994 e 1998, com o fale­cido senador Epitá­cio Cafeteira, ten­ta­mos, sem êxito, a alternân­cia polit­ica no estado.

Ape­nas em 2006, com a vitória de Jack­son Lago, o sarneísmo sofreu seu primeiro revés. Dev­ido a força política em âmbito nacional, Sar­ney reto­mou o poder dois anos depois e, ape­nas em 2014, perdeu, defin­i­ti­va­mente, o poder no estado para os comu­nistas.

Sabes bem que a luta sem­pre foi pela alternân­cia e a par­tir dela levar­mos o Maran­hão ao desen­volvi­mento pleno.

Tenho dito, nos meus escritos – e tam­bém aos ami­gos mais próx­i­mos –, que o desen­volvi­mento acon­te­cerá, cedo ou tarde – e ape­sar dos gov­er­nantes que temos. Porém, cinco anos depois da son­hada alternân­cia o que temos visto é a mis­éria abso­luta aumen­tar assus­ta­do­ra­mente, dizem que o aumento passa de 40% (quarenta por cento) nos últi­mos qua­tro anos; é o estado sem qual­quer capaci­dade de inves­ti­mento em obras estru­tu­rantes e mal podendo pagar sua folha de pes­soal; é a pre­v­idên­cia dos fun­cionários públi­cos entrar em colapso.

Novo gov­erno, vel­has práticas.

Difer­ente do que pen­sá­va­mos, os atu­ais gov­er­nantes não son­haram os mes­mos son­hos que as ger­ações que os pre­ced­eram. Eles têm um pro­jeto de poder próprio que é indifer­ente ao des­tino do estado. Tanto assim que, cinco anos depois, bus­caram uma aliança com o Sar­ney. Sim o mesmo Sar­ney que apoiou o régime mil­i­tar e que sem­pre foi com­bat­ido pelas forças políti­cas democráti­cas do estado.

Pen­sei: as vidas de tan­tos com­pan­heiros sac­ri­fi­cadas na luta con­tra o sarneísmo para aque­les que, final­mente, tendo chegado ao poder se vendendo como alternân­cia, aderir ofi­cial­mente ao Sar­ney.

Quando digo “ofi­cial­mente” é ape­nas para realçar o caráter litúr­gico, uma vez que as práti­cas empre­gadas no gov­erno atual­mente não são muito difer­entes das que sem­pre foram empre­gadas nos gov­er­nos ante­ri­ores: o empreguismo, o pat­ri­mo­ni­al­ismo, nas denún­cias de malfeitos, na uti­liza­ção do poder público em bene­fí­cio próprio, e tan­tas out­ras coisas.

Se existe dis­tinção em relação aos gov­er­nos ante­ri­ores, é ape­nas na piora, como na ten­ta­tiva de cri­ação de um pen­sa­mento único, na repressão à liber­dade de expressão, na perseguição aos que não se calam aos desmandos.

Outro dia uma jovem sueca ativista da causa ambi­en­tal dizia que os adul­tos tin­ham rou­bado seus son­hos.

Em relação à política local poderíamos dizer que os atu­ais gov­er­nantes roubaram os son­hos de duas ou três ger­ações, daque­les que lutaram con­tra a ditadura; dos que lutaram con­tra o sarneísmo; daque­les que son­haram com um gov­erno real­izador, cor­reto e volta­dos aos inter­esses da população.

Ao invés disso, quando, final­mente, “cheg­amos” ao poder é para ter­mos um gov­erno eivado de vel­has práti­cas e ali­ado do … Sar­ney.

E por qual razão? Nova­mente, uma só. O sonho do atual gov­er­nador, como sabes, sem­pre foi seguir os pas­sos do Sar­ney, gal­gar os espaços no cenário nacional e inter­na­cional que o velho moru­bix­aba alcançou. Por isso mesmo, sem qual­quer con­strang­i­mento, foi a casa dele pedir “arrego”.

Os seus adu­ladores e até mesmo o próprio, como se fos­sem fiéis dis­cípu­los de Pan­taleão, inven­taram mil e uma des­cul­pas, os riscos à democ­ra­cia, a causa nacional, a defesa da Con­sti­tu­ição, etc. Nada disso, como se dizia no meu inte­rior: foram “pedir penico”.

Outra coisa que sem­pre se dizia lá no meu sertão é que “gal­inha que segue pato, corre o sério risco de mor­rer afo­gada”.

Ape­nas um breve adá­gio para lem­brar ao gov­er­nante que os riscos de ten­tar seguir o Sar­ney é o mesmo da galinha.

Mas de tudo, caro amigo, o que mais me pesa a falta de per­spec­ti­vas, é a deses­per­ança em relação ao porvir.

Arrisco dizer que mais sinto saudades do pas­sado de perseguições do que ale­gria com o que nos reserva o futuro.

Qual o legado politico do atual gov­erno?

Olhamos as opções e o desalento aumenta. Não tem futuro. Não são pes­soas voltadas aos com­pro­mis­sos históri­cos de lutas por justiça social, igual­dade, hon­esti­dade, zelo pelo patrimônio público.

Temo, sin­ce­ra­mente, que no futuro sen­tire­mos saudades da atual mis­éria que cas­tiga nos­sos concidadãos.

Pode­ria me calar diante de tudo que assisto – como, aliás, me recomen­dam as pes­soas sen­sa­tas –, mas foi para isso que tanto luta­mos? Para, como gado, assen­tir como se tudo estivesse bem, só impor­tando a ração diária que recebe?

Neste seu aniver­sário de setenta anos, caro amigo, ao passo em que lamento a tua ausên­cia, a falta que faz nos­sas con­ver­sas de domingo, fico feliz por não teres que pas­sar por tan­tas decepções, por tan­tos dias som­brios do pre­sente e do futuro.

Um afe­tu­oso abraço do amigo,

Abdon Mar­inho.

Comen­tários

0 #1 abde­laziz 16-​10-​2019 19:12
Dr. Abdon,
Forte, con­tun­dente e lúcido como sem­pre seu artigo. É assim que me sinto: ilhado. Tan­tas lutas para desem­bo­car nisso que está aí.Palmas para todos os lados a enver­gonhar o pas­sado de luta de tan­tos e tan­tos. Haja paciên­cia e von­tade para não desistir
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