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A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.

Escrito por Abdon Mar­inho

A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.

Por Abdon Marinho.

UM AMIGO se rev­elava pre­ocu­pado com os últi­mos acon­tec­i­men­tos viven­ci­a­dos no Brasil. Dizia ele que pare­cia haver no país uma Cruzada em defesa da cor­rupção. Achei curioso o termo, talvez “Cruzada” seja o que vem ocor­rendo de fato.

Em um texto ante­rior “NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL”, denun­ci­ava isso, essa Cruzada em defesa da cor­rupção “armada” entre as elites para soltar os malfeitores que saltearam o país, ainda que, para isso, tivessem (ten­ham) que destruir os der­radeiros resquí­cios de nossa civil­i­dade.

Já no texto acima aler­tava para a Ação Declaratória de Con­sti­tu­cional­i­dade com Pedido de Lim­i­nar pro­posta pelo Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, junto ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, ainda pen­dente de jul­ga­mento, cujo pedido em sede de medida caute­lar é o seguinte: a) “impedir e tornar sem efeito qual­quer decisão que importe em exe­cução pro­visória de pena pri­v­a­tiva de liber­dade sem a existên­cia de decisão con­de­natória tran­si­tada em jul­gado;” b) “sub­sidiari­a­mente, impedir e tornar sem efeito qual­quer decisão que importe em exe­cução pro­visória de pena pri­v­a­tiva de liber­dade antes da existên­cia de decisão con­de­natória tran­si­tada em jul­gado de forma automática, sem fun­da­men­tação a indicar a pre­sença dos req­ui­si­tos pre­vis­tos no artigo 312 do CPP.”. c) “Em suma, lato sensu, tornar sem efeito (blo­quear, ex nunc e ex tunc) qual­quer decisão de prisão após con­de­nação em segunda instân­cia dec­re­tada sob o fun­da­mento de que é obri­gatória a exe­cução ante­ci­pada da pena – suspendendo-​se, igual­mente, a súmula 122 do TRF4, por afronta à decisão do STF no HC 126.292 e nas lim­inares das ADC 43 e 44, uma vez que somente dois votos apon­taram para a auto­mati­ci­dade da prisão”.

No pedido de mérito a agremi­ação pre­tende que seja con­fir­mada a tutela na forma do seu primeiro pedido ou nos for­matos sub­sidiari­a­mente.

Emb­ora o lin­gua­jar pareça com­pli­cado o que o par­tido deseja é que ninguém, repito, ninguém, seja lev­ado a cumprir a pena sem a existên­cia de decisão “tran­si­tada em jul­gado”, ou seja, sem que tenha esgo­tado toda e qual­quer chance de recur­sos nos tri­bunais. Noutras palavras, pela ideia do par­tido comu­nista, somente dev­erá ser preso e cumprir pena o pobre mis­erável que não disponha de recur­sos para pagar um advo­gado.

Mas não só, o par­tido comu­nista pre­tende soltar todos que já este­jam pre­sos cujas penas não ten­ham “tran­si­tado em jul­gado”. Esse é o sig­nifi­cado do “tornar sem efeito”.

Quando o min­istro do Supremo Marco Aurélio Mello, no último dia de tra­balho do ano pas­sado, con­cedeu uma lim­i­nar neste sen­tido – não sei se nesta ação ou noutra de igual sen­tido –, calculou-​se que o “saidão” alcançaria cerca de 180 mil encar­cer­a­dos. Todo tipo de ban­dido, de crim­i­nosos de colarinho-​branco, cor­rup­tos a assas­si­nos, estupradores, latro­ci­das, traf­i­cantes, chefes de orga­ni­za­ções crim­i­nosas, etc.

O número, acred­ito, é pos­sível que seja bem maior, quando se levar em con­sid­er­ação a pos­si­bil­i­dade de se aplicar tal medida em sede de revisões criminais.

Como sabe­mos, a decisão do min­istro foi sus­pensa pelo pres­i­dente do tri­bunal e o “saidão” acabou por não se con­cretizar.

Pois bem, a ação do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, emb­ora quando anal­isadas suas con­se­quên­cias pareça (e é) absurda e insana – não é todos os dias que alguém propõe soltar quase duzen­tos mil crim­i­nosos de alta per­icu­losi­dade, que são os que pos­suem condições de pagar advo­ga­dos para con­tin­uarem a recor­rer de suas con­de­nações e ainda que nen­hum delin­quente seja lev­ado ao cumpri­mento da pena antes de tran­si­tar em jul­gado seus proces­sos –, ela pos­sui uma fun­da­men­tação legal, uma lóg­ica jurídica dis­cutível, muito emb­ora na “con­tramão” dos ver­dadeiros anseios da sociedade e do que se entende por justiça.

Afi­nal, não é con­ce­bível que se mande para casa tan­tos malfeitores e que, dora­vante, víti­mas (e/​ou seus famil­iares) e seus algo­zes saiam das sessões de jul­ga­mento pela mesma porta.

Mas, como dizia, por mais absurda que seja a pre­ten­são do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, ela pos­sui uma fun­da­men­tação jurídica esco­rada na carta con­sti­tu­cional e no dire­ito proces­sual penal, pior mesmo – mul­ti­pli­cando por mil –, foi a decisão da Segunda Turma do STF que, por estes dias, sem qual­quer amparo legal decidiu anu­lar uma sen­tença de juiz de primeira instân­cia, ou seja, “zerar” um processo porque em sede de ale­gações finais, os réus (dela­tor e delatado) tiveram o prazo comum para se man­i­fes­tar.

Aquela turma, por maio­ria, enten­deu que o réu delatado dev­e­ria ser o último a se man­i­fes­tar.

O entendi­mento das excelên­cias não tem amparo em qual­quer lei do país. Trata-​se, tão somente, de uma alter­na­tiva, “um jeit­inho”, que estão ten­tando dar para anu­lar as con­de­nações dos con­de­na­dos da Lava Jato e soltar quase todos que, já con­de­na­dos, estão cumprindo pena, den­tre os quais o ex-​presidente Lula, tam­bém ben­efi­ciário e inspi­rador da ini­cia­tiva do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB.

Desde sem­pre, encontra-​se cod­i­fi­cado, que a defesa fala por último, mas não existe em lugar algum a pre­visão de dis­tinção entre réus, con­forme a novel inter­pre­tação da maio­ria dos inte­grantes da Segunda Turma do STF.

E não me ven­ham dizer que agora existe uma nova cat­e­go­ria de réus, não há.

Desde sem­pre, quando se pren­dia e jul­gava uma quadrilha ou bando, invari­avel­mente, um ou outro colab­o­rava com as inves­ti­gações e, por isso mesmo, tinha a pena apli­cada “in con­creto” reduzida, mino­rada. Essa é uma pre­visão legal. Mas nunca estes réus que par­tic­i­param da mesma ação crim­i­nosa tiveram momen­tos dis­tin­tos para a sua man­i­fes­tação em sede de ale­gações finais.

Todos sabem disso, os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, sabem disso mais ainda. São estu­diosos, pelo menos em tese, dota­dos de notável saber jurídico e con­duta ilibada. São con­hece­dores da lei e sabem que a lei não con­tem­pla a “ino­vação” que empurraram “goela abaixo” da sociedade.

Como disse, a lei não mudou, con­tinua a mesma, o que mudou foram os con­de­na­dos.

Antes os ricos só lidavam, nos tri­bunais, com matérias civis e os pobres com as matérias penais. Agora os ricos, os bem nasci­dos, as elites, tam­bém estão “lidando” com as matérias penais e pre­cisam, cada vez mais, de leis bran­das, de favores legais, de impunidade, que os seus crimes não sejam jul­ga­dos, que seus deli­tos sejam anis­ti­a­dos, que sejam inim­putáveis per­ante a lei.

Há muito tempo que con­de­na­dos em segunda instân­cia já podiam ini­ciar o cumpri­mento de pena e, tam­bém, há muito tempo que Supremo Tri­bunal decidira que isso não ofendia ao orde­na­mento jurídico con­sti­tu­cional, sem que isso tenha mobi­lizado par­tidos políti­cos como o PCdoB. Aliás, quando a corte se debruçou sobre tal matéria o min­istro Gilmar Mendes, que desde a investidura no cargo de min­istro sem­pre se por­tou como uma espé­cie de “soltador-​geral da República”, disse que final­mente o Brasil ingres­sara no mundo civ­i­lizado; há muito tempo, aliás desde sem­pre, que existe a figura do réu-​colaborador que recebe bene­fí­cios legais por conta disso e nunca o Supremo Tri­bunal Fed­eral – ou qual­quer outra corte –, enten­deu que este dev­e­ria falar antes dos réus não colab­o­radores, em sede de ale­gações finais.

Reit­ero o que disse acima: a única mudança é que existe no Brasil uma nova cat­e­go­ria de con­de­na­dos: os políti­cos, servi­dores públi­cos de escalão supe­rior e riquís­si­mos empresários.

Só isso para fazer o STF dar um “salto triplo carpado” para inter­pre­tar uma regra não exis­tente no orde­na­mento jurídico.

Os juízes estão tendo suas sen­tenças refor­madas (se o juízo do STF não retornar e isso, de fato, vier a acon­te­cer) porque estes não deram inter­pre­tação diversa ao que con­sta no texto lit­eral da lei.

O Brasil, aos poucos – e cada vez com mais veloci­dade –, vai se tor­nando o lugar onde tudo é pos­sível, inclu­sive sen­tenças serem refor­madas pelo fato dos juízes de piso inter­pretarem a lei como ela se encon­tra expressa e por não con­seguirem adi­v­in­har que os min­istros do STF, no futuro, con­forme a natureza dos con­de­na­dos, vão inter­pre­tar a mesma norma de forma diversa.

O “novo” entendi­mento dos min­istros, assim como a ini­cia­tiva do PCdoB, terá sérias con­se­quên­cias para o país.

Não serão ape­nas os cor­rup­tos do andar de cima, por quem empreen­dem essa Cruzada em defesa da cor­rupção, que serão ben­e­fi­ci­a­dos, são mil­hares de out­ros del­i­quentes de todos os naipes, que serão alcança­dos: os proces­sos que estão em curso, os que pos­suem prazo de rescisórias e mesmo as con­de­nações sem qual­quer prazo que poderão ser revis­tas, através de habeas cor­pus, pelo princí­pio de que a lei (no caso, “entendi­mento”) nova retroage para ben­e­fi­ciar o réu.

Como podemos con­statar, o “pacto das elites” não mede qual­quer con­se­quên­cia ou os danos que a suas ações pos­sam causar à sociedade e, por isso mesmo, se lançam nesta Cruzada em defesa da cor­rupção.

Só Deus é por nós. Deus salve o Brasil!

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O DIA DE ANO.

Escrito por Abdon Mar­inho

O DIA DE ANO.

Por Abdon Marinho.

SEM­PRE tive curiosi­dade em saber como cer­tas lem­branças ficam gravadas na nossa mente. Algu­mas até pare­cem que foram grafadas a fogo.

A curiosi­dade é ampli­ada quando tais lem­branças remon­tam à infân­cia mais tenra. Acred­ito que min­has lem­branças mais anti­gas alcançam o primeiro ou segundo ano de minha vida. Mas, de todas, entre­tanto, nen­huma supera os reg­istros daque­las rela­cionadas ao “dia de ano”.

Ape­sar de pobres, a casa era grande, muito grande, de pau a piqué e chão batido (exceto os depósi­tos com piso de madeira), pos­suíam diver­sos quar­tos e depósi­tos onde meu pai guar­dava as safras de arroz, milho e fei­jão do seu próprio plan­tio ou as com­pra­dos na folha de pro­du­tores viz­in­hos. De um lado da casa ficava um cur­ral onde recol­híamos o gado, ao fundo um chiqueiro de por­cos e na outra lat­eral um flam­boy­ant que chamá­va­mos de “som­brião”. As gal­in­has eram cri­adas soltas no terreiro.

O dia já cedia lugar à noite e as lam­par­i­nas já estavam aces­sas naquele domingo.

No quarto bem sim­ples, com pare­des à altura das trav­es­sas e fechado com uma cortina, minha mãe sen­tia o iní­cio das con­trações do seu último parto enquanto con­ver­sava com seu irmão, meu tio Praxedes.

Não havia novi­dade, com cerca de trinta e seis anos já era o seu décimo parto. A parteira era a esposa de tio Antônio, o irmão mais velho do meu pai, que “pegara” todos os nasci­dos no povoado, exceto a mim, que nasci em um domingo e quando ela chegou já tinha nascido.

Com o priv­ilé­gio de ser um dos querid­in­hos da mamãe, brin­cava no quarto fazendo algazarra própria de cri­anças. Com manha fin­gia pren­der o dedo na dobradiça do cofre de meu pai para tio Praxedes ir tirar. Era um cofre de pé, cinza, com dois com­par­ti­men­tos, o de cima com chave e seg­redo numa porta grossa e den­tro duas prateleiras e uma gavet­inha ave­lu­dada na parte interna; a parte debaixo, com porta mais fina e tran­cado a chave.

Quando meu avô decidiu com os seus fil­hos deixarem o Rio Grande do Norte para virem ter por essas pla­gas – após uma incursão de tio Pedro Cal­heiro, seu filho caçula –, trouxe toda a família (dez fil­hos, noras, gen­ros e já alguns netos, inclu­sive, casa­dos) e ainda alguns ami­gos. Assentaram-​se no Lugar depois denom­i­nado Cen­tro Novo entre os povoa­dos Paciên­cia (Gov­er­nador Archer) e Pedrosa (Gonçalves Dias), que ainda não eram eman­ci­pa­dos quando chegaram. Tio Praxedes, irmão de minha mãe era casado com tia Josefa, irmã de meu pai.

Minha mãe assistindo aque­las trav­es­suras no quarto, de sua cama, dizia ao irmão: — meu filho será um doutor para cuidar dos irmãos dele.

Não tín­hamos reló­gio ou noção do tempo, mas lem­bro que fiquei por lá até a hora alguém me levar para minha rede no quarto da minha avó, mãe de meu pai, a quem chamá­va­mos de “titia”. D. Mari­inha era uma sen­hor­inha pequena de cabe­los muito alvos e olhos azuis-​celestes. Ainda lem­bro que era como se olhásse­mos dois pedaços do céu. Fora mãe de dez fil­hos – além das per­das –, alguns já tin­ham par­tido como tia Zul­mira que mor­rera antes do meu nasci­mento e dela só sabia de ouvir con­tar; e tia Josefa, que mor­rera de parto cerca de um ano antes.

Ainda hoje, no cemitério do nosso povoado, sobre a sepul­tura dela existe uma cruz grande e sobre o seu braço uma cruz­inha menor lem­brando o bebê que mor­reu com ela.

O resto da noite – já não sei se foram son­hos ou delírios –, ouvia/​sentia os movi­men­tos de pes­soas den­tro casa, entrando ou saindo, murmúrios.

As lem­branças níti­das já são do dia seguinte. A casa inteira tomada pelo clamor, o choro alto do meu pai, minha avó, de todos os fil­hos, tias, tios, pri­mos, par­entes próx­i­mos, ami­gos. A comu­nidade inteira. Todos em pran­tos, incon­soláveis: D. Neuza tinha mor­rido. Tivera uma eclâmp­sia e não resi­s­tira. Mor­rera no décimo parto.

A outra lem­brança é da minha mãe já sendo velada em uma cama na sala. Minha irmã então com dois anos sendo cuidada por alguém, assim como o meu irmão recém-​nascido.

Eu com meus cinco anos estava per­dido em meio a toda aquela con­fusão.

O que acon­te­ceu? Me per­gun­tava assus­tado. Não o enten­dia nada do que estava acon­te­cendo, não sabia que dali pra frente não teríamos mais nossa mãe e que sen­tiríamos todas as dores decor­rentes deste fato.

Era o primeiro dia da nossa orfan­dade, a par­tir do qual viveríamos como Deus cria batatas na beira do rio.

Anos depois – ainda criança/​adolescente –, achei uma estranha semel­hança entre a nossa tragé­dia pes­soal e a parte ini­cial da obra de José Lins do Rego, “Menino de Engenho”, de 1932, como vida fosse uma cruel imi­tação da arte.

Durante anos não con­segui pas­sar das pági­nas ini­ci­ais.

Aquele dia pas­sou a ser, para todos da nossa família, o “dia de ano”, uma data em que acen­deríamos velas e rezamos para lem­brar o pas­sa­mento de nossa mãe. A data ini­cial: 13 de agosto de 1973, segunda-​feira. Data a par­tir da qual nada mais seria como antes.

Esta é a minha lem­brança mais dolorosa. Nestes anos todos nunca a esqueci um dia sequer.

Abdon Mar­inho é advogado.

(Texto extraído do livro “Memórias e out­ras Crôni­cas”, de minha auto­ria, que, talvez, seja lançado algum dia).

NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL

Escrito por Abdon Mar­inho

NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL.

Por Abdon Marinho.

NADA nos dias atu­ais tem sido mais desafi­ador do que iden­ti­fi­car­mos a ver­dade. Parece-​me que cada um diz ou “vende” aquilo que lhe é con­ve­niente à sua própria “guerra”. Ninguém mais parece preocupar-​se com o que seja ver­dade ou o que seja ape­nas peça de pro­pa­ganda eleitoral, par­tidária, ide­ológ­ica ou de con­veniên­cia pes­soal.

Em meio a toda essa neb­u­losa cortina de fumaça – e devo pedir des­cul­pas pelo irre­sistível tro­cadilho infame –, uma coisa parece-​me bas­tante clara e para ela ped­i­mos muita atenção aos homens e mul­heres lúci­dos que restaram: um pacto das elites con­tra o Brasil.

Durante sécu­los, desde o iní­cio da nossa história como nação sem­pre tive­mos uma certeza: a desigual­dade.

Os “grandes”, felizes habi­tantes do “andar de cima”, além de usarem todos os recur­sos da nação em bene­fí­cio próprio, jamais, em hipótese alguma, seriam alcança­dos pelo braço da lei.

Igual­mente, durante os sécu­los, a luta da humanidade tem sido essa busca pela igual­dade.

A Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos, de 1948, inserta tal ideal logo no seu artigo primeiro: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dig­nidade e em dire­itos. Dota­dos de razão e de con­sciên­cia, devem agir uns para com os out­ros em espírito de fraternidade”.

Firme em tal propósito, quarenta anos depois, a Con­sti­tu­ição Fed­eral, de 1988, con­sagrou o mesmo princí­pio logo no seu artigo quinto: “Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:”.

Ape­sar de garan­tias tão fortes, sabíamos que a igual­dade propal­ada, sem­pre esteve dis­tante de ser uma real­i­dade. Exceto para pou­cas democ­ra­cia solid­i­fi­cadas, o Brasil seguia a onda do restante do mundo, onde, ape­sar da igual­dade for­mal, sem­pre soube­mos que uns “eram mais iguais do que outros”.

Ape­nas a par­tir de 2005, com o surg­i­mento do escân­dalo do “men­salão” e, pos­te­ri­or­mente, com o proces­sa­mento, jul­ga­mento e con­de­nação dos impli­ca­dos – que depois foram lev­a­dos a cumprir suas penas –, pas­samos a sen­tir uma certa mudança: a igual­dade começou a se fazer pre­sente e o braço da lei já era longo o sufi­ciente para alcançar “os felizes habi­tantes do andar de cima”.

O sen­ti­mento de que a mudança de par­a­digma era mesmo para valer gan­hou impulso com a defla­gração da Oper­ação Lava Jato, com suas dezenas de des­do­bra­men­tos, oper­ações, prisões, bus­cas e apreen­sões, recu­per­ação de bil­hões de dólares rou­ba­dos, jul­ga­men­tos e con­de­nações a duras penas dos impli­ca­dos, diver­sas autori­dades, políti­cos, como ex-​deputados, ex-​governadores, empresários das maiores empre­sas do Brasil e, até mesmo, um ex-​presidente da República, coin­ci­den­te­mente, o mais pop­u­lar da história recente do país.

Aqui, ressalte-​se, não se trata de júbilo pelo infortúnio pes­soal de quem quer que seja, mas, ape­nas o reg­istro da mudança ocor­rida no país. Quem há pou­cas décadas iria imag­i­nar um grande empresário, um político de primeira grandeza como hós­pede do Estado?

Longe de quere­las e sen­ti­men­tos de cunho ide­ológico, o que se louva, por­tanto, é o reg­u­lar fun­ciona­mento das insti­tu­ições, para quem todos os cidadãos devem rece­ber igual trata­mento per­ante a lei.

Mas, como diz o ditado pop­u­lar “ale­gria de pobre dura pouco”, de uns tem­pos para cá temos teste­munhado diver­sas ini­cia­ti­vas e situ­ações visando levar o país ao retro­cesso insti­tu­cional, aos tem­pos de “casa grande e sen­zala”, com os habi­tantes do “andar de cima”, mais uma vez, inim­putáveis e inal­cançáveis pelo braço lei.

E vão além, querem punir os ousarem desafiar tal “sta­tus quo”.

Trata-​se do novo “pacto das elites”, escrito ou não, for­mal­mente com­bi­nado ou não, mas que todos pare­cem saber o seu papel e o desem­penha com abne­gação.

Nas altas cúpu­las da República “ninguém solta a mão de ninguém”, num ver­gonhoso esquema de pro­teção mútua a desafiar a con­quista da igual­dade entre os cidadãos.

A ban­dalha tem iní­cio com a par­tic­i­pação do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que, por imposição legal/​constitucional é o guardião da Con­sti­tu­ição, con­forme esta­b­elece o artigo 102: “Com­pete ao Supremo Tri­bunal Fed­eral, pre­cipua­mente, a guarda da Con­sti­tu­ição, cabendo-​lhe:”.

Ape­sar da relevân­cia do cargo – e do papel que desem­pen­ham –, os min­istros da mais ele­vada corte do país são os primeiros a não se “darem o respeito” e agirem de forma indeco­rosa, pois sabem que estão acima da lei.

Como reles mar­gin­ais, são capazes dos maiores absurdos.

Não faz muito tempo uma pub­li­cação trouxe ao con­hec­i­mento da pat­uleia que a Usina de Itaipu ban­cava (ou con­tinua ban­cando) via­gens dos min­istros e de suas famílias pelos “qua­tro can­tos do mundo”. Não se ouviu uma expli­cação, um esclarecimento.E, talvez seja o de menos.

Os últi­mos tem­pos tem sido prodi­giosos na rev­e­lação dos malfeitos das excelên­cias.

Para fugir às críti­cas, imag­inem, a mais ele­vada Corte do país abriu um inquérito sig­iloso sob o argu­mento que iria apu­rar fakes news assacadas con­tras as excelên­cias. Antes já tin­ham deter­mi­nado a cen­sura prévia à revista eletrônica Cru­soe e ao site O Antag­o­nista.

Mas quem pre­cisa se valer de fake news quando a real­i­dade, à vista de todos, é ainda mais assus­ta­dora?

Quem não sabe que tem min­istro que atua mais como empresário do que como juiz da corte?

Quem ignora que os escritórios das suas famílias, mesmo das esposas, remu­neram algu­mas excelên­cias? Isso não é fake news.

Mas os min­istros se jul­gam acima da lei e por isso mesmo deter­mi­nam a sus­pen­são de inves­ti­gações que pos­sam chegar a eles, como bem recen­te­mente fiz­eram com “finado” COAF e com a Receita Fed­eral, impondo a esta última a sus­pen­são admin­is­tra­tiva dos seus fis­cais.

O que faziam os fis­cais? Fis­cal­izavam movi­men­tação sus­peitas de uma cen­tena de CPF’s.

Qual a razão das con­tas dos min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral, Supe­rior Tri­bunal de Justiça ou de qual­quer outro tri­bunal do país não poderem ser devas­sadas? O que teriam a escon­der da pop­u­lação que paga as suas contas.

Na ver­dade o Poder Judi­ciário dev­e­ria agir como a Mul­her de César, além de ser hon­esto, dev­e­ria pare­cer hon­esto e dar exem­plo.

Seus inte­grantes dev­e­riam ser os primeiros a não recearem quais­quer devas­sas em suas contas.

Aliás, dev­e­ria ser de lei a proibição a qual­quer sig­ilo quanto aos seus rendi­men­tos pois dev­e­riam viver só com aquilo que recebem dos cofres públi­cos legal­mente, o que seria mais que o sufi­ciente posto que gan­ham o teto do fun­cional­ismo.

Se querem ser ricos aban­donem as togas e virem empresários de fato é de direito.

Mas como dito no iní­cio deste texto, as excelên­cias, todas elas, pre­cisam se “defend­erem”, ninguém larga a mão de ninguém. Faz parte do roteiro.

O princí­pio da igual­dade per­ante a lei pas­sou foi longe das autori­dades brasileiras que não se con­strangem com quais­quer absurdo que venha acon­te­cer e estão dis­pos­tos a ir às últi­mas con­se­quên­cias para que o império da impunidade volte a reinar.

Agora mesmo têm como obje­tivo encon­trar uma solução para o pri­sioneiro número um país, o ex-​presidente Lula.

O Lula espirra e lá está um min­istro pronto a jul­gar qual­quer réclame.

Outro dia, para o espanto da nação, assis­ti­mos ao Supremo Tri­bunal Fed­eral, a mais ele­vada Corte do país fun­cio­nando como juízo de exe­cução penal.

Segundo alguns cál­cu­los o ex-​presidente já inten­tou cerca de duas cen­te­nas de recur­sos para sair da cadeia, anu­lar seus proces­sos e ficar impune, até agora nen­hum sur­tiu o efeito necessário. E não foi por falta de inter­esse dos seus jul­gadores da Praça dos Três Poderes. É mesmo por falta de sus­ten­tação jurídica.

Se depen­desse da von­tade de cer­tos min­istros faz tempo que o ex-​presidente estaria em casa con­tando loro­tas aos incautos.

Vimos do que são capazes. Em questão de horas um decisão de juiz de primeira instân­cia foi des­feita pelo órgão máx­imo da justiça do país, com dire­ito a inter­rupção da sessão onde dezenas de out­ros feitos estavam sendo jul­ga­dos para rece­ber os par­tidários do ex-​presidente.

O agachamento dos min­istros ao sen­hor Lula já levou alguns arti­c­ulis­tas a apel­i­darem o STF (Supremo Tri­bunal Fed­eral) de STL (Supremo Tri­bunal do Lula).

É o que acon­tece quando se dá o respeito.

Mas, como dito, o que acon­tece no Supremo não é um fato iso­lado. Tudo faz parte do “pacto das elites” em curso.

Não deve­mos estran­har se muito em breve o Supremo jul­gar proce­dente uma ação pro­posta pelo Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, que visa proibir a prisão antes do trân­sito em jul­gado. Aquele “saidão” que o min­istro Marco Aurélio Melo ten­tou no final do ano pas­sado, no último dia de expe­di­ente e que não vin­gou.

O PCdoB pre­tende a soltura de cerca de 180 mil del­i­quentes de todos os naipes para soltar junto com eles o ex-​presidente Lula.

O Con­gresso Nacional nos brindou com a Lei do Abuso de Autori­dades.

Claro que nen­huma pes­soa de bom senso é con­trário à uma lei que com­bata o abuso de autori­dade. Como cansa­dos de saber – e como demon­strado acima –, uma lei que vise coibir abu­sos é mais que necessária.

Quem não quer que todos os cidadãos, oper­adores do dire­itos sejam trata­dos com respeito e urban­idade?

Uma lei que com­bata abu­sos é boa para todos, inclu­sive para os bons juizes, os bons pro­mo­tores, os bons del­e­ga­dos, os bons poli­ci­ais, os bons cidadãos.

Acon­tece que a lei recém-​aprovada, em que pese tenha alguns pon­tos volta­dos a isso, na ver­dade o que ela pre­tende é aniquilar os instru­men­tos de inves­ti­gações sobre os poderosos, sobre os vel­hos “habi­tantes do anda de cima”, como sem­pre foi. Uma maçã enve­ne­nada.

A grande parte do Con­gresso Nacional está pre­ocu­pada com o abuso ou a igual­dade entre os cidadãos, eles já se sen­tem supe­ri­ores a isso. O propósito de tais ini­cia­ti­vas é a “auto-​preservação”, estão leg­is­lando, ver­dadeira­mente, em causa própria.

Nesta mesma linha foi a ini­cia­tiva que vetou a incor­po­ração do COAF no Min­istério da Justiça e “desidrata” sem­pre que tem a opor­tu­nidade o “Pacote Anti­crime” pro­posto pelo min­istro Sér­gio Moro.

Se demon­strado que segui­men­tos dos poderes judi­ciário leg­isla­tivos estão com­pro­meti­dos com o “pacto das elites”, existe a clara con­statação que o Poder Exec­u­tivo tam­bém a ele se encon­tra com­pro­metido.

Os três poderes estão de mãos dadas na con­quista da impunidade.

As provas mate­ri­ais do que digo estão aí para qual­quer um ver. O dis­curso do pres­i­dente deu um giro de 180 graus, indo do “dei carta branca ao min­istro Sér­gio Moro” a “quem manda sou eu”. Pior que o dis­curso são as várias desautor­iza­ções ao min­istro, as inter­venções na Receita Fed­eral, na Polí­cia Fed­eral e tan­tos out­ros órgãos, sem con­tar que nunca moveu uma “palha” para que pacote anti­crime do min­istro fosse aprovado, pelo con­trário, muitos dos seus par­tidários fazem é tra­bal­har contra.

A aposta é que ainda não demi­tiu o min­istro, que largou uma car­reira sól­ida na mag­i­s­tratura para aten­der ao seu chamado de com­bater a cor­rupção com uma rede e não com uma vara de pesca, por covar­dia. As humil­hações que impõe ao min­istro é um recado para que ele saia por livre e espon­tânea von­tade.

Resta saber quanto tempo Moro vai resistir.

O pres­i­dente age, infe­liz­mente, como aquele menino pobre que sem­pre foi mal­tratado e agora foi admi­tido no time dos dos “bem-​nascidos”, no clube dos ricos, na frater­nidade da elite.

Assisto a tudo isso com aquela velha sen­sação de que a a vida copia a arte.

O que assis­ti­mos é a real­i­dade de O Império Con­tra Ataca, com a liq­uidação de quase todas as forças da Resistên­cia.

No Brasil de hoje, a “Resistên­cia” às forças do “Império” está cada vez menor. Os homens de bem resistiremos?

Abdon Mar­inho é advo­gado.