A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.
Por Abdon Marinho.
UM AMIGO se revelava preocupado com os últimos acontecimentos vivenciados no Brasil. Dizia ele que parecia haver no país uma Cruzada em defesa da corrupção. Achei curioso o termo, talvez “Cruzada” seja o que vem ocorrendo de fato.
Em um texto anterior “NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM – UM PACTO DAS ELITES CONTRA O BRASIL”, denunciava isso, essa Cruzada em defesa da corrupção “armada” entre as elites para soltar os malfeitores que saltearam o país, ainda que, para isso, tivessem (tenham) que destruir os derradeiros resquícios de nossa civilidade.
Já no texto acima alertava para a Ação Declaratória de Constitucionalidade com Pedido de Liminar proposta pelo Partido Comunista do Brasil — PCdoB, junto ao Supremo Tribunal Federal — STF, ainda pendente de julgamento, cujo pedido em sede de medida cautelar é o seguinte: a) “impedir e tornar sem efeito qualquer decisão que importe em execução provisória de pena privativa de liberdade sem a existência de decisão condenatória transitada em julgado;” b) “subsidiariamente, impedir e tornar sem efeito qualquer decisão que importe em execução provisória de pena privativa de liberdade antes da existência de decisão condenatória transitada em julgado de forma automática, sem fundamentação a indicar a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do CPP.”. c) “Em suma, lato sensu, tornar sem efeito (bloquear, ex nunc e ex tunc) qualquer decisão de prisão após condenação em segunda instância decretada sob o fundamento de que é obrigatória a execução antecipada da pena – suspendendo-se, igualmente, a súmula 122 do TRF4, por afronta à decisão do STF no HC 126.292 e nas liminares das ADC 43 e 44, uma vez que somente dois votos apontaram para a automaticidade da prisão”.
No pedido de mérito a agremiação pretende que seja confirmada a tutela na forma do seu primeiro pedido ou nos formatos subsidiariamente.
Embora o linguajar pareça complicado o que o partido deseja é que ninguém, repito, ninguém, seja levado a cumprir a pena sem a existência de decisão “transitada em julgado”, ou seja, sem que tenha esgotado toda e qualquer chance de recursos nos tribunais. Noutras palavras, pela ideia do partido comunista, somente deverá ser preso e cumprir pena o pobre miserável que não disponha de recursos para pagar um advogado.
Mas não só, o partido comunista pretende soltar todos que já estejam presos cujas penas não tenham “transitado em julgado”. Esse é o significado do “tornar sem efeito”.
Quando o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, no último dia de trabalho do ano passado, concedeu uma liminar neste sentido – não sei se nesta ação ou noutra de igual sentido –, calculou-se que o “saidão” alcançaria cerca de 180 mil encarcerados. Todo tipo de bandido, de criminosos de colarinho-branco, corruptos a assassinos, estupradores, latrocidas, traficantes, chefes de organizações criminosas, etc.
O número, acredito, é possível que seja bem maior, quando se levar em consideração a possibilidade de se aplicar tal medida em sede de revisões criminais.
Como sabemos, a decisão do ministro foi suspensa pelo presidente do tribunal e o “saidão” acabou por não se concretizar.
Pois bem, a ação do Partido Comunista do Brasil — PCdoB, embora quando analisadas suas consequências pareça (e é) absurda e insana – não é todos os dias que alguém propõe soltar quase duzentos mil criminosos de alta periculosidade, que são os que possuem condições de pagar advogados para continuarem a recorrer de suas condenações e ainda que nenhum delinquente seja levado ao cumprimento da pena antes de transitar em julgado seus processos –, ela possui uma fundamentação legal, uma lógica jurídica discutível, muito embora na “contramão” dos verdadeiros anseios da sociedade e do que se entende por justiça.
Afinal, não é concebível que se mande para casa tantos malfeitores e que, doravante, vítimas (e/ou seus familiares) e seus algozes saiam das sessões de julgamento pela mesma porta.
Mas, como dizia, por mais absurda que seja a pretensão do Partido Comunista do Brasil — PCdoB, ela possui uma fundamentação jurídica escorada na carta constitucional e no direito processual penal, pior mesmo – multiplicando por mil –, foi a decisão da Segunda Turma do STF que, por estes dias, sem qualquer amparo legal decidiu anular uma sentença de juiz de primeira instância, ou seja, “zerar” um processo porque em sede de alegações finais, os réus (delator e delatado) tiveram o prazo comum para se manifestar.
Aquela turma, por maioria, entendeu que o réu delatado deveria ser o último a se manifestar.
O entendimento das excelências não tem amparo em qualquer lei do país. Trata-se, tão somente, de uma alternativa, “um jeitinho”, que estão tentando dar para anular as condenações dos condenados da Lava Jato e soltar quase todos que, já condenados, estão cumprindo pena, dentre os quais o ex-presidente Lula, também beneficiário e inspirador da iniciativa do Partido Comunista do Brasil — PCdoB.
Desde sempre, encontra-se codificado, que a defesa fala por último, mas não existe em lugar algum a previsão de distinção entre réus, conforme a novel interpretação da maioria dos integrantes da Segunda Turma do STF.
E não me venham dizer que agora existe uma nova categoria de réus, não há.
Desde sempre, quando se prendia e julgava uma quadrilha ou bando, invariavelmente, um ou outro colaborava com as investigações e, por isso mesmo, tinha a pena aplicada “in concreto” reduzida, minorada. Essa é uma previsão legal. Mas nunca estes réus que participaram da mesma ação criminosa tiveram momentos distintos para a sua manifestação em sede de alegações finais.
Todos sabem disso, os ministros do Supremo Tribunal Federal — STF, sabem disso mais ainda. São estudiosos, pelo menos em tese, dotados de notável saber jurídico e conduta ilibada. São conhecedores da lei e sabem que a lei não contempla a “inovação” que empurraram “goela abaixo” da sociedade.
Como disse, a lei não mudou, continua a mesma, o que mudou foram os condenados.
Antes os ricos só lidavam, nos tribunais, com matérias civis e os pobres com as matérias penais. Agora os ricos, os bem nascidos, as elites, também estão “lidando” com as matérias penais e precisam, cada vez mais, de leis brandas, de favores legais, de impunidade, que os seus crimes não sejam julgados, que seus delitos sejam anistiados, que sejam inimputáveis perante a lei.
Há muito tempo que condenados em segunda instância já podiam iniciar o cumprimento de pena e, também, há muito tempo que Supremo Tribunal decidira que isso não ofendia ao ordenamento jurídico constitucional, sem que isso tenha mobilizado partidos políticos como o PCdoB. Aliás, quando a corte se debruçou sobre tal matéria o ministro Gilmar Mendes, que desde a investidura no cargo de ministro sempre se portou como uma espécie de “soltador-geral da República”, disse que finalmente o Brasil ingressara no mundo civilizado; há muito tempo, aliás desde sempre, que existe a figura do réu-colaborador que recebe benefícios legais por conta disso e nunca o Supremo Tribunal Federal – ou qualquer outra corte –, entendeu que este deveria falar antes dos réus não colaboradores, em sede de alegações finais.
Reitero o que disse acima: a única mudança é que existe no Brasil uma nova categoria de condenados: os políticos, servidores públicos de escalão superior e riquíssimos empresários.
Só isso para fazer o STF dar um “salto triplo carpado” para interpretar uma regra não existente no ordenamento jurídico.
Os juízes estão tendo suas sentenças reformadas (se o juízo do STF não retornar e isso, de fato, vier a acontecer) porque estes não deram interpretação diversa ao que consta no texto literal da lei.
O Brasil, aos poucos – e cada vez com mais velocidade –, vai se tornando o lugar onde tudo é possível, inclusive sentenças serem reformadas pelo fato dos juízes de piso interpretarem a lei como ela se encontra expressa e por não conseguirem adivinhar que os ministros do STF, no futuro, conforme a natureza dos condenados, vão interpretar a mesma norma de forma diversa.
O “novo” entendimento dos ministros, assim como a iniciativa do PCdoB, terá sérias consequências para o país.
Não serão apenas os corruptos do andar de cima, por quem empreendem essa Cruzada em defesa da corrupção, que serão beneficiados, são milhares de outros deliquentes de todos os naipes, que serão alcançados: os processos que estão em curso, os que possuem prazo de rescisórias e mesmo as condenações sem qualquer prazo que poderão ser revistas, através de habeas corpus, pelo princípio de que a lei (no caso, “entendimento”) nova retroage para beneficiar o réu.
Como podemos constatar, o “pacto das elites” não mede qualquer consequência ou os danos que a suas ações possam causar à sociedade e, por isso mesmo, se lançam nesta Cruzada em defesa da corrupção.
Só Deus é por nós. Deus salve o Brasil!
Abdon Marinho é advogado.