AbdonMarinho - A ESTÉTICA NAZISTA E OUTROS MALES.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A ESTÉTICA NAZISTA E OUT­ROS MALES.


A ESTÉTICA NAZISTA E OUT­ROS MALES.

Por Abdon Marinho.

HAVIA reser­vado a manhã de sábado para escr­ever – como, aliás, faço quase sem­pre. Diver­sos assun­tos já con­stavam da pauta, além da cos­tumeira cobrança de alguns ami­gos para manifestar-​me sobre out­ros. Mais eis que surgiu a polêmica envol­vendo o secretário nacional de cul­tura, Ricardo Alvim, e o seu famoso vídeo de estética clara­mente nazista, tor­nando o assunto incon­tornável e, por­tanto, pas­sando à frente das demais pau­tas. Paciência!

Qual­quer pes­soa desde que com um mín­imo de dis­cern­i­mento e isenção recon­hece que o gov­erno do sen­hor Bol­sonaro está repleto de bons quadros, talvez os mel­hores do país, em algu­mas áreas – se não fosse assim não teríamos os bons resul­ta­dos que vem apre­sen­tando até aqui, a despeito de toda a tor­cida con­trária e da sab­o­tagem interna que sofrem –, ao lado destes, em maior número e com amplo espaço de manobra, estão os famosos “sem noção”, a começar pelo próprio pres­i­dente, que dia sim e no outro tam­bém, emite declar­ações tolas, muitas das vezes ofen­si­vas, que só encon­tram apoio de out­ros “sem noção”, de den­tro ou de fora do governo.

A polêmica envol­vendo o ex-​secretário nacional de cul­tura tem as dig­i­tais das patas destes últi­mos.

Pouco depois de par­tic­i­par da tradi­cional “live” do pres­i­dente, na qual foi elo­giado pelo próprio que o apre­sen­tou como a solução para a cul­tura brasileira, o secretário dirigiu-​se ao órgão que con­duzia há dez sem­anas e pro­duziu o vídeo que o der­rubou menos de 12 horas depois, na esteira das pressões feitas por enti­dades da sociedade civil, autori­dades e, até mesmo, de gov­erno estrangeiro, no caso, o de Israel.

Os primeiros ques­tion­a­men­tos que fiz, ao tomar con­hec­i­mento da história, foi se o ex-​secretário tinha ideia do estava fazendo o tal vídeo; se foi uma ação pen­sada e delib­er­ada a repro­dução da “estética nazista” em uma peça sobre a pro­posta do gov­erno; Ou se foi ape­nas mais uma ati­tude “sem noção” de uma parte da ala do gov­erno, entre as tan­tas com as quais já brindaram à patuleia.

Fiz ainda as seguintes per­gun­tas: Fez para chocar a sociedade? Tinha noção do sig­nifi­cado do estava fazendo?

Ora, ficou bem claro para qual­quer um com con­hec­i­mento mín­imo de história que houve uma repro­dução da chamada “estética nazista”. Não foi ape­nas o estilo engo­mad­inho; a câmera a meio plano”; o ambi­ente assép­tico; a música de Wag­ner; ou, mesmo, o plá­gio (lit­eral em alguns tre­chos) do dis­curso de Goebbels, foi o con­junto da obra.

Pode­ria ter feito o dis­curso todo engo­mad­inho, com uma camada de gel na cabeça e com câmera a meio plano. Sem a trilha sonora e o plá­gio ninguém iria fazer alusão ao nazismo; pode­ria até fazer o plá­gio que sem os demais ele­men­tos não iriam perce­ber ou, percebendo, não iria escan­dalizar tanto.

Já a trilha sonora de Richard Wag­ner, soz­inha, tam­bém, pouco ou nada sig­nifi­caria, além do que é: boa música.

O alemão Wag­ner nasceu em 1813, em Leipzig, Ale­manha e mor­reu em 1883, em Veneza, Itália, ou seja, muito antes da ascen­são e queda do Nazismo. Sua obra é vasta – não ape­nas no campo da música –, e, dizem abriu cam­in­hos para a música mod­erna. Vinculá-​la ao Nazismo, pelo fato de Hitler ter sido seu fã ou pelo fato da mesma ter sido exe­cu­tada em Cam­pos de Con­cen­tração não passa de des­on­esti­dade int­elec­tual.

O pobre Wag­ner, a despeito de sua grande con­tribuição para a cul­tura uni­ver­sal, mor­reu na mis­éria e exi­lado, fug­indo dos cre­dores.

O fato de Hitler ter sido pro­fundo admi­rador de sua obra não a torna cúm­plice das mon­stru­osi­dades que ele e os seus adu­ladores – entre os quais Joseph Goebbels –, praticaram con­tra a humanidade e con­tra os judeus, em particular.

É ver­dade que durante muitos anos a obra de Wag­ner foi proibida de ser exe­cu­tada no estado de Israel, mas mesmo esse tabu caiu há alguns anos.

Ah, para aque­les que não sabem, a mar­cha nup­cial (bridal cho­rus) exe­cu­tada em, prati­ca­mente, cem por cento dos casa­men­tos ao redor do mundo é de auto­ria jus­ta­mente de Richard Wag­ner, isso não torna os nubentes ou mesmo os sim­ples apre­ci­adores dela e de tan­tas out­ras obras, nazis­tas, não mesmo.

Como disse ante­ri­or­mente o que des­graçou a per­fo­mance do ex-​secretário nacional de cul­tura foi a con­junção dos ele­men­tos com­pondo a estética nazista. Se fez para “copiar” Goebbels ou sim­ples­mente como “sem noção”, já pagou o preço com a exon­er­ação do cargo.

O pres­i­dente Bol­sonaro, o sem noção-​mor da República, pelo que li, ainda relutou, teria se dado por sat­is­feito com o pedido de des­cul­pas e com a atribuição de culpa ao anôn­imo asses­sor, mas, foi ven­cido pela pressão das ruas. Fez bem em ceder rápido e evi­tar que o assunto se pro­lon­gasse por mais tempo.

O episó­dio, entre­tanto, dev­e­ria servir para inspi­rar as forças de políti­cas de oposição, prin­ci­pal­mente as de ori­en­tação marxista/​leninista.

Estas fiz­eram o maior escar­céu con­tra o ex-​secretário e con­tra o próprio pres­i­dente – com razão –, mas é inca­paz de olhar os mil­hões de cadáveres das ditaduras comu­nistas do pas­sado e do pre­sente; bem como, diver­sos out­ros regimes total­itários que apoiam. Muito pelo con­trário, ainda hoje “pagam pau” para os anti­gos dita­dores da União Soviética, da China, do Cam­boja, de Cuba, da Cor­eia do Norte, da Albâ­nia, etcetera.

Dev­e­ria inspi­rar, tam­bém, tan­tos quan­tos são estes que fusti­garam e pedi­ram a “cabeça” do ex-​secretário por uma per­for­mance de inegável mau gosto e de inspi­ração nazista – cujo o hor­ror e fla­gelo ceifou mil­hões de vidas há mais de setenta anos –, a faz­erem o mesmo em relação aque­les políti­cos nacionais que ainda hoje defen­dem, como dout­rina política, os mod­e­los total­itários que tam­bém cei­faram e ainda hoje ceifam mil­hões de vidas ao redor do mundo.

Os exem­p­los estão aí à vista de todos. Outro dia um vereador do PSOL do Rio de Janeiro apre­sen­tou uma moção de lou­vor ao dita­dor da Cor­eia do Norte Kim Jong-​Un. Acredita-​se que ninguém, muito menos os esclare­ci­dos que protes­taram con­tra a “estética nazista” do ex-​secretário de cul­tura, ignorem o que passa naquele país, onde a posse de uma Bíblia é motivo de prisão; onde mil­hões de cidadãos e suas famílias amargam pela eternidade em cam­pos de con­cen­tração até piores que os nazis­tas; onde as penas pas­sam das pes­soas dos supos­tos infratores alcançando sua ascendên­cia, descendên­cia e colat­erais. Não esta­mos falando de fatos pas­sa­dos, mas sim, que estão acon­te­cendo neste momento.

Pois é, não se ouviu nen­hum protesto e o vereador con­tinua no seu cargo.

É o mesmo silên­cio cúm­plice que se observa em relação ao que acon­tece em Cuba, na China, no Cam­boja e na Venezuela. Mod­e­los políti­cos do pre­sente recon­heci­dos pela opressão política aos opos­i­tores, as divergên­cias, e pelas vio­lações dos dire­itos humanos.

Para estes – e para os crimes con­tra a humanidade que estão sendo prat­i­ca­dos neste momento –, os nos­sos políti­cos dis­pen­sam aplau­sos e moções e não se ouve de enti­dades da sociedade e dos seus adu­ladores, um lamento ou protesto.

Por último, na falta do que fazer ou pela falta de ver­gonha na cara, estes mes­mos políti­cos estavam defend­endo a ditadura teocrática do Irã, outro régime recon­hecido pelos mas­sacres con­tra a pop­u­lação que ouse protes­tar e pelos assas­si­natos das pes­soas que não vivem con­forme a “car­tilha” do régime ou mesmo por pos­suírem uma ori­en­tação sex­ual difer­ente. Descon­hecem a exe­cução pública de homos­sex­u­ais no Irã e tan­tas out­ras vio­lações con­tra mul­heres e/​ou minorias?

Custo a com­preen­der como uma tosca apolo­gia a um mod­elo, já exe­crado no pas­sado, cause mais protestos que as apolo­gias a mod­e­los pre­sentes tão ou mais crim­i­nosos que aque­les.

Defin­i­ti­va­mente, vive­mos tem­pos estranhos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.