A MORTE DA SENSATEZ.
Por Abdon Marinho.
ACABARA de chegar, depois de uma semana no interior, quando recebi a ligação de um amigo querido convidando-me para o lançamento de seu livro na semana seguinte. Brincalhão, disse tratar-se de um evento simples e para poucas pessoas, enfatizando que estas eram das que podíamos discordar sem correr o risco de virarmos inimigos eternos.
A partir daí, passamos a trocar algumas impressões sobre o clima radicalizado das relações pessoais e políticas que domina o país no qual você, obrigatoriamente, tem que escolher um “lado”, conviver com seus iguais e satanizar os que pensam diferente.
Concluímos que no Brasil, a única certeza é a morte da sensatez. Ela, a sensatez, morreu assassinada pela intolerância política que domina nossos dias.
Lembrei ao amigo a famosa frase atribuída a Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, ou simplesmente, Tom Jobim, nascido no Rio de Janeiro aos 25 de janeiro de 1927 e falecido em em Nova Iorque em 8 de dezembro de 1994, segundo o qual “o Brasil não é para principiantes”.
Rimos e nos despedimos com a promessa de que tentaria me fazer presente ao lançamento do livro, diante da própria dificuldade de locomoção e de morar longe do local do evento.
Nos dias seguintes pus-me a pensar na frase do maestro brasileiro (até no nome) sobre as complexidades do nosso país concluindo que ele estava longe de imaginar o alcance de sua frase em relação à quadra atual da realidade nacional.
Em pouco mais de uma semana convivemos com fatos capazes de redimensionar a frase do compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro.
A semana iniciou sob o impacto da divulgação por uma revista semanal de que o ex-presidente e presidiário condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, Luís Inácio Lula da Silva, seria um dos autores intelectuais da tortura e homicídio do ex-prefeito de Santo André/SP, Celso Daniel, ocorrido no início do ano de 2002, do seu próprio partido, supostamente, por este ter descoberto e se recusado a participar de um esquema de propinas na prefeitura dirigida por ele, promovido pelo partido de ambos.
A revelação foi feita pelo “operador” dos esquemas de corrupção do partido, condenado no famoso escândalo do mensalão, Marcos Valério, que durante anos abasteceu de dinheiro público a gula dos companheiros, até ter sua ação revelada pelo ex-deputado Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro — PTB, em 2005.
O Partido dos Trabalhadores — PT ainda se ocupava dos desmentidos protocolares e as contumazes alegações de perseguição – mas trazendo como elemento novo: a alegação de que o crime que “não cometeram” suas lideranças estaria prescrito nos termos da legislação penal –, quando os atuais inquilinos do Palácio do Planalto, talvez, tomados pela “inveja” da atenção dispensada aos arquirrivais passaram a chamar a atenção para as suas peripécias.
Começou com o próprio presidente divulgando em sua rede social o famoso vídeo do “leão e as hienas”, onde ele seria o leão sendo atacado por uma família de hienídeos, os mesmos identificados por partido, STF, etc.
O “chiste” mais do que impróprio para um presidente da República feriu os brios dos ministros da Corte que, como se tornou comum, correram para a mídia para reclamar do “ataque” institucional que estavam sofrendo.
Era só o começo!
Já no dia seguinte a principal emissora de televisão aberta do país, a Rede Globo, no seu principal jornal, o Jornal Nacional, levou ao ar densa matéria na qual insinuava através do depoimento de um porteiro, ter havido alguma participação do presidente da República no assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Silva, ocorrido já há quase dois anos, em que as investigações realizadas mais confundem que esclarecem.
A matéria não ouviu o presidente ou sua assessoria antes da veiculação, apesar de uma equipe da emissora seguir os passos da comitiva presidencial na tour pela Ásia e Oriente Médio.
A forma como a matéria foi disposta – não pelo conteúdo, uma vez que existindo interesse público, tudo pode e deve ser divulgado –, suscitou duras críticas de alguns articulistas “independentes” e, até mesmo, de outras emissoras mais alinhadas ao governo.
O presidente, fiel ao estilo “bateu, levou” e devoto do ditado de que “remédio de doido é doido e meio”, lá mesmo da Arábia Saudita, na madrugada, pelo horário oficial de Brasília, disparou duríssimas acusações contra a emissora da família e contra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Visivelmente emocionado e transtornado, acredita-se que diante de uma acusação injusta, sua excelência elevou o tom contra a emissora, seus profissionais e contra o governador do estado, não os poupando de epítetos como canalhas, patifes, e diversos outros,
Em depoimento à polícia o porteiro teria dito que o suposto matador da vereadora teria estado no condomínio onde residia o presidente e a ele teria adentrado através de uma autorização do próprio “seu Jair”.
Na sua resposta através da “live” na madrugada, o presidente provou que naquele dia não se encontrava no Rio de Janeiro e sim em Brasília, tendo o painel de votação da Câmara dos Deputados registrado sua presença em dois momentos, o que tornaria inviável o depoimento do porteiro.
O próprio Ministério Público, que acompanha as investigações, afirmou através de nota e de entrevista coletiva que o depoimento do porteiro se chocava com as provas técnicas colacionadas aos autos onde consta, inclusive o áudio da autorização do ingresso do suposto criminoso que fora se encontrar com o outro implicado na morte da vereadora.
Apesar da oposição e seus seguidores tentarem estabelecer uma narrativa implicando o presidente no crime abjeto, até então, apesar dos excessos cometidos na “defesa bateu, levou”, a audiência estava favorável a ele, seria uma vitória quase que por nocaute (literalmente) contra a acusação de homicídio qualificado contra a vereadora e seu motorista, não passando de infelizes coincidências o fato de um dos suspeitos de envolvimento no crime morar no mesmo condomínio que ele, um dos seus filhos ter namorado (ou namorar) a filha do implicado ou mesmo a afeição que ele e seus familiares sempre demonstraram com pessoas envolvidas com as milícias.
O presidente e seus seguidores não tiveram tempo de festejar a “vitória” contra os “detratores”.
Já no mesmo dia (ou no seguinte, como estava em viagem o acompanhamento dos fatos restou prejudicado), foi a vez do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais votado do país, meter-se a falar sobre política internacional a um canal do YouTube comandado pela jornalista Leda Nagle.
Ao discutir os protestos no Equador, Peru, Bolívia e Chile, enxergou um movimento orquestrado por comunistas financiados por Cuba ou Venezuela, sugerindo que se caso tais movimentos aportassem por aqui uma das alternativas seria a adoção de instrumentos como o Ato Institucional nº. 05, o AI-5, como ficou conhecido, lançado mão pelo régime militar em 13 de dezembro de 1968, que “endureceu o régime”, cassou mandatos, fechou o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, sem contar as prisões arbitrárias, a repressão e a tortura.
A verdade é que o deputado não poderia ser mais infeliz.
Até aqui, apesar do festival de insanidades que toma conta das instituições do país, sem exceção, não temos assistido a qualquer movimento com “força política” suficiente para levar o país a um clima de instabilidade, pelo contrário, a inflação, que era o flagelo de outrora, deve fechar o ano na casa dos 3% (três por cento); a taxa de juros que no governo anterior, beirou os 15% (quinze por cento), hoje está em 5% (cinco por cento), a mais baixa de toda a história; a Bolsa de Valores fechou a semana acima dos 108 mil pontos, outro recorde histórico, e com tendência de crescimento.
A insensatez do deputado federal revigorou o discurso oposicionista que ameaçou (ou já protocolou) pedido de cassação de mandato e ganhou o repúdio de diversos setores da sociedade.
Vejam que até o ex-presidente Sarney, que se criou à sombra do régime militar só deixando de apoiá-lo quando este vivia seus estertores, em 1984, achou-se no direito de criticar o deputado pela triste lembrança de reedição do instrumento da ditadura militar, que ele apoiou.
Isso sem falar nos novos/velhos oportunistas de sempre – que dispensarei da audiência de lhes citar os nomes –, que a despeito de apoiarem ditaduras sanguinárias como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte, só para citar as mais demoníacas, saíram em busca da cruz para crucificar o deputado, que errou por ignorância ou estupidez, mas que não o diferencia dos seus críticos que rendem homenagens aos piores ditadores da história da humanidade.
Não pensem que acabou. Para fechar a semana (se nada de novo surgir) na terra da insensatez, na esteira da tolice do filho presidencial zero três, surgiu a denúncia de que o presidente teria subtraído o áudio do condomínio onde morava, favorecendo o discurso da posição que anunciou uma representação ao STF por “obstrução de justiça” e um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados.
Esqueci alguma coisa? Não!?
E assim termina mais uma semana neste país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, que nas palavras do artista não é lugar para principiantes. Ufa!
Abdon Marinho é advogado.