Quem tem medo do povo?
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- Criado: Terça, 10 Março 2020 22:10
- Escrito por Abdon Marinho
QUEM TEM MEDO DO POVO?
Por Abdon Marinho.
A CONSTITUIÇÃO federal, no seu artigo 1º., parágrafo único, estabelece: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Dito isso, torna-se desnecessário assentar a supremacia que exerce o conjunto dos cidadãos, o povo, sobre os seus representantes eleitos ou indicados e, até mesmo, sobre os poderes constituídos.
O povo é destinatário derradeiro e primeiro senhor dos destinos da nação.
Nos últimos dias temos assistido a uma verdadeira campanha contra uma manifestação em defesa do governo programada para o dia 15 de março.
Daí a necessidade de pontuar tais assertivas diante de surtos autoritários de certos aprendizes de ditador que teimam em querer proibir livres e ordeiras manifestações públicas de crítica e/ou reivindicações aos poderes da República e aos seus representantes.
O comportamento destas autoridades, contrárias à livre manifestação de pensamento e expressão, permitidas nos termos da constituição, artigo 5º., “XVI — todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”, representa, sim, uma grave violação às liberdades e garantias individuais.
Embora não ache recomendável que um presidente da República faça convocações por manifestações públicas – soa como se duvidasse da própria legitimidade –, mas há precedentes, Collor fez isso, anteriormente João Goulart, também fez, tal fato não é grave, menos ainda, “gravíssimo” como a afetação de alguns apregoa.
Fato, efetivamente grave, é tentar impedir a livre manifestação da sociedade.
Esse direito – de convocar e se manifestar de forma pacifica em qualquer praça do pais –, é assegurado e inquestionável desde a promulgação da Constituição de 1988, e até mesmo antes, ainda na vigência da carta anterior, em pleno período ditatorial, os cidadãos foram às ruas protestar contra o régime militar, por eleições diretas, por constituinte, por tudo.
Mesmo os militares – embora desejassem, nos extertores do régime –, nunca foram dizer sobre o que a população tinha o direito de protestar ou não; ou impor as faixas que os manifestantes iriam levantar nas praças.
A sociedade brasileira lutou muito para ter esse direito. Durante toda a história, durante os hiatos democráticos – e algumas vezes, mesmo nos períodos de exceção –, esse foi um direito inquestionável.
Desde 1985 o Brasil vive um período de democracia plena.
Nestes anos, milhares de vezes o povo foi às ruas lutar por direitos, protestar contra o que acham errado.
Não tenho notícias de ninguém tentando impedir suas manifestações ou impondo pautas.
Por isso mesmo que acho grave que uma autoridade pública se “assanhe” para dizer que esse protesto pode, esse não pode; ou que se “vista” de censor das livres manifestações das ruas.
Nunca é demais repetir: o povo é a autoridade derradeira da nação e, portanto, livre para se manifestar sobre o que quiser, sem que ninguém, muito menos supostas autoridades venham censurar ou impor pautas.
Reparem que são os mesmos iluminados que falam haver uma escalada autoritária no país que criticam e querem impedir livres a pacíficas manifestações populares.
Quem é autoritário?
Dê-se a César o que é de César. O “autoritário” presidente da República, desde que assumiu que é criticado, sofre questionamentos de toda ordem – legítimos ou não –, em nenhum momento se teve notícias de alguma proposta ou sugestão de se “proibir” protestos.
Agora mesmo, apesar do fracasso das manifestações, houve protestos contra ele em quase todas as capitais por ocasião do dia internacional da mulher.
Agora mesmo, movimentos de trabalhadores rurais, com violência, invadiram e depredaram prédios públicos.
Houve repressão? Houve alguma contenção, mesmo com uso moderado da força? Não. Todos protestaram da forma que quiseram, mesmo indevidamente – já que Constituição assegura as manifestações pacíficas.
Já pelo lado dos “democratas”, em plena democracia, falam em vetar e criticam uma garantia constitucional e, até, pasmem, querem impor pautas.
Mas autoritários são os integrantes do governo federal, os chamados “bolsominios”. E, sim, deve ter muitas pessoas autoritárias fazendo parte do governo; muitos com ideias e pautas horrorosas.
O próprio presidente é um desastre ambulante, uma usina de crises.
Mas, pelo menos, até aqui, todos têm se manifestado livremente.
Situação diversa é a que vivemos no Maranhão, estado governado por um dos mais ácidos críticos do governo e que, desde a posse do mesmo, tem movido céu e terra para se fazer notar como seu opositor.
Por aqui, desde que os comunistas chegaram ao poder, ninguém consegue chegar perto palácio do governo para protestar. Não consegue, nem subir as ladeiras da beira-mar rumo aos Leões, são impedidos por barricadas e cordões de isolamento.
Quando, excepcionalmente, conseguem, são escorraçados de forma violenta, como foi a comunidade do Cajueiro, tempos atrás. Expulsos de suas casas de forma violenta durante o dia, a noite, enquanto protestavam foram dispersados, às vistas do governador, com excesso de força, em operação comandada pessoalmente pelo secretário de segurança.
Este não foi um caso isolado. O mesmo aconteceu com os dezenas de aspirantes a policiais, que foram tirados de seus empregos para fazerem curso de formação e depois disso o governo não os nomeou, causando-lhes diversos prejuízos.
Quem tem medo do povo? Quem nunca o reprimiu ou quem não quer nem ouvir seus protestos?
Nas ruas os que não querem o povo protestando, talvez prefiram monumentais e coreografados desfiles militares, como aqueles que nos oferecem a Coreia do Norte, a China e, no passado, extinta União Soviética.
Pois é, ficamos sabendo, que o governador do estado aprendeu o respeito à tolerância, à diversidade e ao pensamento divergente direto na Bíblia, tanto assim que outro dia, numa interpretação bem particular do livro Sagrado e/ou utilizando seus ensinamentos em sentido diverso, acentuou: “Quem não está comigo, está contra mim”.
A respeito do protesto programado para o dia 15 de março, como já disse em um texto anterior, poucas vezes tivermos uma pauta tão justa.
O Congresso Nacional é um dos mais caros do mundo (se não o mais caro) e dos menos produtivos.
Seus integrantes levam uma vida nababesca às custas dos contribuintes e, quando chamados a cumprirem seu papel, só o fazem em troca de benesses pessoais – com poucas e raras excessões.
Foi assim na reforma da previdência. Todos sabiam e estavam de acordo da necessidade de fazê-la mas só a concluíram após o governo liberar infinitos recursos do orçamento para suas bases eleitorais. Recursos esses, que na grande parte das vezes voltam para os bolsos das excelências. Isso já não é segredo, fazem as escâncaras.
Não satisfeitos com este modelo de chantagem – esse é o nome correto para o que fazem –, as excelências resolveram acabar com o secular conceito da separação de poderes, e querem, a partir de então “executar” o orçamento da união. Queriam 30 bilhões. O governo, equivocadamente, cedeu 15 bilhões.
Está tudo errado. A Constituição da República não alberga esse tipo competência que o Congresso Nacional resolveu se atribuir.
Os artigos 48 e 49 da constituição, que tratam das atribuições e competências do Congresso Nacional, não traz, em nenhum momento, a autorização para fazerem o que pretendem.
Cabe ao congresso, entre outras coisas: “IX — julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X — fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;”.
Ora, se o Congresso Nacional vai executar o orçamento, ele próprio vai apreciar suas contas?
Trata-se, portanto, de uma ingerência indevida nas atribuições de outro poder.
As excelências decidiram criar um “parlamentarismo irresponsável”, dispõem do recursos públicos e prestam contas a si mesmo.
O que os líderes do Congresso Nacional pretendem é algo tão escandaloso que mesmo alguns adversários do governo, se colocaram (e se colocam) publicamente contra.
Os mais lúcidos sabem que uma expressiva quantidade de parlamentares não querem “executar” orçamento coisa nenhuma, querem, na verdade, “roubar” os recursos públicos que deveriam ir para saúde, educação, assistência, infraestrutura, cultura, etc. – o nome correto é esse: querem roubar os recursos públicos.
Os que se colocam contra o fato da população protestar contra um congresso que quer fazer tal coisa, não apenas está indo contra uma expressa disposição constitucional, está sendo cúmplice de um assalto aos cofres públicos.
Os cidadãos não apenas têm o direto de irem às ruas protestarem. No caso presente, os bons cidadãos – eleitores ou não do atual presidente –, têm o dever de fazê-lo.
Os cidadãos devem protestar não apenas contra o Congresso Nacional, devem protestar, também, contra o Supremo Tribunal Federal, que se mantém omisso ou cúmplice, pelo silêncio, diante de tamanho absurdo.
Como já dizia o poeta baiano Castro Alves há 150 anos: “A praça é povo como o céu é do condor”.
Vamos à elas!
Abdon Marinho é advogado.