A VITÓRIA DOS ÍMPIOS.
Por Abdon Marinho
CERTA VEZ um amigo, já mais ido nos anos que eu, indagou-me: — Abdon, viveremos para testemunharmos a vitória do bem sobre o mal?
Durante dias fiquei com a indagação na cabeça. Por diversas vezes encenei escrever sobre o tema sem no entanto alcançar toda a dramaticidade da situação, a angústia de um cidadão – falando não apenas sobre a sua geração, mas, na verdade, de diversas gerações –, diante de um flagrante fracasso civilizatório.
Com o final do ano chegando – quando nos dedicamos aos balanços da vida –, voltei a pensar na inquietação deste amigo (que também é minha) sobre termos fracassados em legar para as gerações futuras um mundo melhor, ou mesmo, um país, ou um estado, melhores.
O meu amigo, passando dos setenta e eu com cinquenta, já temos “um apurado” da vida, já sabemos o que fizemos.
A morte (minha e dele) à espreita logo ali, já temos muito mais tempo vivido do que por viver, conforme a ordem natural das coisas e, no entanto, a sensação que sobra é a da derrota. O mal venceu, não sabemos por quanto tempo mais estaremos subjugados pelos ímpios. Mas, sabemos, aqueles que dominam agora são que continuarão a dominar por muito tempo.
O nosso país é uma nação dividida pelo ódio, enquanto os corruptos de ambos os lados se locupletam do dinheiro público.
As provas disso estão aí, à vista de todos.
No Brasil os políticos (e também outros agentes públicos) enricam, de forma assustadora, nos mandatos para os quais foram eleitos para representarem e defenderem os interesses do povo.
Isso não acontece porque economizam os faustos salários (dos mais altos do mundo), mas sim, porque “privatizam” em proveito próprio, partes dos recursos da nação.
Antigamente os políticos queriam levar uma obra estruturante para suas bases eleitorais para serem reconhecidos e obterem os votos daquelas comunas. Hoje, levam para qualquer lugar em troca de vantagem. Segundo dizem, até vendem suas “emendas” previamente para fazerem recursos.
Mas, não estavam satisfeitos só em indicarem emendas para as obras aqui ou acolá, em benefício próprio, aprovaram mecanismos legais que as tornassem “impositivas”, qual seja, suas emendas, obrigatoriamente, precisam ser liberadas.
E, foram além, na desfaçatez, agora querem “mandar” diretamente as emendas aos governos estaduais e/ou municipais sem qualquer controle da União.
Será que alguém, ainda a mais pura das almas, tem dúvidas sobre o que pretendem?
Não pensem que se deram por satisfeitos. Legislando em causa própria, acharam que deveriam criar um fundo partidário. Inicialmente um fundo modesto, formado, basicamente de verbas oriundas de multas e outras sobras orçamentárias. Estava pouco, resolveram “turbinar” o fundo para a casa dos bilhões.
Como ninguém (ou quase ninguém) esboçou sinal de protesto, resolveram criar um fundo eleitoral.
Ora, nada mais normal, pensaram: se as empresas não podem doar e os cidadãos não estão convencidos dos “nossos” propósitos, que aprovemos um fundo para “bancar” nossas eleições.
E assim fizeram, criaram um fundo bilionário e como não haviam recursos suficientes, acharam devido que avançassem sobre os recursos da educação e da saúde dos cidadãos, além das verbas para obras estruturantes.
Não é segredo que a educação pública brasileira é caótica e a saúde dispensa qualquer comentário. Mas, suas excelências decidiram que devem retirar recursos que seriam destinados a estas áreas para bancar suas eleições – ou simplesmente desviarem, como já ficou provado.
É assim que os políticos enricam no curso de seus mandatos e, também, fazendo todo tipo de traficância, vendendo leis e abrindo facilidades aos corruptores as custas dos recursos da nação.
A farra desenfreada do Congresso Nacional não é distinta da que observamos em outros poderes ou instituições (pouco)republicanas.
Recentemente uma revista nacional, a Revista Veja – que outro dia o Partido dos Trabalhadores a tinha como panfleto –, divulgou o patrimônio da família Lula da Silva, que antes do ex-presidente Lula chegar ao poder levava uma vida modesta, classe média baixa, treze anos de PT no poder, foram suficientes para fazer a todos da família milionários.
A origem da fortuna, descortinada por investigações é a velha companheira dos poderosos do Brasil, a corrupção, a sangria dos cofres públicos.
A família Lula da Silva é apenas um exemplo, usado aqui para demonstrar que mesmo aqueles que tiveram como bandeira de luta o combate à corrupção, a ela sucumbiu sem muitos pudores.
Se, em algum momento, tivemos a esperança de que à corrupção seria combatida com afinco a partir dos êxitos da “Operação Lava Jato”, na atual quadra política, sabemos que isso não passou de um sonho.
As elites políticas do Executivo, Legislativo e Judiciário, trabalham em sentido contrário.
Com a falsa desculpa de que estão protegendo a sociedade fizeram leis e tomaram decisões no sentido de perpetuar a impunidade, conforme já tratamos disso, aqui mesmo, inúmeras vezes.
Como podemos ter alguma esperança de uma vitória do bem sobre o mal? Não, não temos.
O Brasil caminha para um um estágio de coisas onde a atual elite política vai se perpetuar no poder, pois dominam as máquinas partidárias e os recursos públicos, pessoas de bem e/ou independentes não terão qualquer chance de disputar com eles espaços de poder.
O Poder Judiciário e/ou o Ministério Público que têm o dever de estarem atentos para adotar medidas em defesa da sociedade – já estamos cansados de saber –, caminham para irrelevância e a desmoralização.
Cada dia que passa a sociedade confia menos nestas instituições.
E não adianta culpar a sociedade por suas desconfianças. Foram elas que buscaram isso, com suas decisões ao sabor das conveniências, com o eterno compadrio, com os maus exemplos. Como alguém pode achar razoável que uma decisão judicial deva ser anulada pelo fato do juiz de primeira instância, seguindo a lei, não ter “adivinhado” que, no futuro, \ o Supremo Tribunal Federal — STF, iria criar uma regra com base em uma norma não escrita? Como alguém pode achar razoável que em um país onde uma grande parcela da população sobrevive com um salário mínimo, tenha magistrado que em apenas um mês receba mais de um milhão de reais, ainda que isso seja legal?
Uma piada se tornou usual nos nossos tempos, segundo ela, se você é rico, você contrata um bom escritório de advocacia, mas se você for muito rico, muito poderoso, você contrata o Supremo Tribunal Federal.
É uma piada, claro, mas não deixa de ter seu fundo de verdade – se aplicar a outras esferas judiciais.
Quando “descemos” ao Maranhão, a possibilidade do bem vencer o mal ganha cores mais dramáticas.
Durante décadas (quase cinco), o “mal” foi identificado como sendo o grupo Sarney, uma âncora a segurar o estado em atraso secular.
Depois de muita luta – de gerações –, alterou-se o comando do estado e, cinco anos depois, constatamos que nada – ou quase nada –, mudou, e o que mudou foi para pior.
Os atuais donatários do poder não apenas continuaram com as velhas práticas, como adotaram outras bem mais nefastas a qualquer ideia do que seja democracia.
Basta dizer que não temos mais debate político, o parlamento é uma espécie de “chancelaria” do Poder Executivo, servindo para dizer “sim, senhor” na hora, e como, o governante quer.
As provas disso estão aí para quem quiser conferir. Já vimos o parlamento aprovar medidas quase que por unanimidade e depois, quando a matéria é vetada, o mesmos parlamentares manterem o veto sem qualquer questionamento.
Não faz muito tempo, atendendo a solicitação do Poder Executivo, a Assembleia Legislativa aprovou mudanças na contribuição previdenciária dos servidores.
Atendia a um comando da Emenda Constitucional nº. 103, de 12 de novembro de 2019. Quanto a isso não se discute, o que mereceu atenção foi o fato dos parlamentares terem aprovado o projeto de lei sem qualquer discussão, em menos de 24 horas, e, assim mesmo, porque parlamentares da oposição pediram vistas do projeto, senão a aprovação teria se dado em questão de horas.
A alternância no poder que prometeu desenvolvimento e democracia, temos-a trabalhando em sentido inverso.
O debate político foi totalmente interditado no parlamento e nas ruas; a imprensa local se encontra totalmente dominada, e, com os poucos que teimam em escrever algo dissonante do poder, sendo processados pelas as autoridades e, pasmem, pelo próprio estado.
Essa é a democracia prometida?
Outro dia um fato me chamou atenção. Um amigo me mandou o artigo de um juiz de direito que fazia referência a um texto que havia escrito justamente sobre a forma de aprovação do projeto de lei sobre as mudanças nas alíquotas previdenciárias.
Quando cliquei no link da matéria descobri que a mesma tinha “sumido” do blogue que a publicou. Só depois pude ler o texto é assim mesmo porque me mandaram por WhatsApp.
O texto nunca mais voltou ao blogue. Até hoje não sei se a “censura” se deu por iniciativa do jornalista, atendendo sabe se lá o quê, ou, por iniciativa do próprio magistrado.
O certo é que um texto que não tinha nada demais, nada ofensivo, sofreu uma brutal censura.
Como acreditar em democracia, liberdade, triunfo do bem diante de tais coisas?
O poder executivo domina totalmente o legislativo, os meios de comunicação, as entidades de classe e, dizem, o judiciário local, inclusive, com intervenções indevidas na escolha dos dirigentes daquele poder.
A realidade do Maranhão é de “semi-ditadura”, onde um poder central domina todos os demais e as instituições, e, a despeito disso não apresenta os resultados esperados.
Nos últimos cinco anos não reduziram a mísera – pelo contrário, a aumentaram –, não melhoram nenhum dos indicadores africanos do estado, que continua na “rabeira” de tudo, quebraram a previdência dos servidores e festejam por conseguirem (ainda) pagar os salários e pensões dos servidores.
Faltou dinheiro? Não, faltou competência. Se compararmos as receitas oriundas da arrecadação própria e dos repasses constitucionais, veremos que, apesar da crise que assola o país, no Maranhão, elas melhoram em cerca de 50% (cinquenta por cento), conforme levantamento de um jornal local.
Refletindo sobre a angústia do meu amigo, que me trouxe até aqui, tenho por certo que o Maranhão piorou, e, pior, não tem perspectiva de melhora. É só olhar para o que nos reserva o futuro.
O mal venceu e continuará a mandar nos cidadãos de bem.
Abdon Marinho é advogado.