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Carta a Wal­ter Rodrigues — Tem­pos Sombrios.

Escrito por Abdon Mar­inho

CARTA A WAL­TER RODRIGUESTEM­POS SOMBRIOS.

São José de Riba­mar, 16 de out­ubro de 2019.

Meu carís­simo Walter,

NESTE DIA, em que pelo cal­endário comum estarias com­ple­tando 70 anos, resolvi escrever-​te mais uma vez. Já faz muito tempo desde quando expus a ti min­has ideias sobre o momento político brasileiro e maran­hense.

Dev­eras que fazes muita falta na análise dos fatos destes dias e até é provável que estivesses dis­cor­dando do meu desalento em relação a tudo que assisto.

Em relação ao Brasil, acred­ito que muitas das con­quis­tas democráti­cas cor­rem o risco de desaparecerem.

Assisto com muita pre­ocu­pação as insti­tu­ições se dis­solverem.

Em diver­sos escritos tenho denun­ci­ado o novo “pacto das elites”, envol­vendo as mais ele­vadas fig­uras dos poderes da nação, numa estraté­gia sór­dida de pro­teção mútua e con­tra qual­quer punição pelos malfeitos cometi­dos.

A palavra de ordem é: ninguém solta a mão de ninguém. Os “grandes” se pro­tegem, ainda que para isso ten­ham que sac­ri­ficar a nação.

Imag­ine que a mais ele­vada Corte do país, para anu­lar con­de­nações de con­tu­mazes cor­rup­tos decidiu, desafiando o Código de Processo Penal, de 1973, que nos proces­sos em que ten­ham dela­tores e delata­dos, estes dev­erão falar em tem­pos dis­tin­tos nas chamadas ale­gações finais.

Ora, sem­pre tive­mos dela­tores e delata­dos nos proces­sos penais e durante quase cinquenta anos, nesta fase proces­sual todos falaram no mesmo tempo.

Qual a razão disso agora, meio século depois?

Uma só. Anu­lar as sen­tenças daque­les que foram apan­hados roubando a nação.

Queres mais? Segundo dizem o Supremo dev­erá mudar sua jurisprudên­cia que, inclu­sive, foi reafir­mada recen­te­mente, em 2016, quanto à exe­cução da pena após a segunda instância.

Do ponto de vista doutrinário, em que pese rarís­si­mos países adotarem o cumpri­mento da pena após o trân­sito em jul­gado, é uma dis­cussão inter­es­sante.

Acon­tece que não se trata disso. Mais uma vez, como no exem­plo ante­rior, a ideia é ben­e­fi­ciar os cor­rup­tos de sem­pre, os que saque­aram a nação.

Ninguém está pre­ocu­pado com o Dire­ito ou Justiça. Querem, tão somente, pro­te­ger os seus, ainda que para isso ten­ham que soltar mil­hares con­de­na­dos pelos crimes mais diver­sos e graves, segundo infor­mação do próprio Con­selho Nacional de Justiça – CNJ.

Durante quase cinquenta anos não se pre­ocu­param com o “cidadão” e agora pas­saram a se preocupar?

As devem ser ditas pelo nome: o STF trama para soltar seus ban­di­dos de esti­mação.

Se olhar­mos para os out­ros poderes da República, o desalento só aumenta: temos um Poder Exec­u­tivo que a maior parte das vezes se ocupa de resolver as crises que ele próprio criou ou de fazer tem­pes­tades em copos d’água; e um Poder Leg­isla­tivo que não se con­strange em par­tir para a chan­tagem explícita ou em leg­is­lar em causa própria.

O Brasil inven­tou um mod­elo par­la­men­tarista onde os par­la­mentares man­dam sem qual­quer ônus e sem quais­quer respon­s­abil­i­dades.

Chega a ser patético assi­s­tir­mos a comunhão de inter­esses entre os denom­i­na­dos de esquerda e os de dire­ita na defesa da cor­rupção e da impunidade.

O cenário estad­ual é muito pior que o nacional. Enquanto para o Brasil existe alguma pos­si­bil­i­dade de mudança a par­tir das eleições de 2022, no Maran­hão as mudanças que se desen­ham, pelo menos até aqui, são para pior.

Como sabes – e é até provável que já o tenha encon­trado por aí –, no último agosto dos des­gos­tos perdemos o amigo Celso Véras.

Naquela manhã, enquanto velá­va­mos o morto, eu e out­ros ami­gos, como Con­ceição Andrade, Juarez Medeiros, Zé Costa, Roberto de Paula, falá­va­mos de sua con­tribuição na resistên­cia à ditadura ou na luta pelos dire­itos humanos nos anos de chumbo e da sua influên­cia para a for­mação de novas lid­er­anças políti­cas no estado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, um sábado, quando voltei para casa fiquei refletindo sobre a história política do estado.

A luta de ger­ações, primeiro con­tra a ditadura mil­i­tar, depois pela alternân­cia de poder e con­tra o sarneísmo.

A ditadura chegou ao fim em 1985. Em 1994 e 1998, com o fale­cido senador Epitá­cio Cafeteira, ten­ta­mos, sem êxito, a alternân­cia polit­ica no estado.

Ape­nas em 2006, com a vitória de Jack­son Lago, o sarneísmo sofreu seu primeiro revés. Dev­ido a força política em âmbito nacional, Sar­ney reto­mou o poder dois anos depois e, ape­nas em 2014, perdeu, defin­i­ti­va­mente, o poder no estado para os comu­nistas.

Sabes bem que a luta sem­pre foi pela alternân­cia e a par­tir dela levar­mos o Maran­hão ao desen­volvi­mento pleno.

Tenho dito, nos meus escritos – e tam­bém aos ami­gos mais próx­i­mos –, que o desen­volvi­mento acon­te­cerá, cedo ou tarde – e ape­sar dos gov­er­nantes que temos. Porém, cinco anos depois da son­hada alternân­cia o que temos visto é a mis­éria abso­luta aumen­tar assus­ta­do­ra­mente, dizem que o aumento passa de 40% (quarenta por cento) nos últi­mos qua­tro anos; é o estado sem qual­quer capaci­dade de inves­ti­mento em obras estru­tu­rantes e mal podendo pagar sua folha de pes­soal; é a pre­v­idên­cia dos fun­cionários públi­cos entrar em colapso.

Novo gov­erno, vel­has práticas.

Difer­ente do que pen­sá­va­mos, os atu­ais gov­er­nantes não son­haram os mes­mos son­hos que as ger­ações que os pre­ced­eram. Eles têm um pro­jeto de poder próprio que é indifer­ente ao des­tino do estado. Tanto assim que, cinco anos depois, bus­caram uma aliança com o Sar­ney. Sim o mesmo Sar­ney que apoiou o régime mil­i­tar e que sem­pre foi com­bat­ido pelas forças políti­cas democráti­cas do estado.

Pen­sei: as vidas de tan­tos com­pan­heiros sac­ri­fi­cadas na luta con­tra o sarneísmo para aque­les que, final­mente, tendo chegado ao poder se vendendo como alternân­cia, aderir ofi­cial­mente ao Sar­ney.

Quando digo “ofi­cial­mente” é ape­nas para realçar o caráter litúr­gico, uma vez que as práti­cas empre­gadas no gov­erno atual­mente não são muito difer­entes das que sem­pre foram empre­gadas nos gov­er­nos ante­ri­ores: o empreguismo, o pat­ri­mo­ni­al­ismo, nas denún­cias de malfeitos, na uti­liza­ção do poder público em bene­fí­cio próprio, e tan­tas out­ras coisas.

Se existe dis­tinção em relação aos gov­er­nos ante­ri­ores, é ape­nas na piora, como na ten­ta­tiva de cri­ação de um pen­sa­mento único, na repressão à liber­dade de expressão, na perseguição aos que não se calam aos desmandos.

Outro dia uma jovem sueca ativista da causa ambi­en­tal dizia que os adul­tos tin­ham rou­bado seus son­hos.

Em relação à política local poderíamos dizer que os atu­ais gov­er­nantes roubaram os son­hos de duas ou três ger­ações, daque­les que lutaram con­tra a ditadura; dos que lutaram con­tra o sarneísmo; daque­les que son­haram com um gov­erno real­izador, cor­reto e volta­dos aos inter­esses da população.

Ao invés disso, quando, final­mente, “cheg­amos” ao poder é para ter­mos um gov­erno eivado de vel­has práti­cas e ali­ado do … Sar­ney.

E por qual razão? Nova­mente, uma só. O sonho do atual gov­er­nador, como sabes, sem­pre foi seguir os pas­sos do Sar­ney, gal­gar os espaços no cenário nacional e inter­na­cional que o velho moru­bix­aba alcançou. Por isso mesmo, sem qual­quer con­strang­i­mento, foi a casa dele pedir “arrego”.

Os seus adu­ladores e até mesmo o próprio, como se fos­sem fiéis dis­cípu­los de Pan­taleão, inven­taram mil e uma des­cul­pas, os riscos à democ­ra­cia, a causa nacional, a defesa da Con­sti­tu­ição, etc. Nada disso, como se dizia no meu inte­rior: foram “pedir penico”.

Outra coisa que sem­pre se dizia lá no meu sertão é que “gal­inha que segue pato, corre o sério risco de mor­rer afo­gada”.

Ape­nas um breve adá­gio para lem­brar ao gov­er­nante que os riscos de ten­tar seguir o Sar­ney é o mesmo da galinha.

Mas de tudo, caro amigo, o que mais me pesa a falta de per­spec­ti­vas, é a deses­per­ança em relação ao porvir.

Arrisco dizer que mais sinto saudades do pas­sado de perseguições do que ale­gria com o que nos reserva o futuro.

Qual o legado politico do atual gov­erno?

Olhamos as opções e o desalento aumenta. Não tem futuro. Não são pes­soas voltadas aos com­pro­mis­sos históri­cos de lutas por justiça social, igual­dade, hon­esti­dade, zelo pelo patrimônio público.

Temo, sin­ce­ra­mente, que no futuro sen­tire­mos saudades da atual mis­éria que cas­tiga nos­sos concidadãos.

Pode­ria me calar diante de tudo que assisto – como, aliás, me recomen­dam as pes­soas sen­sa­tas –, mas foi para isso que tanto luta­mos? Para, como gado, assen­tir como se tudo estivesse bem, só impor­tando a ração diária que recebe?

Neste seu aniver­sário de setenta anos, caro amigo, ao passo em que lamento a tua ausên­cia, a falta que faz nos­sas con­ver­sas de domingo, fico feliz por não teres que pas­sar por tan­tas decepções, por tan­tos dias som­brios do pre­sente e do futuro.

Um afe­tu­oso abraço do amigo,

Abdon Mar­inho.

UMA DEMOC­RA­CIA QUE FLERTA COM A DITADURA.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA DEMOC­RA­CIA QUE FLERTA COM A DITADURA.

Por Abdon Marinho.

EXISTE UMA quase una­n­im­i­dade no mundo: viver sob regimes democráti­cos é infini­ta­mente mel­hor do que sob os regimes total­itários. Tal pre­missa é tão ver­dadeira que mesmo as ditaduras utilizam-​se de todos os mecan­is­mos para não serem apon­tadas como o que são: ditaduras.

No mundo inteiro é assim. Ape­nas os dementes ou aque­les que perderam por com­pleto a empa­tia com os povos que lid­eram ten­tam pas­sar ou se venderem como ditadores.

O Brasil, assim como diver­sas out­ras nações do con­ti­nente, ao longo de suas histórias exper­i­men­ta­ram regimes dita­to­ri­ais com breves inter­stí­cios democráti­cos.

A propen­são à ditaduras é tão enraizada que estu­diosos sérios – e não de hoje –, têm como certo que as ditaduras, no nosso e noutros países da chamada América-​Latina, são cícli­cas e sem­pre estão à espre­ita (ou a ditadura ou um régime populista).

Em meus vagares tenho refletido sobre a situ­ação do país.

A República foi procla­mada como um golpe mil­i­tar em 1889. Se con­sid­er­amos a primeira República como democrática, ainda assim, já em 1930, sofre­mos a primeira rup­tura insti­tu­cional com a chamada “Rev­olução de 30”, pas­sando o país a ser coman­dado por Getúlio Var­gas, como líder pop­ulista ou como dita­dor até 1945.

O período de “nor­mal­i­dade democrática”, com eleições suposta­mente livres, foi até 1964, ou seja, durou menos de 20 anos. A par­tir de 1964 até 1985 tive­mos um régime mil­i­tar, a longa noite de 21 anos.

Na história da República brasileira este é o período de “nor­mal­i­dade” democrática mais longo, con­tando com quase trinta e cinco anos. Tão longo que a democ­ra­cia já insiste em fler­tar com a ditadura. Flerta-​se tanto que já há quem diga que um novo ciclo dita­to­r­ial ainda não se ini­ciou porque nos quar­téis – onde tradi­cional­mente ecoam tais sen­ti­men­tos –, o deserto de lid­er­anças é o mesmo, senão pior que o da vida civil.

Sem con­tar que não existe “afi­nação” entre as lid­er­anças políti­cas civis e as mil­itares.

Ape­nas por isso, segundo dizem, não ocor­reu ainda uma nova rup­tura na ordem institucional.

Repare que não sou defen­sor de qual­quer rup­tura na ordem democrática, pelo con­trário, me coloco frontal­mente con­tra tais aven­turas.

É, jus­ta­mente, por ser con­tra qual­quer rup­tura insti­tu­cional que faço esse breve resumo histórico e alerto a nação para a gravi­dade do momento em que vive­mos.

Enganam-​se aque­les que pen­sam que os golpes mil­itares ocor­reram sem o con­sór­cio da sociedade civil. Talvez isso tenha se dado ape­nas no golpe de 1889, que pôs fim ao Império, quando o que con­tou mesmo foi o “acordão” das elites.

Em todos os demais, ainda que ape­nas no primeiro momento, as rup­turas à ordem insti­tu­cional con­tou com o apoio sig­ni­fica­tivo da pop­u­lação civil, inclu­sive o último, de 1964.

Quando alerto para fato de que a democ­ra­cia brasileira começa a “fler­tar” com um régime de exceção é porque vejo nas ruas e nas “novas ruas”, que aten­dem pelo nome de redes soci­ais, um clima de pro­funda insat­is­fação com as nos­sas insti­tu­ições.

Um exem­plo bem ilus­tra­tivo deste desapreço foi o “não assas­si­nato” do min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, Gilmar Mendes.

Quando o ex-​procurador-​geral da República, Rodrigo Janot, rev­elou, em entre­vista, que plane­jara – e por muito pouco não exe­cu­tara –, o min­istro da mais ele­vada Corte do país, emb­ora tal rev­e­lação tenha cau­sado estu­por entre a classe jurídica e mesmo política, o que mais se viu no seio da sociedade, entre o “povão”, foram os lamen­tos por ele não ter con­seguido dar cabo ao homicí­dio.

Vejam, mesmo a promessa de elim­i­nação física de uma pes­soa, uma autori­dade da mais ele­vada Corte do Brasil, não des­perta sen­ti­men­tos de empa­tia ou sol­i­dariedade, pelo con­trário, o sen­ti­mento de grande parte da pop­u­lação é de frus­tração com “incom­petên­cia’’ do suposto homi­cida.

E dirão: — ah, era o Gilmar!

Uma alusão ao min­istro que desde que assumiu o posto no STF tem con­struído uma sól­ida rep­utação de destru­idor de proces­sos, quase todos favore­cendo a escória cor­rupta que não se con­strange em roubar o país – mas há, tam­bém, os homi­ci­das, os traf­i­cantes, e tan­tos out­ros que sem­pre con­tam com a com­preen­são do min­istro para os seus “malfeitos”. Não foi sem razão que há mais de dez anos, no plenário daquela Corte, o então min­istro Joaquim Bar­bosa, até como desabafo disse em alto e bom som, dirigindo-​se ao min­istro: — Vossa excelên­cia está destru­indo essa corte.

O tempo pas­sou e o min­istro só aumen­tou sua ques­tionável atu­ação. Se vai destruir a corte como vati­ci­nou o ex-​colega, ainda não se sabe.

Mas, difer­ente do que podem imag­i­nar, não é ape­nas o min­istro Gilmar Mendes que tem des­per­tado os instin­tos mais prim­i­tivos da sociedade.

Assim como não é ele soz­inho o respon­sável pela “destru­ição do STF”, caso, de fato, venha a acon­te­cer. A ele já se soma mais de meia dúzia de min­istros que a despeito de diz­erem que estão jul­gando no inter­esse da sociedade, não é assim que estão sendo vis­tos.

Não faz muitos dias suas excelên­cias decidi­ram que na ordem de apre­sen­tação das ale­gações finais nos proces­sos penais os réus delata­dos devem, obri­ga­to­ri­a­mente, falar depois dos réus dela­tores.

A decisão abre uma avenida para anu­lação de um sig­ni­fica­tivo número de sen­tenças de cidadãos já con­de­na­dos.

O Código de Processo Penal é de 1973, ou seja, já tem quase meio século. Lá não con­sta a regra que agora os min­istros impuseram aos proces­sos.

Desde 1973, nunca tive­mos nos mes­mos proces­sos réus dela­tores e delata­dos? Todos eles não falaram no mesmo tempo proces­sual?

Pois bem, os juízes de primeira instân­cia – e as cortes que ref­er­en­daram suas decisões –, terão os proces­sos retor­na­dos ao momento proces­sual ante­rior à sen­tença con­de­natória, para que se obe­deça a uma regra cri­ada, agora, pelos min­istros do STF.

Acho que será a primeira vez na história do mundo que se des­faz uma sen­tença feita em obe­diên­cia à norma escrita.

A “saia justa” cri­ada pelos min­istros é tão justa que já falam em dar um “jeit­inho” na excrescên­cia, criar uma “mod­u­lação” esta­b­ele­cendo os casos em que o entendi­mento “extra-​legal” será apli­cado.

Se pudessem – não duvido que ten­tem –, as excelên­cias diriam que as novas regras extra-​legais se apli­cam nos casos das pes­soas tais e tais.

Mas não pensem que suas excelên­cias estão se dando por sat­is­feitas. Agora mesmo, segundo se noti­cia, estão tra­mando uma maneira de “proibir” qual­quer prisão em segunda instân­cia. Dora­vante, qual­quer crim­i­noso, seja ele homi­cida, estuprador, latro­cida, traf­i­cante, ladrão, cor­rupto, somente poderá ser preso após o chamado “trân­sito em jul­gado” da sen­tença con­de­natória. Se assim for, víti­mas e crim­i­nosos sairão pelas mes­mas por­tas dos tri­bunais nos dias de seus jul­ga­men­tos – se ainda exi­s­tir jul­ga­mento no país.

A “brin­cadeira” rep­re­sen­tará a soltura, segundo esti­ma­ti­vas, de quase 180 mil con­de­na­dos, pelos crimes mais diver­sos.

Me per­gunto se não seria menos oneroso ao país se fizessem um lei esta­b­ele­cendo que deter­mi­nadas pes­soas não poderão ser pre­sas em hipótese alguma. Pode­riam colo­car os nomes das pes­soas inim­putáveis, inclusive.

Este é o nível da nossa Suprema Corte.

Se o STF está assim, podemos imag­i­nar como se encon­tra o par­la­mento. Esse em matéria de ban­dalha não con­segue nos decep­cionar nunca. Não bas­tasse ser o mais caro e per­dulário do mundo, não cansam em bus­car maneiras de aliviar as bur­ras da nação.

Sem qual­quer pudor pas­saram à chan­tagem explícita e a leg­is­lar fla­grante­mente em causa própria.

Os exem­p­los estão aí para quem quiser ver.

Não faz muito tempo as excelên­cias cri­aram a chamada emenda impos­i­tiva. Os val­ores que se despende com as tais emen­das par­la­mentares, hoje, já é muito supe­rior aos recur­sos que o exec­u­tivo gasta com inves­ti­men­tos, excluí­dos os gas­tos prev­i­den­ciários e recur­sos vinculado.

Mas não é só, todos no Brasil, exce­tuando a Polí­cia Fed­eral e o Min­istério Público Fed­eral, sabem ou pelo menos descon­fiam que estas emen­das nada mais são do que uma forma das excelên­cias faz­erem for­tuna às cus­tas do contribuinte.

A nego­ci­ação de emen­das no Con­gresso Nacional e fora dele, parece não ser seg­redo para ninguém, havendo não só a “com­pra” da emenda “na folha”, como crédito futuro, como a nego­ci­ação da mesma no des­tino. Segundo dizem, o “lucro”, depen­dendo do caso, gira, em média, nos trinta por cento.

Claro que devem haver par­la­mentares sérios, decentes. Esses, entre­tanto, já são a exceção da exceção. A larga maio­ria está mesmo é fazendo for­tuna. Noutras palavras, roubando o din­heiro público.

Não pensem que existe lim­ite à ousa­dia dos crim­i­nosos. Agora, para votarem qual­quer matéria, ainda as mais pre­mentes ao inter­esse nacional, condi­cionam à lib­er­ação de suas emen­das. Par­ti­ram para a chan­tagem explícita. Aquilo que ladrões fazem com a arma na mão as excelên­cias fazem com os seus votos no par­la­mento.

Mais que ninguém levaram a sério a ideia de que o voto é uma arma. Arma que usam para nos assaltar.

Tem mais. Não sat­is­feitos com tudo que nos tiram, suas excelên­cias esta­b­ele­ce­ram que nós, con­tribuintes, deve­mos pagar por suas cam­pan­has eleitorais e pelo fun­ciona­mento dos seus par­tidos políti­cos.

Para isso des­ti­naram alguns bil­hões de reais para os fun­dos eleitorais e par­tidários. Na ânsia de come­terem deli­tos, mesmo esses recur­sos, con­forme apu­rado em inúmeros inquéri­tos, dão um jeito de sub­trair em proveito próprio.

Na busca da impunidade cri­aram leis que tor­nam frouxas as regras de fis­cal­iza­ção dos recur­sos públi­cos e mais uma, de abuso de autori­dade, que con­strange pos­síveis inves­ti­gadores.

Tudo isso cos­tu­rado em um “pacto de elites” entre os poderes da nação.

Não é sem motivo que autori­dades são hos­tilizadas quando vis­tas em locais públicos.

Não é sem razão que deve­mos temer pelo futuro da democ­ra­cia brasileira.

E deve­mos per­gun­tar: depois de tudo isso, podemos falar em democracia?

Abdon Mar­inho é advo­gado.

UM ESTADO A SERVIÇO DE UM PRO­JETO POLÍTICO?

Escrito por Abdon Mar­inho

UM ESTADO A SERVIÇO DE PRO­JETO POLÍTICO?

Por Abdon Marinho.

DURANTE muitos anos na década pas­sada o saudoso advo­gado Pedro Leonel Pinto de Car­valho fez uma série de rep­re­sen­tações ao Min­istério Público Estad­ual denun­ciando o que, segundo ele, seria um abuso ou pro­moção pes­soal dos gestores munic­i­pais.

A situ­ação denun­ci­ada dizia respeito à divul­gação em jor­nais – à época as mídias dig­i­tais ainda engat­in­havam –, de even­tos daque­les municí­pios com a pre­sença do prefeito, vereadores, secretários, etc.

Um exem­plo clás­sico de tais rep­re­sen­tações era a divul­gação nos matuti­nos da imagem do prefeito cor­tando o bolo de aniver­sário da urbe, com uma mate­ri­az­inha sobre o fato.

O Min­istério Público Estad­ual “com­prou” a tese da suposta impro­bidade – e out­ras vezes por ini­cia­tiva própria –, e rep­re­sen­tou dezenas, talvez cen­te­nas de gestores ou ex-​gestores. Os cus­tos da denom­i­nada “pro­moção pes­soal”, da “impro­bidade admin­is­tra­tiva”, na maio­ria das vezes não chegava a um salário mín­imo, estourando dois. Não raro os gestores, sequer, haviam “encomen­dado” a divul­gação. Quase sem­pre estava por ocasião do evento algum “esperto” que tirava a foto, a man­dava para o jor­nal e depois apare­cia para cobrar.

Inad­ver­tida­mente (ou ape­nas para se livrar da cobrança) o gestor autor­izava ou deter­mi­nava o paga­mento a algum secretário.

Como disse, os val­ores eram ínfi­mos, duzen­tos, trezen­tos, quin­hen­tos reais, no máx­imo mil reais, ou, em casos excep­cionais, dois mil reais.

Algo tão insignif­i­cante que não jus­ti­fi­caria movi­men­tar a máquina judi­ciária do estado. Que se resolve­ria com uma recomen­dação para que os gestores se abstivessem, a par­tir de então, a faz­erem aquela pro­moção com recur­sos públi­cos.

Em casos extremos poder-​se-​ia acor­dar com os gestores para que fizessem uma doação de igual valor ou até o dobro para um fundo qual­quer de pro­teção à infân­cia, de com­bate à vio­lên­cia, à pobreza, etc.

O MPMA, entre­tanto, preferiu acionar por impro­bidade admin­is­tra­tiva os gestores munic­i­pais, que, como disse, na maio­ria das vezes, nunca encomen­daram pro­moção pes­soal nen­huma – e até seria risível falar-​se em pro­moção pes­soal com um gasto, no pior dos casos, de dois mil reais –, e nem con­hec­i­mento tiveram do que estava acon­te­cendo, pedindo que fos­sem con­de­na­dos nas penas gravís­si­mas da lei que trata do assunto.

Pior foi que o judi­ciário maran­hense, na sua grande maio­ria, embar­cou na tese e con­de­nou os gestores nas penal­i­dades da lei de impro­bidade admin­is­tra­tiva por, suposta­mente, come­terem a pro­moção pes­soal, que nos refe­r­i­mos.

Assim, dezenas, talvez cen­te­nas, de ex-​prefeitos estão como ímpro­bos, por terem apare­cido numa fotografia divul­gada em um jor­nal cor­tando um bolo de aniver­sário da cidade, por terem dilap­i­dado o patrimônio público em duzen­tos, trezen­tos, quin­hen­tos, mil ou dois mil reais.

Poucos sabem, mas a con­de­nação por impro­bidade admin­is­tra­tiva orig­i­nal que levou a cas­sação do mandato do fale­cido ex-​prefeito José Vieira Lins, de Baca­bal, foi uma desta natureza. Ninguém sabe o quanto a parte ou mesmo o Estado gas­tou na movi­men­tação dos proces­sos que tiveram como origem o ex-​gestor, no seu primeiro ou segundo mandato como prefeito, ter “cor­tado o bolo” de aniver­sário da cidade e isso ter sido divul­gado em um jor­nal.

Muitos casos de igual natureza ou semel­hantes, de valor irrisório, já tran­si­taram em jul­gado levando a con­de­nação de diver­sas pes­soas que, a despeito dos peca­dos que ten­ham, estes estão longe de serem os mais graves.

Pois bem, faço todo esse reg­istro para dizer que sem mesmo um pedido de esclarec­i­mento por parte do MPMA, pelo menos, que se saiba pub­li­ca­mente, o gov­erno do estado já executou com a sua comu­ni­cação social perto de meio bil­hão de reais (ou que sejam 400 mil­hões, 300 mil­hões), nos últi­mos cinco anos. Só em 2017, foram mais de 90 mil­hões; em 2018, foram mais 60 mil­hões e a pre­visão para este ano de 2019, é de mais de 60 mil­hões de reais.

Com o avanço da tec­nolo­gia, são recur­sos que, cer­ta­mente, pode­riam ser mel­hor empre­ga­dos em bene­fí­cio da pop­u­lação do nosso estado.

O que os órgãos de con­t­role – não ape­nas o Min­istério Público, mas tam­bém a Assem­bleia Leg­isla­tiva e o Tri­bunal de Con­tas, sem­pre tão valentes quando se trata de prefeitos –, pare­cem não enx­er­gar é que o estado pas­sou a despender seus recur­sos (recur­sos do povo) em bene­fí­cio de um pro­jeto político pes­soal do gov­er­nador.

Desde que chegou ao poder, em 2015, um sonho obses­sivo persegue sua excelên­cia: virar pres­i­dente da República. Nada con­tra, é um dire­ito dele e son­har não custa nada. Quer dizer, não cus­tava.

Em tem­pos de comu­ni­cação instan­tânea pelas mais diver­sas mídias dig­i­tais parece-​me um ver­dadeiro acinte o que o gov­erno estad­ual vem gas­tando com a comu­ni­cação de suas ações, sobre­tudo, quando sabe­mos que essa din­heirama toda faz falta em out­ras áreas, como saúde, edu­cação e infraestru­tura.

Mas quem liga para isso? Os dep­uta­dos estad­u­ais? O Min­istério Público? O Tri­bunal de Contas?

Outro dia alguém me disse que a pro­pa­ganda do gov­erno estad­ual estava sendo veic­u­lada, em horário nobre, em outro estado da fed­er­ação; tam­bém a vi sendo veic­u­lada em jor­nais de cir­cu­lação nacional (inclu­sive na Folha de São Paulo) além de veic­u­lada nas diver­sas mídias dig­i­tais com alcance transna­cional.

Sabe­mos que a pub­li­ci­dade dos atos públi­cos é uma imposição con­sti­tu­cional con­tida no artigo 37 da CF: “Art. 37. A admin­is­tração pública direta e indi­reta de qual­quer dos Poderes da União, dos Esta­dos, do Dis­trito Fed­eral e dos Municí­pios obe­de­cerá aos princí­pios de legal­i­dade, impes­soal­i­dade, moral­i­dade, pub­li­ci­dade e efi­ciên­cia e, tam­bém, ao seguinte:”.

Ape­sar disso, dever-​se-​ia per­gun­tar o que cidadão de São Paulo, do Paraná ou do Ceará tem a ver com o fato do gov­erno do Maran­hão ter con­struído uma “estrad­inha” que se for olhada com cuidado se ver­i­fica o barro, de tão fina a camada asfáltica; ou ter con­struída uma escol­inha digna de uma sala ao custo de mais de trezen­tos mil reais em uma reserva indí­gena.

Quer me pare­cer que nada. Quer me pare­cer que se trata de mera pro­moção pes­soal do gov­er­nante.

Não sei se é ver­dade – mas não tenho razão para duvi­dar, até porque nunca des­men­ti­ram –, que existe uma empresa encar­regada de “cuidar” da imagem do gov­er­nador ao custo anual de mais de seis mil­hões de reais. Seria essa empresa a respon­sável por “cavar” espaços e entre­vis­tas na grande imprensa nacional onde sua excelên­cia “se vende” como a solução taba­jara para os prob­le­mas nacionais.

Aliás, essas entre­vis­tas em rede nacional, tam­bém, pas­sam “bati­das” aos olhos dos fis­cais da lei. A ninguém socorre a ideia de per­gun­tar a razão de um servi­dor público, em pleno horário de expe­di­ente, se ausen­tar do tra­balho para ir con­ceder entre­vis­tas no Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. O ato em si, fal­tar ao serviço público para tratar de inter­esse pri­vado, já dev­e­ria mere­cer à atenção dos órgãos de con­t­role. Mais: quem está “ban­cando” tais via­gens e hospeda­gens? O par­tido? O próprio gov­er­nador? O con­tribuinte maran­hense? São feitas em voos de car­reiras ou em jat­in­hos fre­ta­dos pelo estado?

Ape­nas como parâmetro, se o pres­i­dente dos EUA, nação tida pelos comu­nistas como o grande satã do norte, recebe alguém para jan­tar na Casa Branca que não seja do inter­esse do país, o pres­i­dente tem que arcar até com água servida.

Por isso mesmo é justo que se indague quem está pagando a conta de sua excelência.

Nes­tas entre­vis­tas sua excelên­cia não está tratando de assun­tos de inter­esse do estado, mas sim da sua “pauta” como pré-​candidato à presidên­cia da República. Não é só, antes, durante e depois de tais incursões midiáti­cas o que vemos são os xerim­ba­bos do gov­er­nador, muitos deles remu­ner­a­dos pelo con­tribuinte, ampli­f­i­cando as per­for­mances do gov­er­nante diante das telas.

Entre­vis­tado por jor­nal­is­tas que pouco con­hecem da real­i­dade maran­hense, o gov­er­nador, esperto como um camelô paraguaio, “vende” a solução para todos os prob­le­mas da nação, quando não con­segue resolver os prob­le­mas do nosso estado con­de­nado mis­éria per­pé­tua.

Para os seus adu­ladores isso pouco importa e até dizem que o gov­er­nador é tão “sabido”, mas tão “sabido”, que no dia em acorda cedo nem sol se lev­anta no fir­ma­mento.

Sem negar-​lhe o mérito de ser “bom de papo”, é fato que a grande maio­ria dos seus entre­vis­ta­dores – por descon­hec­i­mento ou por sim­pa­tia ao pro­jeto esquerdista –, lhe tem sido dócil a ponto de engolir como ver­dades tudo que o gov­er­nador lhes têm dito.

Os exem­p­los estão aí, como quando diz que não tem nada com fato de ter aumen­tado a mis­éria no estado, quando sabe­mos que foram seus equívo­cos os respon­sáveis por parte do aumento em quarenta por cento no número de mis­eráveis; como quando diz que o gov­erno não teve nada a ver com o despejo das famílias do Cajueiro para aten­der a uma empresa que foi con­tribuinte de sua cam­panha, quando sabe­mos que foi o próprio gov­er­nador que desapro­priou a área e deixou a comu­nidade ao léu e depois seu gov­erno reprimiu os man­i­fes­tantes na porta do palá­cio; como quando diz que não tem nada com o fato do estado estar que­brado, quando sabe­mos que foi este gov­erno o respon­sável pelo inchaço da máquina pública, o aumento de impos­tos, para afu­gen­tar investi­dores, as agressões gra­tu­itas ao gov­erno cen­tral, etc.

Como disse ante­ri­or­mente, é legí­timo que sua excelên­cia tente realizar seu sonho de ser pres­i­dente. Mas esse pro­jeto é dele. Não é do con­tribuinte que já passa mais da metade do ano tra­bal­hando para pagar impos­tos.

Ora, se sua excelên­cia quer “se vender” como alter­na­tiva às eleições de 2022, já a par­tir de agora, que renun­cie, que se licen­cie e caia em campo. Faça isso às suas expen­sas ou do seu par­tido ou custeado pelos seus adu­ladores, mas não às cus­tas e em pre­juízo do estado que já se encon­tra “que­brado” por sua própria inap­tidão para gestão.

Encerro reg­is­trando o meu espanto com o fato dos órgãos de con­t­role nada enx­er­garem de anor­mal em tudo isso, prin­ci­pal­mente o MPMA que levou às bar­ras da justiça tan­tos prefeitos sob o pálido argu­mento de terem se pro­movido ao apare­cerem numa página de jor­nal cor­tando um bolo de aniver­sário.

Abdon Mar­inho é advo­gado.