A democracia não teme as ruas
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- Criado: Quinta, 27 Fevereiro 2020 11:25
- Escrito por Abdon Marinho
A DEMOCRACIA NÃO TEME AS RUAS.
Por Abdon Marinho.
FOI nos meus primeiros anos na escola – e já se vão uns quarenta anos –, que aprendi o significado da palavra democracia. Lá estava a professorinha dizendo: o termo democracia vem do grego dēmokratía e significa governo do povo, sendo que “demos” = povo e kratos = poder; o termo democracia tem origem no século V a. C.
Dito isso, temos por certo que o conceito de democracia e sua significação tem mais de dois mil e quinhentos anos de “estrada”.
Faço tais considerações básicas porque, pelo que tenho ouvido, lido e assistido de manifestações, principalmente, de autoridades, chego a conclusão que o Brasil precisa voltar ao primário.
São dois milênios e meio de um conceito que as pessoas, ainda nos dias atuais, teimam em não saber, ou pior, em dá a interpretação que lhes é conveniente.
Digo isso a propósito de uma manifestação agendada para o dia 15 de março em apoio ao governo federal e às muitas interpretações e narrativas a respeito da mesma.
Até onde sei, o movimento, ainda que com a participação de alguns integrantes do governo, é autônomo, vale dizer não é “bancado” com recursos públicos; não está coagindo ninguém a participar e está fazendo suas convocações para defender seus posicionamentos, num espectro político de ampla liberdade de ideias.
Até o onde sei, a convocação não parte do chefe do Poder Executivo – e ainda que partisse, não teria nada demais –, que, apenas, e tão somente, retransmitiu uma mensagem de convocação do ato marcado.
Este simples ato – retransmitir uma mensagem ou diversas mensagens –, tem sido interpretado pelos “sábios” de plantão como um crime de responsabilidade, a motivar o impeachment do presidente e um atentado contra a democracia.
São ministros do supremo, governadores de estado, senadores e deputados, estaduais e federais, além de inúmeros jornalistas, muitos à soldo de determinadas pautas, falando estas e outras bobagens.
A democracia não teme as ruas, não teme o povo nas ruas protestando, muito pelo contrário, isso é da essência das democracias pujantes.
Apenas para citar alguns exemplos, depois da Segunda Guerra Mundial já tivemos multidões nas ruas contra a corrida armamentista; contra a proliferação de armas nucleares; contra as guerras das Coreias e do Vietnã; as manifestações de 68; contra e a favor do aborto; contra o Muro de Berlim, etc.
No Brasil tivemos inúmeras manifestações contra o régime militar; pela volta das eleições diretas; pela Constituinte; pelo impeachment de Collor; por reforma agrária; as manifestações de 2013, com pautas diversas; pelo impeachment de Dilma, etc.
O povo é o “dono” da democracia pelo simples fato, como repisamos a lição do primário, que muitos esqueceram, democracia é o povo no poder (demos” = povo e kratos = poder).
Me perdoem, mas sustentar que o povo nas ruas protestando por quaisquer pautas, ainda as mais absurdas, atenta contra a democracia, é passar um atestado de ignorância.
Vi uns e outros dizendo que os protestos serão promovidos por reacionários, conservadores. E daí?
Estas pessoas são tão cidadãos quanto os demais, cumprem suas obrigações e pagam seus impostos como quaisquer outros.
Os incomodados que marquem seus protestos também, defendam suas pautas nas ruas.
A maravilha de vivermos no Brasil é que qualquer um tem plena liberdade de ir às ruas fazer seu protesto, sozinho ou em grupo, desde que pacífico.
Até bem pouco tempo tínhamos protestos quase diários em Brasília, muitos deles violentos e quase todos custeados com dinheiro público. Os partidos que estavam no poder “aparelharam” movimentos sociais para que fossem as ruas pressionar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, na defesa de suas pautas.
Isso nunca causou escândalo em quem quer que fosse, nem mesmos nestes que hoje se dizem escandalizados pelo fato do presidente da República ter retransmitido uma mensagem que convoca um ato pacífico, custeado as expensas dos seus participantes e organizadores, em defesa do seu governo.
Onde estavam nas últimas décadas quando os governos patrocinavam com recursos públicos toda a sorte de manifestações e movimentos, inclusive, os de cunho violento?
Onde estavam os ministros do Supremo? onde estavam os presidentes das casas do Congresso Nacional? Onde estavam os governadores? Onde estavam os deputados estaduais, federais e senadores?
Pois é, antes tinham a compreensão que manifestações públicas eram expressões legítimas da democracia, agora não.
Continua sendo, o povo é o dono real do poder. Ele na rua é sinônimo de que as coisas devem ser resolvidas dentro das regras da democracia.
Não sei se assisto a um dantesco espetáculo de hipocrisia ou de cinismo. Tomem tento, meus senhores, como dizia meu pai.
A Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso XVI, assegura: “XVI — todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”.
Este dispositivo constitucional é uma garantia dos direitos da cidadania. Sim, os cidadãos podem ir às ruas protestarem livremente contra o que acham errado; podem reclamar dos poderes e instituições. Isso é democracia.
Ah, estão convocando para protestar contra o Congresso Nacional e contra o STF. E o que tem de errado em protestar contra o Congresso Nacional e o STF?
Estes poderes, assim como o Poder Executivo, estão subordinados a vontade dos cidadãos.
Não apenas podem, mas sempre que possível, até para que saibam que não estão agradando, devem ser alvos de protestos nas ruas, sim!
O protesto é o cidadão que paga a conta dizendo que não concorda com o que estão fazendo falsamente em seu nome.
O que incomoda os que estão com esse mimimi todo é que, pelo que soube, a pauta do protesto convocado é muito específica: os manifestantes estão contra o fato do Congresso Nacional querer dispor de uma gorda fatia do orçamento da União, traduzindo, do dinheiro público em benefício de seus próprios membros.
São trinta bilhões, ou mais, que o Congresso Nacional – mais caro do mundo –, quer “meter a mão”. Os que protestam têm a plena convicção que grande parte, senão a maior parte, destes recursos serão desviados. Voltarão para o bolso de suas excelências, salvo raríssimas exceções.
Fazia tempo que não via uma pauta tão justa.
O povo nas ruas, de forma ordeira e pacífica, vai dizer que não concorda que o seu dinheiro, o nosso dinheiro, o dinheiro do contribuinte seja roubado, é isso. Só isso!
Na defesa dos recursos da nação, contra os roubos, institucionalizados ou não, deveria haver um protesto diário.
O Brasil tem o estranho “talento” de transformar ideias boas em monstros.
É o que acontece com o tal orçamento impositivo. A ideia era boa. Mas o que tem acontecido? Suas excelências querem se apoderar da maior parte do orçamento da união em proveito próprio.
Trata-se de uma perversão da democracia. Os deputados e senadores “nadando no dinheiro público”, sem contar os fundos eleitorais e partidários, disputam eleições em condições de absoluta desigualdade com os demais brasileiros que desejam representar o seu povo numa das casas do congresso.
Nos últimos tempos, o que mais tenho ouvido são pessoas dizendo que não têm coragem de enfrentar uma disputa eleitoral com os atuais detentores de mandatos eletivos.
Essa desigualdade, a que as autoridades parecem cegas, fere muito mais a democracia do que a convocação de qualquer protesto popular.
Apenas os bem idiotas ou mal intencionados caem nessa lorota de que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado da República estão preocupados com a democracia no país.
Neste caso específico, menos ainda, pois não é segredo para ninguém que desejam a manipulação destes recursos da nação para “convencerem” seus pares a mudarem a Constituição da República e permitir que os mesmos se perpetuem nos cargos. É “só” isso que querem.
O país não pode se calar diante disso. O caminho das ruas é o mais democrático e o único a seguir.
O povo nas ruas protestando é a prova de que nem tudo, ainda, está perdido. Como dizia aquele velho bordão de tantas lutas: o povo unido jamais será vencido!
Abdon Marinho é advogado.