HOMENS E ARMAS.
Por Abdon Marinho.
COMO ESPERADO o assunto do final de semana foi a revelação do desejo homicida do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot que, deduz-se, para turbinar a venda de um livro de memórias sobre seu período à frente da Procuradoria-Geral, revelou que foi armado ao Supremo Tribunal Federal — STF e, por muito pouco, não matou o ministro Gilmar Mendes.
Ainda descontando as infinitas piadas e “memes”, o assunto “bombou”, como dizem atualmente, ofuscando, até mesmo, o último capítulo da estratégia do “pacto das elites” para colocar fim ao combate à corrupção, anular processos, paralisar investigações e soltar os corruptos já presos. Não teve para “ninguém” só se falou no tiro não dado nas dependências da Corte Suprema. Todos falando do assunto, analisando suas consequências e tirando suas “casquinhas”. Por certo que é uma pauta interessante e dela trataremos, também, em um texto específico.
Por estas plagas, até o ex-presidente Sarney, na sua coluna semanal, tratou do assunto trazendo à memória uma crônica de Odilo Costa, filho, sobre episódio similar ocorrido no Tribunal de Justiça do Piauí, do qual participou o seu pai, então desembargador Odilo Costa.
Na sua coluna Sarney aproveita para tirar um “sarro” com o ex-procurador-geral – talvez como uma pequena vingança –, ao colocá-lo na mesma condição do facínora com múltiplas condenações, Fernando Beira-mar. Foi sutil, mas perceptível.
Episódios envolvendo homens e armas são infinitos.
Conta a lenda que aqui mesmo, no nosso Maranhão ocorreu um fato pitoresco com temática semelhante.
Segundo dizem, o então juiz de direito, José Maria Marques, aguardava ansioso seu ingresso como desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Como não era muito querido pelos desembargadores nunca conseguiu o ingresso por merecimento, sempre preterido por um ou outro.
Aguardou pacientemente a vaga por antiguidade. Quando chegou a data em que o desembargador da vez deveria aposentar-se ficou intrigado, passou um mês, dois meses e nada. Dirigiu-se ao TJMA e indagou na secretaria-geral: — O desembargador fulano de tal (omito o nome para não causar embaraços) não deveria ter se aposentado dia tal?
O secretário olhou os arquivos e respondeu: — Olha Dr. José Maria, aqui consta o desembargador fulano de tal só entra na compulsória daqui a dois anos.
O juiz ficou fulo pois sabia que não tinha se enganado nas suas contas. Mas o que fazer diante de um documento oficial?
Certa tarde estava o magistrado tomando uma cervejinha em uma das mesas na calçada do antigo Hotel Central, na Praça Benedito Leite, quando passa justamente o filho do desembargador que deveria ter se aposentado que, inadvertidamente, o cumprimentou e indagou: —Boa tarde, Dr. José Maria! Quando vamos à desembargatória?
Como estava o magistrado retrucou: — Iremos a ela no dia que o senhor seu pai decidir completar setenta anos.
O tempo passou, o desembargador se aposentou e, finalmente, o surgiu a vaga por antiguidade, por direito, do magistrado.
Passou-se uma semana, duas, nada de chamarem o juiz para ser empossado.
Na terceira semana ele foi ao tribunal, aguardou acabar a sessão e dirigiu-se à sala do lanche, atrás do Plenário. Lá sacou seu Smith-Wesson .38 e disse aos desembargadores: — Olha, vocês estão postergando para me chamarem para assumir uma vaga que é minha por direito. Um vaga. Aqui eu tenho seis balas, se continuarem a me “sacanearem” na próxima sessão abrirei, não só uma, mas seis vagas.
Na sessão seguinte convocaram o Dr. José Maria Marques para assumir sua vaga de desembargador.
Mas isso, também, é uma lenda. Faz parte da história não contada da sociedade maranhense.
O ex-presidente Sarney poderia ter ilustrado sua crônica com tal episódio ou um outro que o envolveu pessoalmente.
Nos efervescentes meses que antecederam a mudança do régime militar para o civil, o senador Sarney era o presidente do PDS (Partido Democrático Social) e colocara os três filhos para apoiarem cada um, um candidato distinto do partido, Fernando apoiou Maluf, com a desculpa ou argumento de ter firmado amizade quando estudara em São Paulo na década anterior; Zequinha foi de Mário Andreazza; e Roseana de Aureliano Chaves, que era vice-presidente República.
Como sabemos, Maluf acabou “convencendo” as lideranças partidárias, derrotou os oponentes, e ganhou a indicação do partido para ir à disputa no Colégio Eleitoral.
A vitória de Maluf, sobretudo, por seus métodos abriu uma séria dissidência no partido, que iria forma um movimento chamado “frente liberal”, liderado por Aureliano Chaves, Marco Maciel, entre outros, que apoiou Tancredo Neves, e depois viraria o Partido da Frente Liberal — PFL.
O ex-presidente Sarney era um dos dissidentes e, por conta disso, teve que deixar o comando do partido. Estava confortável, eleito em 1978, ainda tinha mandato de senador até 1986.
Pois bem, segundo foi noticiado e, se não me falha a memória, dito pelo próprio ex-presidente, em uma entrevista a um jornal ou revista, para aquela tensa reunião onde iria comunicar que estava deixando a presidência do partido (e o partido), ele foi armado.
Comunicou a sua renúncia à presidência do partido, pouco depois deixou o partido e já no começo do seguinte estava no Movimento Democrático Brasileiro — MDB, como candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e, em março daquele ano assumiria provisoriamente e no mês seguinte, em definitivo, à presidência da República.
Até hoje não se sabe o que o ex-presidente pretendia fazer ao ir armado a uma reunião do partido: reagir à bala caso houvesse algum xingamento? Atirar em alguém especificamente?
Eram os turbulentos anos oitenta. Eram outros tempos. Portar armas ainda era símbolo de coragem e destemor.
Para a alegria (ou tristeza) de muitos nem Sarney, nem Jonot chegaram a fazer uso de suas armas.
Abdon Marinho é advogado.