E O MARANHÃO FICOU PARA TRÁS.
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- Criado: Sexta, 10 Janeiro 2020 12:05
- Escrito por Abdon Marinho
E O MARANHÃO FICOU PARA TRÁS.
Por Abdon Marinho.
CONSTA da lenda familiar que, certa vez, meu irmão Armando, o quarto mais velho dos filhos de Vanderlino e Neuza, lá pelos princípios dos anos setenta, chegou para o nosso pai e disse: — papai não quero mais saber de estudar. Vou ficar aqui com o senhor.
Apesar de não sermos ricos, nosso pai conseguia manter uma casinha humilde na Rua do Sossego, Governador Archer, onde os mais velhos estudavam.
Nosso pai virou-se para ele e disse: — Está bem, meu filho.
No dia seguinte, já pelas quatro ou cinco horas, lá estava papai sacudindo o punho da rede do meu irmão: — vamos meu filho, está na hora. Assim foi no primeiro para roça com uma “trincha” limpar a plantação. Noutro dia com um “sacho” plantar alguma coisa. Antes de cuidar da roça tinham que “tirar o leite” das vacas, levá-las para quintas para se alimentar; depois o dia inteiro sobre o sol inclemente do sertão, com um intervalo de pouco tempo para almoçar ou beber água que levavam numas cabaças.
Para encurtar a conversa, depois de uma ou duas semanas, meu irmão já tinha refeito os planos e voltado aos estudos.
Meu avô era retirante nordestino e veio para o Maranhão fugindo da sequidão do sertão do Rio Grande do Norte.
Um dia cansado de tanta seca incumbiu o meu tio Pedro Calheiro de vir ao estado em busca de um local onde poderiam trabalhar e criar suas famílias. Tio Pedro veio e escolheu a região do médio Mearim, entre os hoje municípios de Governador Archer e Gonçalves Dias. Tempos depois de “assentados” uma parte da família migrou para o município polo da região e um dos mais desenvolvidos do estado: Pedreiras.
O Maranhão era a “terra prometida”, a esperança de tantos e tantos nordestinos cansados do flagelo da seca.
Escolhido o local de assentamento, pouco depois a família do meu avô, ele com esposa, dez filhos, esposas, genros – e já alguns netos –, e mais alguns vizinhos, organizaram a diáspora e desceram para o Maranhão, onde havia terras boas e fartas e estariam longe do suplício da seca.
Conta a lenda que vieram em caravana, uns em lombos de animais, outros a pé mesmo. Acampavam ao longo do trajeto e comiam toucinho de porco, farinha seca e rapadura. Outros fizeram o trajeto em “pau de arara”.
Todos traziam a certeza que encontrariam uma vida melhor para si e para os seus.
Lembrei destas “passagens” – a do meu irmão e, depois, de como minha família chegou por estas paragens e a esperança que nutriam em futuro de prosperidade numa terra que se prometia condenada ao desenvolvimento –, enquanto assistia ao programa Globo Rural, da Rede Globo, alusivo aos seus quarenta anos de lançamento.
O programa – muito bom e que recomendo –, mostra a evolução da agricultura brasileira nos últimos quarenta anos. Bastaria dizer que saltou de 40 milhões de toneladas de grãos em 1980 para mais 243 milhões de toneladas de grãos na safra 2019/2020, sem que se tenha elevado a área plantada significativamente.
Mas não é só isso. O que encanta é o quanto de tecnologia foi inserida no campo brasileiro. Hoje possuímos uma agricultura – assim como a pecuária –, de altíssima précisão.
No campo já se sabe o melhor momento para plantar, o que plantar, como será clima ao longo do ano; através do monitoramento por drones ou satélites, se sabe qualquer alteração na lavoura ou se existe alguma infestação de praga, podendo se fazer o combate imediato; o maquinário desenvolvido é um capítulo à parte, trabalhando praticamente sozinhos e com uma capacidade infinitamente superiores aos anteriores. E já se encontra em testes tratores que dispensa a operação humana.
Assim com a agricultura, a pecuária não deixou a desejar, evoluindo do mesmo modo, com as fazendas produzindo as melhores carnes e os rebanhos sendo controlados quase que interiormente pelos computadores, da alimentação do boi, quando, através de um chip se controla o quanto comeu, peso, altura, etc., à ordenha das vacas, feita, também de forma mecanizada.
Diria que hoje, só falta, mesmo, o boi ir sozinho para o abate, pois para a ordenha as vacas já vão sozinhas.
Noutras palavras, o Brasil vive um momento espetacular no campo, habilitando-se, como aprendemos no primário, a ser o celeiro do mundo a não dever nada aos grandes produtores mundiais, inclusive, na produção de culturas que vão além das “commodities” de grãos. Os vinhos, os queijos, o chocolate, o azeite, sem contar uma vocação nacional: o café fino. Todos estes produtos, repito, sem dever em qualidade, já fazem bonito nas melhores mesas do país e do exterior.
Tudo isso somente foi possível graças à visão extraordinária de pesquisadores e produtores, que enxergaram no campo um motor para o crescimento da nação. Contaram ainda, aqueles que se desenvolveram, com o apoio dos governos, federal e estaduais.
Pois bem, lembrei-me da lenda familiar envolvendo o meu irmão, referida no início do texto, porque na reportagem ouvi um jovem dizer que hoje em dia se você quiser “ir para roça” tem é que estudar muito, tal o nível de conhecimento que se precisa ter para lidar com essa nova realidade do campo.
Noutra quadra, a referência à “diáspora” da minha família para o Maranhão é para dizer que, a despeito do estado ter sido, em meados dos anos cinquenta e sessenta, a grande esperança para os demais nordestinos retirantes da seca, o mesmo, não apenas ficou para trás, conforme já mostramos em um texto anterior, como até mesmo retrocedeu.
O estado. apesar de ser um dos mais ricos em recursos hídricos e de possuir estações climáticas bem definidas – o que é uma benção para a produção agrícola –, não desenvolveu sua vocação. Se hoje ocupa a décima posição na produção de grãos, isso se deve aos núcleos agrícolas instalados, sobretudo, na região sul, a partir da “colonização” por parte de agricultores vindos do sul do país.
Na verdade a agricultura maranhense foi sendo, aos poucos, “destruída” nos últimos sessenta anos, principalmente, devido à falta de incentivos do governo estadual. Hoje, descontada a produção oriunda do agronegócio, não “sobra” quase nada. E o que sobra, ainda hoje é produzido através de métodos atrasados que remontam aos princípios da civilização. É a roça do toco, a limpeza do solo através da queimadas, o plantio feito no sacho, etc. Uma produção insuficiente para a subsistência das famílias.
Não é sem razão que ao percorrermos as estradas do Maranhão, seja o dia que for, seja a que for, encontramos multidões de cidadãos nas portas, embaixo de árvores, sem produzirem nada, muitas das vezes se entregando ao alcoolismo e outros vícios, enquanto aguardam a esmola mensal dos programas de transferência de renda, seja o bolsa família; seja as falsas aposentadorias como trabalhadores rurais; seja através dos seguros destinados a pescadores.
Não é sem razão que mais da metade da população maranhense vive abaixo da linha da miséria, e destes, uma parte substancial, na condição de miséria absoluta.
São milhões de cidadãos maranhenses que foram – e que continuam –, abandonados pelo poder público que os escravizam através da exploração de sua miséria e falta de instrução e qualificação.
Fazem isso de propósito, para manterem um exército de eleitores “acríticos”, prontos para elegerem aqueles que possam atender suas necessidades mais imediatas.
Enquanto noutros estados os agricultores podem acionar os técnicos da EMATER através de um aplicativo de celular, por aqui, até este importante órgão foi extinto.
Os governantes do estado duvidaram – e continuam a duvidar –, do imenso potencial do nosso estado para a agricultura, pecuária e sua cadeia produtiva, por isso foi condenado a miséria perpétua por Deus que não nos dotou de um solo fértil – a exceção de uma faixa de terras entre Grajaú e Fortaleza dos Nogueiras –, conforme assentou o ex-presidente Sarney, em um dos seus artigos e que refutei de pronto em um texto anterior sobre o assunto.
Como sustentar que o Maranhão não produz porque tem solo “pobre” quando vemos o Estado de Israel, com 65% (sessenta e cinco por cento) de seu território como deserto e cercado de inimigos, produzir grande parte dos alimentos consumidos por seu povo?
Como aceitar que o nosso estado, o segundo do Nordeste, com tantos recursos, não consiga produzir nem o suficiente para alimentar sua população, tendo que importar quase tudo que consome de outros estados, inclusive dos estados que sofrem muito mais com a seca que o nosso?
O MARANHÃO perdeu o bonde da história e ficou para trás.
Que, pode sim, se desenvolver a partir de grandes projetos em curso, mas que poderia ser o próprio propulsor do seu desenvolvimento, se tivesse tido a sorte de possuir governantes com visão, nos últimos cinquenta ou sessenta anos.
Diferente do que foi exposto pelo ex-presidente Sarney, nosso estado não pobre porque o nosso solo não é rico e não temos recursos minerais de monta. O estado pobre porque não tivemos, até aqui, políticos com capacidade de pensar além dos próprios interesses.
Depois de tudo de bom que Deus no deu Ele nos legou políticos ruins e incapazes. Essa é a razão do nosso atraso cultural, produtivo e da miséria do nosso povo.
Abdon Marinho é advogado.