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Par­tidos: A questão da fidelidade.

Escrito por Abdon Mar­inho


PARTIDOS: A QUESTÃO DA FIDELIDADE.

Por Abdon Marinho.

UM ASSUNTO tem chamado minha atenção ulti­ma­mente. Falo dos debates em torno das mudanças de par­la­mentares dos par­tidos pelos quais foram eleitos para out­ros, num xadrez que obe­dece uni­ca­mente à lóg­ica dos inter­esses pessoais.

De longe, a maior con­fusão deu-​se – e ainda per­du­rará por muito tempo –, den­tro do par­tido do pres­i­dente, o PSL, entre os ali­a­dos do próprio, leia-​se, famil­iares, e o grupo do pres­i­dente do par­tido, sen­hor Bivar, pelo comando da agremi­ação – e dos mil­hões ameal­ha­dos pela far­tura de dep­uta­dos, tanto no fundo par­tidário quanto no fundo eleitoral. Tratare­mos desta farra com o din­heiro do con­tribuinte noutra opor­tu­nidade.

Der­ro­ta­dos na batalha pelo comando do par­tido o grupo que segue o comando do pres­i­dente da República, com ele à frente, anun­cia­ram a cri­ação de um novo par­tido.

O pres­i­dente, inclu­sive, já anun­ciou sua des­fil­i­ação par­tidária (a nona, se não me falha a memória, na sua car­reira política), os dep­uta­dos aguardam os pro­ced­i­men­tos para cri­ação do par­tido para poderem sair sem o risco de perderem os mandatos.

Por estas pla­gas, o fre­n­esi par­tidário tam­bém se faz pre­sente, sobre­tudo, tendo em vista as eleições de 2020, com alguns dep­uta­dos estad­u­ais, e fed­erais, anun­ciando mudanças de leg­enda e alguns exibindo umas tais “car­tas de añuên­cia” como se fos­sem “car­tas de alfor­ria”, de triste memória. Tratare­mos, tam­bém, deste assunto.

Até 2007 o troca-​troca par­tidário ocor­ria sem qual­quer critério. Mudava-​se de par­tido como se tro­cava de roupa.

Foi a par­tir dos jul­ga­men­tos dos Man­da­dos de Segu­rança nº 26.602, 26.603 e 26.604, pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, recon­hecendo que os mandatos perte­cem aos par­tidos políti­cos que as coisas começaram a mudar.

Em out­ubro de 2007, o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, na esteira dos jul­ga­dos do do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, edi­tou a Res­olução TSE nº. 22.610, dis­ci­plinando o processo de perda de cargo ele­tivo, bem como de jus­ti­fi­cação de des­fil­i­ação par­tidária.

A res­olução referida encontra-​se vigente.

A par­tir de 2015, através da Lei nº. 13.165÷2015, foi acrescido o artigo 22-​A, a Lei nº. 9096/​1995, con­hecida como a Lei Orgânica dos Par­tidos Políti­cos, esta­b­ele­cendo:

Art. 22-​A. Perderá o mandato o deten­tor de cargo ele­tivo que se des­fil­iar, sem justa causa, do par­tido pelo qual foi eleito.

Pará­grafo único. Consideram-​se justa causa para a des­fil­i­ação par­tidária somente as seguintes hipóteses:

I — mudança sub­stan­cial ou desvio reit­er­ado do pro­grama par­tidário;

II — grave dis­crim­i­nação política pes­soal; e

III — mudança de par­tido efe­t­u­ada durante o período de trinta dias que ante­cede o prazo de fil­i­ação exigido em lei para con­cor­rer à eleição, majoritária ou pro­por­cional, ao tér­mino do mandato vigente.

Cabe assev­erar que para per­mi­tir a mudança de par­tido através da chamada “ janela” foi pro­mul­gada a Emenda Con­sti­tu­cional nº. 91, de 18 de fevereiro de 2016, para aque­las eleições, fac­ul­tando a qual­quer deten­tor de mandato ele­tivo, no prazo que esta­b­ele­cia, mudar de par­tido:

Art. 1º É fac­ul­tado ao deten­tor de mandato ele­tivo desligar-​se do par­tido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à pro­mul­gação desta Emenda Con­sti­tu­cional, sem pre­juízo do mandato, não sendo essa des­fil­i­ação con­sid­er­ada para fins de dis­tribuição dos recur­sos do Fundo Par­tidário e de acesso gra­tu­ito ao tempo de rádio e tele­visão”.

Como podemos ver­i­ficar a emenda acima per­mi­tiu a qual­quer um que mudasse de par­tido, tânatos para aquela eleição, como para quais­quer out­ras ou, sim­ples­mente, para des­o­bri­gar o deten­tor de mandato do com­pro­misso par­tidário, mas deixando claro o prazo para essa mudança.

Outra hipótese de mudança par­tidária, de caráter con­sti­tu­cional, foi trazida pela Emenda Con­sti­tu­cional nº. 97, de 04 de out­ubro de 2017, voltada para os deten­tores de mandatos eleitos por par­tidos que não cumpri­ram a chamada cláusula de bar­reira: “§ 5º Ao eleito por par­tido que não preencher os req­ui­si­tos pre­vis­tos no § 3º deste artigo é asse­gu­rado o mandato e fac­ul­tada a fil­i­ação, sem perda do mandato, a outro par­tido que os tenha atingido, não sendo essa fil­i­ação con­sid­er­ada para fins de dis­tribuição dos recur­sos do fundo par­tidário e de acesso gra­tu­ito ao tempo de rádio e de tele­visão.» (Art. 17, da CF).

Com tais con­sid­er­ações, acred­ito que exista um óbice quase que intransponível aos ali­a­dos do pres­i­dente para que mudem do par­tido pelo qual foram eleitos sem que provem quais­quer dos motivos esta­b­ele­ci­dos no rol tax­a­tivo do artigo 22-​A, da Lei 9096/​95, sem que ten­ham de aguardar a aber­tura da “janela”, o que, para os dep­uta­dos fed­erais, só acon­te­cerá em março de 2022, vez que não preenchem os req­ui­si­tos do §5°, do artigo 17 da CF.

Ao meu sen­tir, emb­ora a Res­olução TSE 22.610 per­maneça vigente, o rol a con­sid­erar como justa causa para a des­fil­i­ação par­tidária foi alter­ado pela lei que é norma de hier­ar­quia supe­rior, ou seja, deixou de exi­s­tir aquela per­mis­são para fil­i­ação em par­tido novo.

É dizer, o par­tido, dos son­hos pres­i­den­ci­ais, ou qual­quer outro, pode ser for­mado e con­tar com fil­i­a­dos deten­tores de mandatos ele­tivos majoritários, mas, em relação aos deten­tores de mandatos pro­por­cionais, dev­erá aguardar a aber­tura das “janelas” pre­vis­tas na lei, vereadores, março de 2020; e, dep­uta­dos estad­u­ais e fed­erais, a janela de março de 2022.

Noutro giro, entendo que diante de um rol tão fechado, coibindo as mudanças par­tidárias, pouca ou nen­huma valia têm as ditas “car­tas de añuên­cia”, expe­di­das ao alvedrio ou por con­veniên­cia das direções par­tidárias locais.

Ora, a lei e até mesmo a Con­sti­tu­ição Fed­eral são claras ao esta­b­ele­cer as hipóte­ses a pos­si­bil­i­tar a des­fil­i­ação par­tidária aos deten­tores de mandatos ele­tivos pro­por­cionais, não con­stando em tais leg­is­lações a hipótese do par­tido, dos seus órgãos dire­tivos, menos ainda, o pres­i­dente da agremi­ação de per­mi­tir a mudança par­tidária.

Emb­ora esteja consignado que mandato per­tence ao par­tido, tais regras servem como pro­teção ao cidadão/​eleitor. Noutras palavras, o eleitor ao votar no can­didato tam­bém o faz por con­sid­erar que o mesmo vai defender os princí­pios par­tidários, tanto assim, que vota antes no par­tido, e, pos­te­ri­or­mente, no can­didato.

Ao meu sen­tir, repito, não faria sen­tido que o leg­is­lador impusesse tan­tas restrições à mudança par­tidária por parte dos deten­tores de mandatos ele­tivos e deix­asse nas “mãos” dos diri­gentes par­tidários o poder para decidir quem fica e quem sai. Com base no quê?

Assim, entendo legí­timo, que mesmo o par­tido, por suas direções, equiv­o­cada­mente, “liberem” este ou aquele deten­tor de mandato, ao seu alvedrio, por con­veniên­cia ou por quais out­ros incofessáveis motivos, aos suplentes, com inter­esse, e ao Min­istério Público Eleitoral, cabe que pleit­eiem, junto à Justiça Eleitoral, nos ter­mos da Res­olução TSE 22.610, a perda do mandato do político deser­tor.

Vou além, ao Min­istério Público, na função de fis­cal da lei, cabe ficar atendo à pos­síveis ten­ta­ti­vas de burla à leg­is­lação, pre­venindo que escu­d­a­dos nos per­mis­sivos esta­b­ele­ci­dos no artigo 17 da Con­sti­tu­ição Fed­eral – § 1º É asse­gu­rada aos par­tidos políti­cos autono­mia para definir sua estru­tura interna e esta­b­ele­cer regras sobre escolha, for­mação e duração de seus órgãos per­ma­nentes e pro­visórios e sobre sua orga­ni­za­ção e fun­ciona­mento e para ado­tar os critérios de escolha e o régime de suas col­i­gações nas eleições majoritárias, vedada a sua cel­e­bração nas eleições pro­por­cionais, sem obri­ga­to­riedade de vin­cu­lação entre as can­di­dat­uras em âmbito nacional, estad­ual, dis­tri­tal ou munic­i­pal, devendo seus estatu­tos esta­b­ele­cer nor­mas de dis­ci­plina e fidel­i­dade par­tidária –, os diri­gentes par­tidários “frau­dem” a von­tade dos cidadãos/​eleitores.

Noutras palavras, emb­ora nos ter­mos acima, os par­tidos pos­suam ampla autono­mia, o des­ti­natário der­radeiro das nor­mas legais e con­sti­tu­cionais é o cidadão, é a sociedade. Para isso, com­pete às insti­tu­ições a vig­ilân­cia efe­tiva para garan­tir o seu cumpri­mento no inter­esse da sociedade.

Mas este é um assunto, ainda, a deman­dar muitas inda­gações. Cer­ta­mente voltare­mos a ele.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

O SUPREMO E A QUEDA DO MURO DE BERLIM.

Escrito por Abdon Mar­inho


O SUPREMO E A QUEDA DO MURO DE BERLIM.

Por Abdon Marinho.

NÃO GOSTARIA – e não dev­e­ria –, a falar sobre o jul­ga­mento do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF e os seus des­do­bra­men­tos, ainda mais de fazê-​lo em tão curto espaço de tempo entre este texto e o que já escrevi ded­i­cado ao tema.

Esper­ava ter esgo­tado o assunto ou, então, só pre­cisar falar lá na frente, quando já con­hecêsse­mos os fru­tos da decisão.

Como nem sem­pre somos sem­pre somos sen­hores dos nos­sos quer­eres ou donos das nos­sas von­tades, eis-​nos aqui novamente.

O jul­ga­mento per­manece um assunto “vivo”. Por onde pas­samos somos ques­tion­a­dos sobre ele. Difer­ente de out­ros jul­ga­men­tos que pas­sa­dos a fila anda – e a fila de proces­sos é imensa –, este per­manece a vagar e a des­per­tar con­tro­ver­tidas paixões.

Os favoráveis já fes­te­jaram – e con­tin­uam a fes­te­jar –, a soltura de seus crim­i­nosos de esti­mação, poten­ta­dos que difi­cil­mente voltarão a con­hecer as dependên­cias inter­nas dos cárceres – pelo menos enquanto pos­suírem din­heiro, obti­dos ou não de forma lícita.

Os con­trários preparam suas “armas” chamando man­i­fes­tações públi­cas, pro­pondo medi­das no Con­gresso Nacional para mudar a lei e, até mesmo, a Con­sti­tu­ição da República.

Como assen­tado em texto ante­rior, uma decisão em que bas­tou uma “virada de toga” para o que era água transformar-​se em vinho, e, que em 31 anos de existên­cia, só em curto período se enten­deu de forma dis­tinta ao entendi­mento recen­te­mente ado­tado, não clama por uma mudança con­sti­tu­cional e, sim, por uma mudança no entendi­mento dos jul­gadores, o que será con­seguido com o pas­sar do tempo – que é inclemente e igual para todos –, ou com o clamor das ruas, que põe abaixo, inclu­sive, coisas bem mais sólidas.

A mudança de entendi­mento do Supremo sobre a con­sti­tu­cional­i­dade do cumpri­mento ante­ci­pado de pena (con­strução que acho imprópria, uma vez que alguém con­de­nado por duas instân­cias, três ou qua­tro, entendo não ser cabível dizer que está “ante­ci­pando” o cumpri­mento da pena) numa daque­las infe­lizes coin­cidên­cias, “casou” com o noti­ciário sobre a comem­o­ração do trigésimo aniver­sário da queda do Muro de Berlim – que pôs fim ao que ficou con­hecido como “guerra fria”, a divisão mate­r­ial do mundo entre cap­i­tal­is­tas ou oci­den­tais e social­is­tas ou ori­en­tais.

Durante quase trinta anos o muro que dividiu a antiga cap­i­tal da Ale­manha, sep­a­rou um mesmo povo, suas famílias, seus ami­gos e pelo qual muitos pere­ce­ram na ten­ta­tiva cruzá-​lo, de repente caiu. Ou, já vinha caindo aos poucos, e naquele 09 de novem­bro de 1989, ape­nas teve seu des­do­bra­mento final.

Lem­bro de haver acom­pan­hado aque­les fatos que se desen­rolavam no “outro lado do mundo” quase que ao vivo, pela cober­tura da tele­visão, do rádio e dos jor­nais – mas ainda muito dis­tante da instan­ta­nei­dade dos dias atuais.

O jul­ga­mento do STF teve seu des­fe­cho ape­nas dois dias antes do trin­tenário da queda do muro. O noti­ciário se dividiu entre as duas cober­turas rev­e­lando detal­hes do jul­ga­mento, posi­ciona­mento dos min­istros em jul­ga­men­tos ante­ri­ores, situ­ações em que foram con­tra ou a favor e as histórias das pes­soas das duas Berlim, seus sofri­men­tos, seus dra­mas, como foram suas vidas do lado lá e de cá da “cortina de ferro”.

Como, em 1989, acom­pan­hei a “história acon­te­cer” me pus a recor­dar daque­les dias.

A queda do Muro de Berlim, deu-​se poucos dias antes do segundo turno das eleições pres­i­den­ci­ais, a primeira ocor­rida depois de vinte e cinco anos, os 21 anos da ditadura e os cinco do gov­erno civil de Sar­ney.

A dis­puta se dava entre Fer­nando Col­lor, rep­re­sen­tante da dire­ita e Luís Iná­cio Lula da Silva, rep­re­sen­tante da esquerda. Ambos foram pres­i­dentes da República, naquela eleição Col­lor levou a mel­hor. A queda do muro influ­en­ciou o resul­tado? É pos­sível que sim, o assunto foi explo­rado à exaustão.

Nos meus vagares pas­sei a encon­trar simil­i­tudes entre os dois acon­tec­i­men­tos: a queda do Muro de Berlim e o Jul­ga­mento do Supremo.

Para começar, os dois can­didatos que estavam em trincheiras opostas naquela dis­puta de trinta anos atrás, agora são ben­efi­ciários dire­tos do jul­ga­mento do STF. E mesmo Sar­ney alvo dos dois naquele pleito não deixou de somar na con­vergên­cia de inter­esses.

O Lula, preso e respon­dendo a quase uma dezena de proces­sos, já foi solto e não corre mais o risco de voltar ao cárcere nesta encar­nação.

Já o Col­lor igual­mente respon­dendo a uma “penca” de proces­sos mas “escon­dido” no bio­mbo do mandato par­la­men­tar, nunca viu e, agora, mesmo nunca terá o diss­a­bor de con­hecer, como hós­pede, as dependên­cias inter­nas da repar­tição pública já habitada por Lula.

Ambos respon­dendo por crimes graves, mas até nisso o antigo “mauricinho” levou a melhor.

Como lem­brá­va­mos – e agora nos fiz­eram recor­dar a exaustão –, a queda do Muro de Berlim foi pre­cip­i­tada por uma infor­mação equiv­o­cada. Nos dias e sem­anas que pre­ced­eram a queda do muro, protestos em diver­sas cidades da Ale­manha Ori­en­tal cla­mavam por mais liber­dade, ape­sar de viverem em um bru­tal atraso cul­tural no lado ori­en­tal, rece­biam influên­cia direta do outro lado muro através dos sinais clan­des­ti­nos das emis­so­ras de rádio e tele­visão.

Os buro­cratas do estado alemão ori­en­tal reuniram-​se e, para diminuir a pressão, decidi­ram que iriam per­mi­tir vis­i­tas super­vi­sion­adas e reen­con­tro entre os famil­iares sep­a­ra­dos que não se viam há anos.

Na hora de trans­mi­tir essa infor­mação, o porta-​voz, que não estivera pre­sente à reunião, não trans­mi­tiu da mel­hor forma a decisão tomada e, a uma per­gunta de um jor­nal­ista sobre quando começariam a per­mi­tir a visita dos cidadãos ori­en­tais ao lado oci­den­tal da cidade, respon­deu: — imediatamente!

Foi o que bas­tou para que os cidadãos cor­ressem para os pos­tos de pas­sagem da fron­teira sem que os guardas pudessem fazer nada. Já na mesma noite cidadãos comuns, com marte­los e picare­tas, começaram a der­rubar o muro da ver­gonha.

No dia seguinte aquela que foram a fron­teira mais segura e vigiada do mundo apresentava-​se com vários pon­tos aber­tos e livres para o trân­sito, os guardas já não tin­ham razão para ocu­par seus postos.

A exem­plo dos buro­cratas do Par­tido Comu­nista Alemão, a maio­ria dos min­istros do STF tam­bém pas­saram uma men­sagem à pat­uleia. Suas excelên­cias decidi­ram que “ninguém” pode ser preso enquanto não sobre­vier o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, con­forme esta­b­elece o inciso LVII, do artigo 5º, da Carta Con­sti­tu­cional.

Con­forme apren­demos no primário, nas aulas da pro­fes­sora Mar­garida, o pronome indefinido “ninguém” destina-​se a qual­quer pes­soa. Logo quando dize­mos “ninguém” será sujeito a isso esta­mos dizendo que nen­huma pes­soa se sujeitará a tal coisa.

Mas, tal qual os buro­cratas do Par­tido Comu­nista Alemão, ao assen­tirem ser incon­sti­tu­cional a prisão antes de se esgotarem todos os infini­tos recur­sos na der­radeira instân­cia da justiça, suas excelên­cias não dese­jam que tal “bene­fí­cio” se aplique a todos, neste caso, o “ninguém” con­tido na mesma Carta Con­sti­tu­cional “ganha” sig­nifi­cado rel­a­tivo, ou seja, ninguém, difer­ente do que apren­demos nas aulas do primário, não se aplica a quais­quer pessoas.

Neste caso, para que a estraté­gia dos min­istros dê certo, os guardas da fron­teira, digo, os juízes das instân­cias ini­ci­ais, terão que segu­rar a turba. Vale dizer, emb­ora ninguém possa ser preso até que ocorra o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, os mag­istra­dos das instân­cias ini­ci­ais terão que dec­re­tar prisões pre­ven­ti­vas, sob pena de se insta­lar portas-​giratórias nos presí­dios.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral criou a esdrúx­ula situ­ação em que o cumpri­mento de pena após con­de­nação antes do trân­sito em jul­gado é incon­sti­tu­cional mas que é con­sti­tu­cional a prisão pre­ven­tiva dec­re­tada pelo juiz de primeiro grau antes de qual­quer con­de­nação, e, depois, após a con­clusão da instrução proces­sual.

Ora, os juízes têm o dever de se man­i­fes­tar sobre a neces­si­dade de manutenção da prisão pre­ven­tiva em diver­sos momen­tos quando a mesma é cabível, agora, diante da decisão do Supremo, em nome da paz social terão que decretá-​la até quando não seja cabível, sob pena de levarem o país ao caos, com a soltura de todos que come­terem deli­tos. Sem con­tar que o próprio STF já decidiu que não se pode levar em con­sid­er­ação na dec­re­tação a gravi­dade do delito.

Noutras palavras, cri­aram as condições para o “rabo bal­ançar o cachorro”.

Não me parece razoável que se diga ser incon­sti­tu­cional que alguém passé a cumprir a pena após con­de­nação em duas instân­cias, pelo menos, mas se ache legal a manutenção ou dec­re­tação de prisão pre­ven­tiva quando o réu já foi con­de­nado e não rep­re­senta mais qual­quer risco a instrução proces­sual ou à paz social.

Como no caso do muro de Berlim não podemos pre­cisar quanto tempo esse tipo de novi­dade resi­s­tirá.

Con­forme dis­se­mos – bem lá atrás –, o Brasil vive sob a égide de um “pacto das elites” envol­vendo os líderes dos três poderes da República e do Min­istério Público, tanto assim que mesmo diante dos maiores absur­dos todos fin­gem que nada acon­tece e tra­bal­ham em con­junto para colo­carem no “gueto” as vozes dis­so­nantes.

Agora mesmo, tan­tos os ali­a­dos do pres­i­dente Bol­sonaro quanto os ali­a­dos do ex-​presidente Lula, tra­bal­ham jun­tos para silen­ciar as ruas con­tra o pacto de impunidade que cel­e­braram com a con­veniên­cia dos demais sig­natários.

O Brasil pre­cisa “der­rubar” esse muro se quiser con­quis­tar a democ­ra­cia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A defesa da Con­sti­tu­ição e a hipocrisia.

Escrito por Abdon Mar­inho


A DEFESA DA CON­STI­TU­IÇÃO E A HIPOCRISIA.

Por Abdon Marinho.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF decidiu ser incon­sti­tu­cional o cumpri­mento ante­ci­pado da pena após o jul­ga­mento em segunda instân­cia no oposto do decidira há ape­nas três anos, quando assen­tou que tal ante­ci­pação não era inconstitucional.

O tri­bunal – a exceção de um dos seus mem­bros, Alexan­dre de Moraes, que ingres­sou na corte após aquele entendi­mento, mas man­teve a posição do seu ante­ces­sor –, é o mesmo, bas­tou ape­nas que um dos seus inte­grantes “virasse a toga” para o que era con­sti­tu­cional virar incon­sti­tu­cional, no caso, quem mudou de posição foi o min­istro Gilmar Mendes, respeitado como um dos maiores con­sti­tu­cional­is­tas do país, autor de livro que sus­ten­tando haver con­sti­tu­cional­i­dade no cumpri­mento ante­ci­pado da pena e que, no jul­ga­mento ante­rior, dizia que o Brasil ao ado­tar aquele entendi­mento estava se aprox­i­mando do “mundo civ­i­lizado”.

Agora, sem muitas expli­cações sobre a mudança de entendi­mento, inver­teu a posição da Corte.

Uma decisão da mais ele­vada Corte do país for­mada no “voto de min­erva” é algo sobre a qual deve­mos refle­tir.

Ape­nas um voto alterou a jurisprudên­cia do STF, sendo que este voto foi o mesmo que for­mou o entendi­mento ante­rior e o pres­i­dente do tri­bunal ao desem­patar ainda ten­tou uma alter­na­tiva salomônica tal qual já havia votado noutras ocasiões dando vitória à nova mino­ria, mas sem êxito.

A corte saiu divi­dida. A nação mais divi­dida ainda.

As paixões nunca foram boas con­sel­heiras, por isso mesmo deve­mos anal­isar os fatos longe dos seus calores.

Nos últi­mos trinta anos o tri­bunal ape­nas deixou de enten­der ser o cumpri­mento ante­ci­pado da pena era con­sti­tu­cional no inter­valo de 2009 a 2016 – ape­sar de muitos serem lev­ado ao cárcere antes do trân­sito em jul­gado de seus proces­sos –, e, a par­tir de agora.

Algu­mas per­gun­tas pre­cisam ser respon­di­das: durante todos aque­les anos os min­istros foram igno­rantes ao cumpri­mento da Con­sti­tu­ição da qual são guardiões? Durante todos os anos onde estavam estes que agora batem no peito dizendo que, final­mente, o Brasil voltou ao trilho con­sti­tu­cional? O que faziam enquanto mil­hares de brasileiros iam ao cárcere após o jul­ga­mento em primeira instân­cia, segunda instân­cia ou ficavam pre­sos pro­visórios indefinida­mente? Os min­istros ven­ci­dos ao sus­tentarem ser pos­sível o cumpri­mento ante­ci­pado da pena são indig­nos de per­manecerem como tais, pois defen­sores de tese con­trária ao man­da­mento constitucional?

Sem­pre digo que deve­mos ser cautelosos com o que dese­jamos ou com o que expomos.

Com efeito a Con­sti­tu­ição da República é clara ao esta­b­ele­cer no artigo 5º, cláusula pétrea, por­tanto: “LVII — ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado de sen­tença penal condenatória;”

Os que estão fes­te­jando, como uma vitória de final de copa, o fato do cidadão não poder ir para a cadeia cumprir sua pena mesmo que já tenha sido con­de­nado por duas instân­cias da justiça, talvez este­jam fes­te­jando por não terem lido o inciso com­pleto. Ele começa com ninguém.

A Con­sti­tu­ição da República, começa diver­sos incisos do artigo 5º, com o pronome indefinido ninguém, que sig­nifica nen­huma pes­soa.

É assim com os incisos: II — ninguém será obri­gado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em vir­tude de lei; III — ninguém será sub­metido a tor­tura nem a trata­mento desumano ou degradante; VIII — ninguém será pri­vado de dire­itos por motivo de crença reli­giosa ou de con­vicção filosó­fica ou política, salvo se as invo­car para eximir-​se de obri­gação legal a todos imposta e recusar-​se a cumprir prestação alter­na­tiva, fix­ada em lei; XX — ninguém poderá ser com­pelido a associar-​se ou a per­manecer asso­ci­ado; LIII — ninguém será proces­sado nem sen­ten­ci­ado senão pela autori­dade com­pe­tente; LIV — ninguém será pri­vado da liber­dade ou de seus bens sem o dev­ido processo legal;

Estou certo que todos con­cor­dam que o pronome indefinido ninguém con­ti­dos nos incisos acima, como bem ensina a boa gramática, refere-​se à nen­huma pes­soa.

Assim, tenho por certo, que do mesmo modo é o “ninguém” do inciso LVII.

Na inter­pre­tação de que o cidadão só pode ini­ciar o cumpri­mento da pena após o trân­sito em jul­gado não podemos esque­cer que o man­da­mento se aplica a todos. Nen­huma pes­soa, por­tanto, neste entendi­mento, dev­e­ria ser preso até que se esgo­tasse a pos­si­bil­i­dade de inten­tar todos os infind­áveis recur­sos pre­vis­tos na leg­is­lação.

Não con­cor­dar que assim seja é cor­romper a Con­sti­tu­ição Repub­li­cana. Afi­nal, tam­bém, con­sta como cláusula pétrea ínsita no “Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza …”.

Quando o pres­i­dente do STF abriu a sessão de jul­ga­mento desta matéria, fez questão de dizer que o que estavam jul­gando não era algo dire­cionado a um cidadão, mas sim, um entendi­mento a ser apli­cado a todos os brasileiros. Algo assim.

Pois bem, não faz muitos dias uma revista sem­anal dig­i­tal, a Cru­soé, rela­cio­nou diver­sos jul­ga­dos destes mes­mos min­istros que enten­deram que a prisão só pode acon­te­cer após o trân­sito em jul­gado, man­tendo pre­sos cidadãos que fur­taram uma bermuda, um pote de man­teiga, uma gal­inha ou mesmo alguns tro­ca­dos.

Agora, desde a última decisão do STF pela “incon­sti­tu­cional­i­dade” da prisão após con­de­nação em segunda instân­cia, assis­ti­mos ao des­file de cor­rup­tos de colar­inho branco deixando a cadeia após serem con­de­na­dos em segunda instân­cia – e até ter­ceira instân­cia –, para que aguar­dem até à morte o trân­sito em jul­gado dos seus proces­sos.

Qual a difer­ença entre aque­les pobres coita­dos que roubaram para comer ou toma­dos pela neces­si­dade da dependên­cia química destes que sua conta e risco resolveram roubar mil­hões ou bil­hões, con­scientes de seus atos?

Qual a difer­ença entre o cidadão que matou uma pes­soa, ainda que de forma dolosa, ou seja, com a intenção de matar, daquele que roubou mil­hões da saúde e provo­cou a morte de cen­te­nas ou mil­hares de cidadãos?

Qual difer­ença que há entre o traf­i­cante que leva o infortúnio a mil­hares de pes­soas e as suas famílias daquele cidadão que roubou mil­hões da edu­cação roubando sonho de mil­hões de jovens e até mesmo os entre­gando nas mãos dos traf­i­cantes?

Quero com­preen­der que dar trata­mento difer­en­ci­ado a estes igual­mente crim­i­nosos é ver­dadeira­mente cor­romper a Con­sti­tu­ição. Não admi­tir isso é ser hipócrita.

E recorro, como já fiz tan­tas vezes ao Ser­mão de Vieira: “Nave­g­ava Alexan­dre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a con­quis­tar a Índia; e como fosse trazido à sua pre­sença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-​o muito Alexan­dre de andar em tão mau ofí­cio: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respon­deu assim: Basta, sen­hor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imper­ador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexan­dres. Mas Sêneca, que sabia bem dis­tin­guir as qual­i­dades e inter­pre­tar as sig­nifi­cações, a uns e out­ros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem ani­mum latro­nis et piratae haben­tem. Se o rei de Macedô­nia, ou de qual­quer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e mere­cem o mesmo nome”. Padre Antônio Vieira, Ser­mão do Bom Ladrão.

Não existe norma acima da Con­sti­tu­ição. Se o STF decidiu ser ofen­sivo à carta o cumpri­mento da pena sem que o con­de­nado tenha esgo­tado toda sua capaci­dade recur­sal, dev­e­ria, de ofí­cio, ter deter­mi­nado a soltura de todos os que encon­tram na idên­tica situ­ação dos ricos que já avi­avam seus ape­los durante a sessão de jul­ga­mento.

Como disse o min­istro Marco Aurélio Mello, rela­tor da matéria, quem vai devolver um dia a mais que cidadão ficou preso indevidamente?

Vou além, o Supremo dev­e­ria, tam­bém, de ofí­cio deter­mi­nar a soltura de todos aque­les que não quis­eram ou não pud­eram recor­rer, porque acred­i­taram na impos­si­bil­i­dade de rever­são de suas sen­tenças con­de­natórias à luz do entendi­mento ante­rior. Ninguém cumpre pena vol­un­tari­a­mente. Foram para o cárcere “enganadas” pelo Estado que lhe disse não haver pos­si­bil­i­dade de mudança em suas sen­tenças. Esse mesmo Estado está “roubando” dias de liber­dade destas pes­soas.

Ao dizer que ofende a Con­sti­tu­ição da República a manutenção de prisão sem que tenha ocor­rido o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, o hon­esto a ser feito pelo STF é deter­mi­nar a soltura de todos que não tiveram a chance de esgo­tar todos os recur­sos pos­síveis e mesmo dos pre­sos pro­visórios ou apri­sion­a­dos pre­ven­ti­va­mente, se ilíc­ito man­ter preso quem já con­de­nado uma, duas, três ou qua­tro instân­cias o que dizer daquele que, emb­ora preso pre­ven­ti­va­mente pode ser absolvido?

Con­forme demon­strado acima a inter­pre­tação lit­eral do dis­pos­i­tivo invo­cado para soltar os crim­i­nosos de colar­inho branco é o mesmo que dev­e­ria ser invo­cado para esvaziar todas os cárceres do país uma vez, como já dito, não haver qual­quer regra a desafiar o man­da­mento con­sti­tu­cional, nem mesmo a lei uni­ver­sal do bom senso.

Abdon Mar­inho.

P.S. A charge que ilus­tra o texto peguei emprestada do amigo Cordeiro Filho.