AbdonMarinho - Partidos: A questão da fidelidade.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Par­tidos: A questão da fidelidade.


PARTIDOS: A QUESTÃO DA FIDELIDADE.

Por Abdon Marinho.

UM ASSUNTO tem chamado minha atenção ulti­ma­mente. Falo dos debates em torno das mudanças de par­la­mentares dos par­tidos pelos quais foram eleitos para out­ros, num xadrez que obe­dece uni­ca­mente à lóg­ica dos inter­esses pessoais.

De longe, a maior con­fusão deu-​se – e ainda per­du­rará por muito tempo –, den­tro do par­tido do pres­i­dente, o PSL, entre os ali­a­dos do próprio, leia-​se, famil­iares, e o grupo do pres­i­dente do par­tido, sen­hor Bivar, pelo comando da agremi­ação – e dos mil­hões ameal­ha­dos pela far­tura de dep­uta­dos, tanto no fundo par­tidário quanto no fundo eleitoral. Tratare­mos desta farra com o din­heiro do con­tribuinte noutra opor­tu­nidade.

Der­ro­ta­dos na batalha pelo comando do par­tido o grupo que segue o comando do pres­i­dente da República, com ele à frente, anun­cia­ram a cri­ação de um novo par­tido.

O pres­i­dente, inclu­sive, já anun­ciou sua des­fil­i­ação par­tidária (a nona, se não me falha a memória, na sua car­reira política), os dep­uta­dos aguardam os pro­ced­i­men­tos para cri­ação do par­tido para poderem sair sem o risco de perderem os mandatos.

Por estas pla­gas, o fre­n­esi par­tidário tam­bém se faz pre­sente, sobre­tudo, tendo em vista as eleições de 2020, com alguns dep­uta­dos estad­u­ais, e fed­erais, anun­ciando mudanças de leg­enda e alguns exibindo umas tais “car­tas de añuên­cia” como se fos­sem “car­tas de alfor­ria”, de triste memória. Tratare­mos, tam­bém, deste assunto.

Até 2007 o troca-​troca par­tidário ocor­ria sem qual­quer critério. Mudava-​se de par­tido como se tro­cava de roupa.

Foi a par­tir dos jul­ga­men­tos dos Man­da­dos de Segu­rança nº 26.602, 26.603 e 26.604, pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, recon­hecendo que os mandatos perte­cem aos par­tidos políti­cos que as coisas começaram a mudar.

Em out­ubro de 2007, o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE, na esteira dos jul­ga­dos do do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, edi­tou a Res­olução TSE nº. 22.610, dis­ci­plinando o processo de perda de cargo ele­tivo, bem como de jus­ti­fi­cação de des­fil­i­ação par­tidária.

A res­olução referida encontra-​se vigente.

A par­tir de 2015, através da Lei nº. 13.165÷2015, foi acrescido o artigo 22-​A, a Lei nº. 9096/​1995, con­hecida como a Lei Orgânica dos Par­tidos Políti­cos, esta­b­ele­cendo:

Art. 22-​A. Perderá o mandato o deten­tor de cargo ele­tivo que se des­fil­iar, sem justa causa, do par­tido pelo qual foi eleito.

Pará­grafo único. Consideram-​se justa causa para a des­fil­i­ação par­tidária somente as seguintes hipóteses:

I — mudança sub­stan­cial ou desvio reit­er­ado do pro­grama par­tidário;

II — grave dis­crim­i­nação política pes­soal; e

III — mudança de par­tido efe­t­u­ada durante o período de trinta dias que ante­cede o prazo de fil­i­ação exigido em lei para con­cor­rer à eleição, majoritária ou pro­por­cional, ao tér­mino do mandato vigente.

Cabe assev­erar que para per­mi­tir a mudança de par­tido através da chamada “ janela” foi pro­mul­gada a Emenda Con­sti­tu­cional nº. 91, de 18 de fevereiro de 2016, para aque­las eleições, fac­ul­tando a qual­quer deten­tor de mandato ele­tivo, no prazo que esta­b­ele­cia, mudar de par­tido:

Art. 1º É fac­ul­tado ao deten­tor de mandato ele­tivo desligar-​se do par­tido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à pro­mul­gação desta Emenda Con­sti­tu­cional, sem pre­juízo do mandato, não sendo essa des­fil­i­ação con­sid­er­ada para fins de dis­tribuição dos recur­sos do Fundo Par­tidário e de acesso gra­tu­ito ao tempo de rádio e tele­visão”.

Como podemos ver­i­ficar a emenda acima per­mi­tiu a qual­quer um que mudasse de par­tido, tânatos para aquela eleição, como para quais­quer out­ras ou, sim­ples­mente, para des­o­bri­gar o deten­tor de mandato do com­pro­misso par­tidário, mas deixando claro o prazo para essa mudança.

Outra hipótese de mudança par­tidária, de caráter con­sti­tu­cional, foi trazida pela Emenda Con­sti­tu­cional nº. 97, de 04 de out­ubro de 2017, voltada para os deten­tores de mandatos eleitos por par­tidos que não cumpri­ram a chamada cláusula de bar­reira: “§ 5º Ao eleito por par­tido que não preencher os req­ui­si­tos pre­vis­tos no § 3º deste artigo é asse­gu­rado o mandato e fac­ul­tada a fil­i­ação, sem perda do mandato, a outro par­tido que os tenha atingido, não sendo essa fil­i­ação con­sid­er­ada para fins de dis­tribuição dos recur­sos do fundo par­tidário e de acesso gra­tu­ito ao tempo de rádio e de tele­visão.» (Art. 17, da CF).

Com tais con­sid­er­ações, acred­ito que exista um óbice quase que intransponível aos ali­a­dos do pres­i­dente para que mudem do par­tido pelo qual foram eleitos sem que provem quais­quer dos motivos esta­b­ele­ci­dos no rol tax­a­tivo do artigo 22-​A, da Lei 9096/​95, sem que ten­ham de aguardar a aber­tura da “janela”, o que, para os dep­uta­dos fed­erais, só acon­te­cerá em março de 2022, vez que não preenchem os req­ui­si­tos do §5°, do artigo 17 da CF.

Ao meu sen­tir, emb­ora a Res­olução TSE 22.610 per­maneça vigente, o rol a con­sid­erar como justa causa para a des­fil­i­ação par­tidária foi alter­ado pela lei que é norma de hier­ar­quia supe­rior, ou seja, deixou de exi­s­tir aquela per­mis­são para fil­i­ação em par­tido novo.

É dizer, o par­tido, dos son­hos pres­i­den­ci­ais, ou qual­quer outro, pode ser for­mado e con­tar com fil­i­a­dos deten­tores de mandatos ele­tivos majoritários, mas, em relação aos deten­tores de mandatos pro­por­cionais, dev­erá aguardar a aber­tura das “janelas” pre­vis­tas na lei, vereadores, março de 2020; e, dep­uta­dos estad­u­ais e fed­erais, a janela de março de 2022.

Noutro giro, entendo que diante de um rol tão fechado, coibindo as mudanças par­tidárias, pouca ou nen­huma valia têm as ditas “car­tas de añuên­cia”, expe­di­das ao alvedrio ou por con­veniên­cia das direções par­tidárias locais.

Ora, a lei e até mesmo a Con­sti­tu­ição Fed­eral são claras ao esta­b­ele­cer as hipóte­ses a pos­si­bil­i­tar a des­fil­i­ação par­tidária aos deten­tores de mandatos ele­tivos pro­por­cionais, não con­stando em tais leg­is­lações a hipótese do par­tido, dos seus órgãos dire­tivos, menos ainda, o pres­i­dente da agremi­ação de per­mi­tir a mudança par­tidária.

Emb­ora esteja consignado que mandato per­tence ao par­tido, tais regras servem como pro­teção ao cidadão/​eleitor. Noutras palavras, o eleitor ao votar no can­didato tam­bém o faz por con­sid­erar que o mesmo vai defender os princí­pios par­tidários, tanto assim, que vota antes no par­tido, e, pos­te­ri­or­mente, no can­didato.

Ao meu sen­tir, repito, não faria sen­tido que o leg­is­lador impusesse tan­tas restrições à mudança par­tidária por parte dos deten­tores de mandatos ele­tivos e deix­asse nas “mãos” dos diri­gentes par­tidários o poder para decidir quem fica e quem sai. Com base no quê?

Assim, entendo legí­timo, que mesmo o par­tido, por suas direções, equiv­o­cada­mente, “liberem” este ou aquele deten­tor de mandato, ao seu alvedrio, por con­veniên­cia ou por quais out­ros incofessáveis motivos, aos suplentes, com inter­esse, e ao Min­istério Público Eleitoral, cabe que pleit­eiem, junto à Justiça Eleitoral, nos ter­mos da Res­olução TSE 22.610, a perda do mandato do político deser­tor.

Vou além, ao Min­istério Público, na função de fis­cal da lei, cabe ficar atendo à pos­síveis ten­ta­ti­vas de burla à leg­is­lação, pre­venindo que escu­d­a­dos nos per­mis­sivos esta­b­ele­ci­dos no artigo 17 da Con­sti­tu­ição Fed­eral – § 1º É asse­gu­rada aos par­tidos políti­cos autono­mia para definir sua estru­tura interna e esta­b­ele­cer regras sobre escolha, for­mação e duração de seus órgãos per­ma­nentes e pro­visórios e sobre sua orga­ni­za­ção e fun­ciona­mento e para ado­tar os critérios de escolha e o régime de suas col­i­gações nas eleições majoritárias, vedada a sua cel­e­bração nas eleições pro­por­cionais, sem obri­ga­to­riedade de vin­cu­lação entre as can­di­dat­uras em âmbito nacional, estad­ual, dis­tri­tal ou munic­i­pal, devendo seus estatu­tos esta­b­ele­cer nor­mas de dis­ci­plina e fidel­i­dade par­tidária –, os diri­gentes par­tidários “frau­dem” a von­tade dos cidadãos/​eleitores.

Noutras palavras, emb­ora nos ter­mos acima, os par­tidos pos­suam ampla autono­mia, o des­ti­natário der­radeiro das nor­mas legais e con­sti­tu­cionais é o cidadão, é a sociedade. Para isso, com­pete às insti­tu­ições a vig­ilân­cia efe­tiva para garan­tir o seu cumpri­mento no inter­esse da sociedade.

Mas este é um assunto, ainda, a deman­dar muitas inda­gações. Cer­ta­mente voltare­mos a ele.

Abdon Mar­inho é advo­gado.