NA COVA DA JARARACA.
NINHO DE COBRAS é um clássico do cinema estadunidense de 1970. Na parte que interessa ao texto, Kirk Douglas, interpreta o bandido Paris Pitman Jr que, com seu bando assalta, um rico fazendeiro. Na troca de tiros todos os membros da quadrilha morrem só restando ele com os 500 mil dólares, que esconde a maior parte em um buraco repleto de cobras, dai o título do filme. Uma noite, enquanto se diverte num «saloon» é reconhecido pela vítima do assalto, preso e condenado a dez anos de cadeia a serem cumpridos numa prisão no meio do deserto do Arizona. Embora leve uma imensa pressão não revela onde escondeu o dinheiro, despertando a cobiça do diretor do estabelecimento que trata de cometer seus abusos.
Os veículos de comunicação e, sobretudo, as redes sociais, fazem um burburinho imenso com a revelação de que a Polícia Federal descobriu um cofre no Banco do Brasil repleto de bens do ex-presidente, Lula. Tais bens, ao menos parte deles, seriam fruto de doações recebidas pelo Sr. Lula quando ocupava a presidência da República. Outra parte, há questionamentos sérios, se pertenceriam ao acervo nacional.
A analogia faz sentido uma vez que o ex-presidente se autoproclamou uma jararaca – nome que se dá a diversas serpentes do gênero Bothrops. Nada mais ilustrativo que uma jararaca cuidando de sua pequena fortuna.
Não pretendia mais voltar a tratar do assunto Lula. infelizmente, para nosso desgosto, cada dia tem uma novidade.
A novidade da vez são os bens que o ex-presidente recebeu no exercício do cargo. Mais, que na mudança do mesmo no término do mandato, talvez por equívoco, tenha levado algo além dos «presentes de caráter pessoal».
O próprio ex-presidente fez questão de alardear que recebera mais presentes que todos os antecessores juntos. Segundo ele seria onze contêineres só em presentes.
Tanta abundância lhe causou um problema adicional. Como guardar tanta coisa? O apartamento de São Bernardo – ainda que duplicado graças a aluguel do imóvel de um parente do primeiro-amigo José Carlos Bumlai –, não seria suficiente.
A solução seria mandar parte para o sítio «que não é do Lula», gentilmente reformado a gosto do próprio por empreiteiras amigas. Outra parte alojado em um depósito pago por outra empreiteira.
A parte mais valiosa, as assim chamadas jóias da coroa, ficaram alojadas no já referido cofre do Banco do Brasil. Neste último caso, um pequeno detalhe me chamou a atenção: se não ouvi errado, o aluguel do cofre não é suportado pelo ex-presidente ou qualquer de seus familiares.
Como vemos, embora o ex-presidente e seus aliados reclamem de uma suposta perseguição, tudo que o envolve é um tanto quanto nebuloso. Tudo foge à normalidade.
Como é compreensível que alguém more a vida inteira de favor de amigos? Aí o ex-presidente quer descansar, muito simples: vai ao sítio que é de amigos, reformado a seu gosto por amigos e que, ao que parece, quem menos frequentava o imóvel eram seus proprietários. Não lhes parece estranho?
Mais estranho ainda é a situação do já famoso triplex do Guarujá. Não é de hoje que a cooperativa responsável pela construção dos imóveis é envolvida em escândalos, até culminar com sua falência – segundo dizem, devido aos desvios dos associados para o caixa do PT – e as obras serem assumidas por uma empreiteira que pontifica o escândalo do «petrolão». Ainda que esta empreiteira não estivesse envolvida, não comportaria a um ex-presidente da República, sequer, passar perto de tais imóveis, muito menos possuir uma cota, menos ainda, que tal cota fosse do melhor imóvel de todos, possuindo até um elevador interno, também isso, além de riquíssima reforma, bancados por construtoras enroladas. Ainda mais que isso ocorre em detrimento de centenas de famílias que jogaram suas economias no sonho da casa própria e hoje moram de favor, de aluguel.
Não. Não comporta a um ex-presidente esse tipo de estripulia.
Mas voltemos aos tais «presentes».
Lembro que quando da saída do ex-presidente, muitas foram as notícias de teria havido uma «limpa» nos palácios da República. Tudo devidamente ignorado tendo em vista a troca de guarda «dentro de casa» e o amplo apoio popular do que desocupava o posto.
A primeira pergunta que merece ser feita é se os presentes foram dados ao cidadão Lula ou ao presidente da República Luís Inácio Lula da Silva? Será que teria recebidos tantos presentes se fosse apenas um líder sindical, ainda que toda sua história? Será que ganharia tanta coisa? Certamente que não.
Os governantes precisariam entender que tais «presentes» pertecem a nação, mais ainda quando fruto de trocas entre chefes de estado e governo.
Ainda que pela legislação haja amparo ao presidente da nação receber tantos «mimos» – até tronos africanos, segundo o ex-presidente –, não acho correto se apropriarem de tais presentes. Devendo valer a eles as mesmas regras dispensadas aos demais servidores públicos: aquilo que tivesse um determinado valor que fosse considerado um presente pessoal, tipo um livro, um certificado, um diploma, etc., beleza, pode levar, mas aqueles com valor superior deveriam ficar para nação sob pena de significar enriquecimento sem causa, até mesmo improbidade.
Então o cidadão viaja às custas do contribuinte, com tudo pago, com direito a luxos – até excessivos –, e ainda se apropriam para o deleite próprio daqueles presentes recebidos. Não me parece ético, não me parece correto. Pelo contrário significaria o vilipêndio da própria república, a res publica, a coisa pública. Na nova ordem, a coisa que deveria ser pública, se tornou privada, onze contêineres, tronos da África, adagas, e até o Cristo foi levado.
Mas essa é apenas uma opinião, cada um possui sua própria ética.
Abdon Marinho é advogado.