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A REPÚBLICA DOS NANICOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

A REPÚBLICA DOS NANICOS.

O BRASIL enfrenta, acred­ito, sua maior crise política, econômica, moral e ética.

Sabem o que é mais desalen­ta­dor? Saber que ao olhar­mos ao redor não encon­traremos ninguém em quem con­fiar; uma única pes­soa para poder­mos dizer que o Brasil se encon­tra em boas mãos. Falta um «tim­o­neiro» ao Brasil, e isso não é de hoje.

Fico pen­sando: o que acon­te­ceu com os homens públi­cos do país? Será que nunca os tive­mos de ver­dade? Cadê o espírito público dos brasileiros? Será que, por aqui, alguém pensa além dos próprios inter­esses e dos seus famil­iares ou amigos?

São raros os dias em que a primeira coisa que faço não seja, antes mesmo de lev­an­tar da cama, ver­i­ficar quem foi preso, qual o novo escân­dalo envol­vendo os homens públi­cos brasileiros.

Será que desco­bri­ram o envolvi­mento do pres­i­dente interino em algo que o impeça de con­tin­uar? Será que pres­i­dente afas­tada foi apan­hada em mais uma tramóia?

A política brasileira – com reflexos em todos os poderes e insti­tu­ições –, tornou-​se um ter­ritório sem lei. Mel­hor, um ter­ritório onde impera a lei do mais esperto e auda­cioso. Todos – com cada vez mais rara exceção –, pre­ocu­pa­dos em san­grar a nação.

Nunca tal real­i­dade foi tão palpável quanto nestes dois últi­mos anos, com as rev­e­lações des­en­cadeadas pela Oper­ação Lava Jato.

Os números são assus­ta­do­ra­mente ele­va­dos e dão conta do quanto a nação tem sido espo­li­ada. Só um min­istro rece­bia, de um único esquema, propina de 300 mil men­sais. Um senador 40 mil­hões nos últi­mos oito anos, um outro 30, um ex-​presidente 20, isso só para ficar na cúpula do PMDB. Só para este par­tido, só na Transpetro, sob o comando do sen­hor Sér­gio Machado, foram desvi­a­dos mais de R$ 100 mil­hões de reais para estes sen­hores, con­forme suas próprias palavras.

Quan­tos mais e em quan­tos out­ros esquemas?

Nunca é demais lem­brar que o esque­mas oper­a­dos pelo PT e PP tam­bém movi­men­ta­ram nos últi­mos anos, a título de propinas, números, tam­bém, assus­ta­dores. Basta lem­brar que no acordo de delação feito pelo sen­hor Bar­usco. Este sen­hor con­cor­dou em devolver quase 100 mil­hões de dólares. De dólares. E ele era o sub do sub. Esta­mos longe de chegar aos números reais da roubalheira.

Só na esteira do escân­dalo da Oper­ação Lava Jato, ver­i­fi­camos que alcança quase todos os par­tidos e uma infinidade de políti­cos. Lem­bro que numa das con­ver­sas gravadas pelo sen­hor Machado con­sta a rev­e­lação de que no Con­gresso Nacional não have­ria cinco par­la­mentares eleitos sem o uso de propina.

Trata-​se uma des­graça, esta­mos falando de quase 600 parlamentares.

Outra coisa que choca é saber­mos que a cor­rupção atinge ex-​presidentes da República. Até agora, só não se encon­tra encalacrado com os desvios apu­ra­dos no escân­dalo da Petro­bras, o ex-​presidente FHC, por enquanto. Uma ilação aqui ou ali, geral­mente lig­ada à emenda que pos­si­bil­i­tou a reeleição, mas nada apon­tando maiores envolvi­men­tos. O que não quer dizer que não exista.

Noutra quadra, o que temos de forma cristalina é o envolvi­mento dos ex-​mandantários. Não duvi­damos que a cor­rupção sem­pre exis­tiu no Brasil, desde sem­pre, durante o régime mil­i­tar não foi difer­ente, mas não temos notí­cias de que os ex-​presidentes mil­itares enricaram no poder, pelo con­trário, todos acabaram seus dias de forma mod­esta. Tam­pouco deixaram for­tu­nas aos herdeiros.

As inves­ti­gações rev­e­lam que as coisas mudaram de pata­mar com a rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil. Já no gov­erno Sar­ney a cor­rupção se rev­elou insaciável. Agora, através do acordo de Sér­gio Machado temos a con­fir­mação do envolvi­mento do ex-​presidente no rece­bi­mento de propinas, tendo rece­bido, só de 2006 a 2014, quase 20 mil­hões no esquema oper­ado por ele den­tro da Transpetro.

O ex-​presidente Col­lor dis­pensa comen­tários, aparece, ele próprio, em mais de um inquérito com recebedor de propinas de fontes diversas.

O ex-​presidente Lula, segundo con­sta nas inves­ti­gações, e, tam­bém, na colab­o­ração do ex-​deputado Pedro Cor­rêa chamou para a si, para o Palá­cio, a respon­s­abil­i­dade de coman­dar e dis­tribuir o saque ao erário. Quem não lem­bra da par­tilha que fez entre PP e PMDB das propinas ori­un­das da dire­to­ria de Abastec­i­mento da Petro­bras, coman­dada por Paulo Roberto Costa, o Paulinho?

As inves­ti­gações tam­bém atingem a pres­i­dente afas­tada Dilma Rouss­eff, seja no finan­cia­mento ile­gal de suas cam­pan­has com din­heiro desvi­a­dos de diver­sas obras e empre­sas públi­cas, inclu­sive através de ordens pes­soais da mesma.

Mais grave. As colab­o­rações de Ode­brecht irão con­fir­mar o que Nestor Cev­eró já con­fes­sou: que a pres­i­dente afas­tada sabia de tudo, aí incluindo, a com­pra crim­i­nosa da Refi­naria de Pasadena, no Texas, EUA, que san­grou a empresa (Petro­bras) em quase um bil­hão de dólares.

E, até o atual pres­i­dente interino, aparece na colab­o­ração de Sér­gio Machado como tendo solic­i­tado que con­seguisse «ajuda» para o can­didato do seu par­tido (o velho PMDB de guerra), em São Paulo, nas eleições de 2012, tendo angari­ado para este fim, 1,5 mil­hão de reais.

A cor­rupção chegou aos coman­dantes do país. Não se trata uma «peteca» dis­pen­sada a um servi­dor público em troca de favorec­i­mento pes­soal. Trata-​se de um esquema estru­tu­rado com coman­dos diver­sos e nunca à rev­elia dos man­datários da nação, com o obje­tivo de saquear os cofres públicos.

O que se depreende disso tudo – sem­pre ressal­vando a existên­cia dos inocentes, bem inten­ciona­dos e hon­estos – é que o Brasil tornou-​se a república da roubal­heira. Isso jus­ti­fica que políti­cos gastem for­tu­nas para se elegerem e tam­bém o fato de muitos ingres­sarem na política «sem terem onde cairem mor­tos» e depois apare­cerem com for­tu­nas incalculáveis.

Quan­tos não con­hece­mos em tal situ­ação? Qual o milagre?

O Brasil está diante de uma situ­ação, acred­ito, sem para­lelo e com sérios riscos do poder cair nas mãos de um aven­tureiro qualquer.

A classe política – por seus próprios «méri­tos» – não rep­re­senta uma alter­na­tiva para sair­mos da caótica situ­ação em que nos encontramos.

As inves­ti­gações rev­e­lam que não ape­nas os pas­saram e estão no poder se locu­ple­taram de todas for­mas, tam­bém os prin­ci­pais can­didatos ao cargo de pres­i­dente fig­u­ram nesta ou naquela lista de ben­efi­ciários ou de sus­peitos de haverem rece­bidos bene­fí­cios inde­v­i­dos para suas cam­pan­has e até para si próprios.

Diante de tudo isso aparece de todos os lados os que dizem ser a culpa do «sis­tema», um ente abstrato respon­sável pelas propinas que irri­garam as cam­pan­has e as con­tas pes­soais dos políti­cos e dos seus.

Não. Nada disso. A culpa não é do sis­tema. A culpa é dos homens.

Falta ao Brasil homens públi­cos, homens com espírito público, capazes de colo­car os inter­esses do país à frente dos próprios inter­esses, que pensem no Brasil antes de pen­sarem no bolso.

É isso, infe­liz­mente, o que não vemos de norte a sul, em todos os rincões.

O Brasil tornou-​se, defin­i­ti­va­mente, a república dos nan­i­cos, dos homens menores, dos corruptos.

O que podemos esperar do futuro?

Abdon Mar­inho é advogado.

TEMER É O QUE TEMOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

TEMER É O QUE TEMOS.

O BRASIL revela-​se um país dicotômico e antagônico. Antes que alguém venha dizer que quero falar difí­cil, vou logo esclare­cendo: revela-​se divi­dido (ainda que não seja ao meio) em duas partes em que uma se opõe abso­lu­ta­mente a outra, em tudo. Como trevas e luz; branco e preto; morte e vida; mor­tadela e cox­in­has e por aí vai.

Neste cenário, alguém me indaga: – o sen­hor apoia o gov­erno Temer?

A esta inda­gação cos­tumo respon­der: – Temer é o que temos.

Ora, mais que uma resposta, trata-​se de com­preen­der a real situ­ação do país e como cheg­amos até aqui.

O pres­i­dente, ainda em exer­cí­cio, Michel Temer, é um sub­pro­duto da aliança desas­trosa entre o PT e o PMDB que legou ao país a maior crise de todos os tem­pos, com a recessão nas alturas, a ameaça de ter­mos a maior redução de PIB de toda nossa história, a inflação que não arrefece, e o desem­prego que ceifou quase doze mil­hões de pos­tos de tra­balho. Mais, que nos legou a maior degradação moral e ética que se tem notí­cia na história da humanidade. Acred­ito que nem Roma, no seu declínio, exper­i­men­tou o que viven­ci­amos atual­mente por aqui.

As pes­soas com um mín­imo de dis­cern­i­mento sabiam que a aliança entre estas duas forças, tendo como coad­ju­vantes o que sem­pre exis­tiu de pior na política nacional, era o cam­inho mais breve para a ruína total. E a ruína veio, só levou pouco mais de uma década para se mostrar em todo seu esplendor.

Muitos – entre os quais me incluo –, pas­samos de ali­a­dos a críti­cos logo nos primeiros dias, em 2003. Out­ros esper­aram 2005, out­ros ape­nas agora começam a perce­ber que mais que as bur­ras da nação, a «gangue» que se apoderou do poder, não levou ape­nas os recur­sos da nação, roubaram-​nos, tam­bém, os sonhos.

Os mais ingên­uos, imag­i­navam que as vel­has raposas da política brasileira iriam usar os puros do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT, para seus propósi­tos des­on­estos. Ainda hoje exis­tem estes ingên­uos a apon­tar como equiv­o­cada a aliança e os puros foram cor­rompi­dos pelos «homens maus» da política nacional. Não con­seguem ver que o PT apren­deu tão rápido a lição da arte de aliviar os cofres públi­cos, que de alunos tornaram-​se mestres. E, as vel­has raposas da República dos Sar­ney, Jucá, Renan e Bar­balho, meros aprendizes.

O pres­i­dente Temer faz parte de toda essa engrenagem. Seu par­tido só deixou a aliança que destruía o Brasil quando perce­beu a chance real do impeach­ment da pres­i­dente afas­tada, Dilma Rouss­eff, vin­gar e, eles, os “peemede­bis­tas», her­darem o poder.

Noutras palavras, Temer e seus cor­re­li­gionários do par­tido e de alguns satélites, fazem parte da her­ança, do legado com os quais nos brindou o Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT. Causa-​me estran­heza que tratem uns e out­ros como se nãos os con­hecessem, como se fos­sem estran­hos, como se não tivessem par­til­ha­dos, em con­junto, dos mes­mos desvios. Ora, a maio­ria da provas e acor­dos de colab­o­ração são unís­sonos e relatar que que as propinas eram divi­das entre estes par­tidos, PT e PMDB à frente.

Emb­ora, os ainda ingên­uos (ou loucos), insis­tam na tese de que a pres­i­dente afas­tada pode­ria retornar ao poder, qual­quer um sabe que ela já não tinha condições de gov­ernar o país antes, muito menos agora. A insistên­cia nesta tese, tem ape­nas o condão de trazer mais atraso ao país, retar­dar o retorno à normalidade.

Ainda que fosse pos­sível, o que teriam a ofer­e­cer? Nada. Con­tin­uar­iam levando o país à ban­car­rota, como fiz­eram nos últi­mos treze anos.

Nesta babel que se tornou a política brasileira, apare­cem, ainda, alguns ilu­mi­na­dos recla­mando – acred­ito que pen­sando mais nos pro­je­tos de cunho pes­soal que no país –, a real­iza­ção, ainda este ano, de novas eleições presidenciais.

Ora, tal solução afrontaria total­mente a ordem con­sti­tu­cional vigente. A menos que hou­vesse uma renun­cia dos tit­u­lares – e aí pas­sando a chefia da nação ao pres­i­dente da Câmara, que está impe­dido, do Senado, que pos­sui pedido de prisão e de afas­ta­mento – ou a aprovação de uma emenda con­sti­tu­cional de duvi­dosa con­sti­tu­cional­i­dade, nas duas casas do Con­gresso Nacional, em duas votações, em cada uma, com quo­rum qual­i­fi­cado. Já pen­saram nisso? Não me parece exe­quível. Não diante da urgên­cia que temos para fazer o país voltar a funcionar.

Qual­quer um que não esteja querendo «jogar para a plateia» sabe da invi­a­bil­i­dade de tal proposta.

Leio, aliás, que esta é uma das promes­sas da pres­i­dente afas­tada na ten­ta­tiva de angariar apoios para um pos­sível retorno. Mais uma vez, como fez durante toda a cam­panha de 2014, coloca-​se como porta-​voz do mar­queteiro (não sei qual, já que tit­u­lar virou hós­pede do Estado em Curitiba, Paraná), sabendo que está enganando o povo com um engodo. Primeiro que jamais faria tal pro­posta. Segundo, que, como já disse, não seria coisa fácil de acon­te­cer e não depen­de­ria uni­ca­mente dela.

Se quer aju­dar o país, pode­ria começar renun­ciando. Depois teria legit­im­i­dade para cobrar a renún­cia dos demais e cobrar a real­iza­ção de novas eleições.

Mais, tudo isso, essa ence­nação toda, como dizia meu velho e saudoso pai, não passa de con­versa para boi dormir.

O certo a fazer seria for­t­ale­cer o atual gov­erno, como de união nacional, para superar a grave crise em que foi mer­gul­hado país. Não temos mais tempo a perder e não temos, tam­bém, o dire­ito de ficar inven­tando soluções fora da real­i­dade e que só servem para ali­men­tar boatos e instabilidade.

Encerro repetindo que Temer é o que temos. Tra­bal­har pelo insucesso do seu gov­erno é tra­bal­har pelo fra­casso do país. E isso, só inter­essa aos que não têm com­pro­misso algum com o Brasil.

Abdon Mar­inho é advogado.

O OUT­ONO DO CORONEL.

Escrito por Abdon Mar­inho

O OUT­ONO DO CORONEL.

UMA notí­cia se impõe: o pedido de prisão do ex-​presidente José Sar­ney. Ainda que seja uma clausura domi­cil­iar ou um mon­i­tora­mento através de tornozeleira eletrônica, o fato é que o sim­ples pedido já se reveste de gravi­dade ímpar. Reputo ser mais grave que os idên­ti­cos pedi­dos con­tra o pres­i­dente do Con­gresso Nacional Renan Cal­heiros, do pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos Eduardo Cunha e do senador Romero Jucá. Sar­ney é emblema. Se deferido, pelo Supremo, o pedido de prisão, a mácula, já indelével, muda de pata­mar. Será, acred­ito, o primeiro ex-​presidente da República e mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras a sofrer tal con­strang­i­mento em tem­pos de democ­ra­cia plena.

O ex-​presidente, até aqui, era tido como alheio aos escân­da­los que trans­for­mou o ser­rado da cap­i­tal fed­eral num pân­tano de lama.

As lid­er­anças maiores da República iam (não sei se ainda irão) a sua casa render-​lhe hom­e­na­gens e pedir-​lhe con­sel­hos e ori­en­tações. Um detalhe curioso, e que poucos perce­beram, é o fato de nos últi­mos dias em que se dis­cu­tia o impeach­ment da pres­i­dente afas­tada Dilma Rouss­eff, enquanto todos iam a Temer, o pres­i­dente interino, foi a Sar­ney, a sua casa. Prova incon­teste da sua influência.

Em pleno out­ono era como se o velho coro­nel vivesse a sua pri­mav­era de poder.

Um outro recon­hec­i­mento — das pes­soas que têm recon­hec­i­mento a dar –, foi feito pelo ex-​presidente FHC, que o recon­heceu, nos livros que nar­ram suas memórias da presidên­cia, como um escritor. Vai além, diz sê-​lo um amante da cul­tura e dos livros. Um intelectual.

Emb­ora, como diz o ditado, «em terra de cegos, quem tem um olho é rei”, Sar­ney não ape­nas col­hia as van­ta­gens da longa exper­iên­cia obtida na vida pública em meio às nul­i­dades que assumi­ram o poder da nação, até, então, era con­sid­er­ado um gênio da política brasileira.

Ora, para o bem ou para o mal, não se tem como negar sua «exper­tise» nesta área, sobre­tudo, quando tan­tos out­ros tidos como pal­adi­nos da moral­i­dade, caíram bem antes dele. Não que ele nunca tenha feito nada de errado, sabe-​se, desconfia-​se, que tamanha longev­i­dade na car­reira política, se deva jus­ta­mente ao oposto.

A difer­ença, é que, até agora – exceto por aquele con­tratempo dos atos secre­tos quando pre­sidiu o Senado –, nunca se teve nada de mais grave con­tra si, com provas tão robus­tas quanto às ale­gadas para recla­mar as medi­das restri­ti­vas de liberdade.

As razões para que nunca tenha sido apan­hado falando ou fazendo o que não devia, remete aos cuida­dos que sem­pre adotou.

Certa vez – segundo o relato de um amigo –, o ex-​presidente, estando em Brasília e pre­cisando falar com um dos fil­hos, pediu a uma visita do Maran­hão que no regresso ao estado natal fosse ao filho pedir que este fosse à cap­i­tal ter com ele. A visita sem se dar conta o atal­hou: – Mas, pres­i­dente, vamos ligar para ele. Tenho o número aqui. Sar­ney o inter­rompeu: – Tam­bém tenho o número dele. Mas pre­firo que o recado seja dado pessoalmente.

A nar­ra­tiva talvez não passé de lenda. Em todo caso, o certo é que o ex-​presidente, em tempo de devas­sas tele­fôni­cas, nunca foi “habitué» em nen­hum grampo. Agora mesmo, estas con­ver­sas que, segundo dizem, cau­cionam o pedido de restrição, foram feitas em um ambi­ente de con­versa intima, com alguém de con­fi­ança, por alguém con­sid­er­ado um filho.

Sem desmere­cer o tra­balho da Procu­rado­ria Geral da República, nem tão pouco deixar lou­var o imenso serviço que tem prestado à causa da cidada­nia brasileira e enten­dendo que todos devam ser inves­ti­ga­dos – até mesmo um ex-​presidente que reclama os rel­e­vantes serviços presta­dos ao país em 60 (sessenta) anos de vida pública, como ale­gado –, advogo que um pedido de prisão pre­cisa de fatos mais con­cre­tos para se sustentar.

Con­fesso que não vi – não nos diál­o­gos pri­va­dos divul­ga­dos até aqui –, nen­huma ati­tude conc­reta de obstrução à Justiça. Acred­ito que, até aque­les que dese­jam ver Sar­ney, Renan, Jucá, Cunha e tan­tos out­ros atrás das grades, se bem anal­is­arem, tam­bém não enx­er­garão isso. Não tiveram – se anal­is­ar­mos ape­nas as con­ver­sas gravada, repito – uma ati­tude conc­reta de obstrução.

Os cidadãos livres, inves­ti­ga­dos ou não, têm o sagrado dire­ito de, sobre­tudo, em ambi­ente pri­vado, diz­erem o que acham de deter­mi­nada situ­ação, lei, etc. Sendo par­la­mentares, e, prin­ci­pal­mente por isso (emb­ora possa se dizer que leg­is­lam em causa própria), podem dizer que esta ou aquela lei pre­cisa ser mudada, sofrer alter­ação, etc. Isso, ao menos em tese, não con­sti­tui crime. Do mesmo modo, não vejo nada demais um inves­ti­gado dizer que vai con­sti­tuir um advo­gado que con­hece este o aquele jul­gador, para que possa falar com ele. Nestes casos, o jul­gador que se sen­tir impe­dido, por algum motivo, que decline da causa, não sendo pos­sível dec­li­nar ou não se sinta impe­dido, que julgue con­forme sua con­sciên­cia. A parte não comete um crime por isso.

O nosso dire­ito con­sagra a lic­i­tude até do preso evadir-​se da cadeia. Se foge e é recap­turado, o máx­imo que sofre são punições administrativas.

Como querer que inves­ti­ga­dos não dis­cu­tam ou vejam as mel­hores estraté­gias para sua defesa?

A douta PGR equivoca-​se ao colo­car em idên­tico pata­mar, ou mais grave – aqui me refiro ape­nas aos diál­o­gos grava­dos –, as con­du­tas de Sar­ney, Jucá e Renan, que aque­las prat­i­cadas pelo ex-​senador Del­cí­dio do Ama­ral, fazendo com que tivesse a prisão aprovada pelo STF.

Dis­cordo, no caso do ex-​senador e líder do gov­erno petista, ele estava em posição de obstrução, com­prando o silên­cio do preso Nestor Cev­eró por inter­mé­dio de sua família.

Do mesmo modo, a situ­ação dos líderes do PMDB, estão aquém de serem com­para­das, por exem­plo, aquela do ex-​ministro Aluízio Mer­cadante, fla­grado na ten­ta­tiva de sub­orno ao ex-​assessor do ex-​senador Del­cí­dio do Ama­ral; ou a situ­ação da pres­i­dente afas­tada Dilma Rouss­eff e do ex-​presidente Lula no episó­dio da nomeação para usar em “caso de neces­si­dade”; ou, ainda, a situ­ação em que a pres­i­dente afas­tada nomeou um min­istro do Supe­rior Tri­bunal de Justiça – STJ, con­forme con­sta dos autos, com o propósito do mesmo soltar os malfeitores pre­sos pela Oper­ação Lava Jato.

Tais episó­dios, sim, clara obstrução à justiça e para os quais, ainda não sabe­mos, exceto o caso do ex-​senador, não se reclamou a prisão cautelar.

Acho que todos os fatos pre­cisam ser esclare­ci­dos com a punição exem­plar dos cul­pa­dos, caso exis­tam. Mas não podemos des­cuidar dos val­ores maiores a serem preser­va­dos, como a democ­ra­cia, a liber­dade, o dev­ido processo legal.

Quanto ao ex-​presidente Sar­ney, caso as provas apon­tem na sua direção, que responda no rig­ores da lei.

Em sendo cul­pado, jul­gado e con­de­nado, só nos cabe um exame soci­ológico (e talvez psi­cológico) sobre o vício da delin­qüên­cia. Um ex-​presidente da República, ex-​governador, ex-​senador, imor­tal de diver­sas acad­e­mias de letras, inclu­sive da Acad­e­mia Brasileira de Letras — ABL, pos­suidor de far­tas aposen­ta­do­rias, dev­e­ria se preser­var de cer­tas ati­tudes, inclu­sive, a de rece­ber “aju­das» ori­un­das de recur­sos desvi­a­dos, con­forme dizem con­star na colab­o­ração do sen­hor Sér­gio Machado.

Em algum momento da vida, pes­soas tão sábias dev­e­riam pen­sar que din­heiro não tem tanto valor, que não vale mais que um bom nome, um biografia escorreita.

O ex-​presidente Sar­ney vive seu out­ono. O pior dos outonos.

Abdon Mar­inho é advogado.