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OLIMPÍADAS: FIZE­MOS BONITO. MAS, E DAÍ?

Escrito por Abdon Mar­inho

OLIMPÍADAS: FIZE­MOS BONITO. MAS, E DAÍ?

AINDA no sábado, quando o Brasil con­quis­tou o ouro son­hado – logo em cima da Ale­manha –, um amigo faz uma piada: — gan­hamos o ouro, mas con­tinuo liso. E, pior, cheio de contas.

Há, claro, um excesso de ran­het­ice na colo­cação desde amigo. O Brasil fez muito bonito nas olimpíadas do Rio de Janeiro. Como, aliás, fez na Copa em 2014. Este é um fato.

Não pre­tendia falar sobre este tema, mas me sen­tiria em débito se dele não tratasse. Pouco antes da aber­tura dos jogos escrevi um texto crit­i­cando a real­iza­ção das olimpíadas no Rio de Janeiro, chamado «Fra­casso Olímpico». Volto ao tema, não para me retratar, mas para reafir­mar o que disse e acres­cen­tar out­ras coisas mais.

Logo depois dos jogos – emb­ora não ten­hamos alcançado a meta pro­posta –, talvez por influên­cia do inédito ouro no fute­bol, pelo sucesso na canoagem; no boxe, no tiro, na ginás­tica ou pela emo­cio­nante vitória no vôlei, o povo brasileiro pas­sou a demon­strar um certo ufanismo com relação ao evento.

A mídia, favore­cida pelos mil­hões que faturou, as autori­dades do pas­sado e do pre­sente, tam­bém, ten­tando tirar uma «casquinha» do sucesso – quase sem­pre indi­vid­ual e fruto do sac­ri­fí­cio dos atle­tas e suas famílias – e, da cor­dial­i­dade do povo brasileiro, trataram de tecer loas ao evento, dizendo que foram os respon­sáveis por isso ou aquilo. Por muito pouco, não chegaram a pro­por uma olimpíada per­ma­nente no Rio de Janeiro. E, o povo brasileiro, entrando na onda.

Faz parte da índole do nosso povo «com­prar» a causa dos out­ros. Como a festa – tanto nas are­nas, quanto nas ruas – foi muito boa, com as pes­soas den­tro e fora falando bem do país, muitos cidadãos acabam por achar que foi o mel­hor negó­cio do mundo traz­er­mos os jogos para cá. E. acabam por achar que os críti­cos – entre os quais me incluo –, somos do «con­tra», torce­mos pelo insucesso e pelo fra­casso dos nos­sos atle­tas, pelo fra­casso do país.

Antes de mais nada, não é nada disso. Eu, pelo menos, durante estes dezes­sete dias, virei um «cidadão olímpico», destes de pas­sar o fim de sem­ana inteiro assistindo todas as modal­i­dades esporti­vas, – até aque­las que não entendo muito bem o que significa.

Como todos, fiquei con­strangido com o ataque de algas que deixou as pisci­nas verdes ou com o assas­si­nato do poli­cial da Força Nacional de Segu­rança, abatido por traf­i­cantes, e indig­nado com o nadador amer­i­cano que ten­tou tratar o país como uma republi­queta de bananas.

Ape­sar de tudo, isso não me impede de achar que foi um equívoco trazer os jogos para o Brasil, assim como foi trazer a Copa do Mundo de 2014.

Reportagem da Folha de São Paulo aponta que as Olimpíadas cus­taram 39 bil­hões, destes, cerca de 17 bil­hões de reais foram pagos pelo con­tribuinte, eu, você, nós. Acred­ito que a matéria não se refira aos cus­tos indi­re­tos, com segu­rança, logís­tica, etc.

Mas ainda que tenha sido «ape­nas» 17 bil­hões – o que sig­nifica 1 bi por dia –, será que para um país que passa por prob­le­mas tão sérios e tão crôni­cos, despender 17 bil­hões – ainda que numa coisa nobre como um olimpíada, não é um excesso?

Um dos prin­ci­pais prob­le­mas brasileiros atende pelo nome de edu­cação. As nos­sas esco­las, estão sucateadas e muitas sim­ples­mente não teriam condições de exi­s­tir. Acred­ito que com R$ 1,5 mil­hão é pos­sível faz­er­mos uma escola nos mel­hores padrões do mundo (claro, se reti­ramos pelo menos parte da cor­rupção do meio), com os 17 bil­hões daria para con­struir 11 mil esco­las, inclu­sive com quadras polies­porti­vas para as cri­anças se prepararem para as olimpíadas futuras, além de estudar.

E a saúde, quan­tos não são os brasileiros que mor­rem por falta de atendi­mento, ou medica­men­tos; e pelo fato da morte ter chegado antes da cirur­gia prometida? Mil­hares. Todos os dias.

Nada mais ilus­tra­tivo que uma reportagem exibida pelo Jor­nal Nacional, da Rede Globo, um dia depois dos jogos. Em meio ao fogueio olímpico, ao ufanismo, que ela, globo, vende como ninguém, exibiu uma reportagem retratando o sofri­mento de inúmeros maran­henses que per­cor­rem por quase doze horas as esbu­ra­cadas estradas do estado para serem aten­di­das em cen­tros de hemod­iálise. Dia sim, dia não, estes cidadãos têm que enfrentar esse suplí­cio que exaure suas forças e lhes roubam dias, meses, talvez, anos de suas vidas.

Quan­tos cen­tros de hemod­iálise ou de out­ras espe­cial­i­dades não poderíamos con­struir no Brasil inteiro e assim garan­tir um mín­imo de dig­nidade e respeito aos nos­sos cidadãos?

Ape­nas ao Maran­hão, o gov­erno fed­eral deixa de repas­sar cerca de 300 mil­hões de reais/​ano, se com­para­mos à média da per capita. Entre­tanto, as autori­dades do estado ao invés de «brigar» por isso, pare­cem não enx­er­gar que não há nada demais «tor­rarem» R$ 17 bil­hões, em 17 dias de evento. Pior, ainda ficaram dando vivas ao Lula, vivas a Dilma e aos ex-​ministros comu­nistas Aldo Rebelo e Orlando Silva, segundo eles, respon­sáveis pelas olimpíadas do Rio de Janeiro. Chega a ser patético.

Fico, às vezes, com impressão que as autori­dades brasileiras não se dão conta do que sejam pri­or­i­dades nacionais. Olimpíadas, Copas do mundo, são even­tos mar­avil­hosos, momen­tos ímpares de con­graça­mento entre os povos e nações, mas, sejamos fran­cos, isso não nos per­tence, estes even­tos devem ficar ao encargo das nações que não têm os prob­le­mas que o Brasil, ainda, infe­liz­mente, não con­seguiu superar.

Será que não passa pela cabeça de ninguém o quanto é ilógico e desumano num bloco do jor­nal exal­tar a mar­avilha da festa olímpica e no outro mostrar a mis­éria dos cidadãos enfer­mos tendo que ficar dez, doze horas den­tro de veícu­los, per­cor­rendo cen­te­nas de quilômet­ros, três vezes na sem­ana, para con­seguir uma sim­ples sessão de hemod­iálise? Isso, só para ficar neste exemplo.

Ora, se o Brasil é essa potên­cia toda para orga­ni­zar grandes even­tos, dev­e­ria candidatar-​se a «pro­moter» do mundo. Só que, ao invés de pagar, dev­e­ria rece­ber por orga­ni­zar tais festas.

O brasileiro não con­segue sair do Hino Nacional: «deitado eter­na­mente em berço esplên­dido…» A festa olímpico foi linda? Foi. O Brasil fez bonito? Fez. Mas a real­i­dade é que foi uma festa para inglês ver. Nós, que ficamos indig­na­dos com a men­tira do nadador norte-​americano, pre­cisamos acor­dar para o fato de que aquilo – que não acon­te­ceu com ele –, acon­tece toda hora, em todos os can­tos do país, com muito mais bru­tal­i­dade que jamais ousamos imaginar.

A festa foi linda. Mas, e daí?

Abdon Mar­inho é advogado.

UMA NAÇÃO DE BÊBADOS?

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA NAÇÃO DE BÊBADOS?

A GRANDE polêmica dos últi­mos dias – capaz, até mesmo, de ofus­car o brilho do ouro olímpico – parece ter sido a declar­ação do min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, Gilmar Mendes por ocasião do jul­ga­mento que recon­heceu serem as Câmaras Munic­i­pais, os órgãos com­pe­tentes para o jul­ga­mento dos gestores munic­i­pais. O min­istro disse que a chamada “Lei da Ficha Limpa” pare­cia ter sido escrita por bêba­dos, ressal­vando não ser sua intenção ofender quem quer que fosse.

A declar­ação, mais que o con­teúdo do voto (onde, de fato, deve ser elu­ci­dado o posi­ciona­mento do min­istro), cau­sou enorme estardal­haço mere­cendo pronto repú­dio de asso­ci­ações lig­adas aos Tri­bunais de Con­tas, da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, parte da mídia e out­ros que se sen­ti­ram atingi­dos pela decisão da Suprema Corte.

Minha posição, deixando claro, desde já, é que o Supremo inter­pre­tou de forma cor­reta a Con­sti­tu­ição Fed­eral. Tenho visto muitos cidadãos esclare­ci­dos falarem como se o STF estivesse “inven­tando” o dire­ito. Nada disso, ele ape­nas, como guardião da Carta, diz qual é a inter­pre­tação mais cor­reta da mesma.

Comungo com o entendi­mento que a inter­pre­tação dada foi a mais cor­reta para a questão que vem se arra­s­tando desde muito tempo, prin­ci­pal­mente, depois das últi­mas refor­mas legais, feitas no calor do clamor popular.

Difer­ente da pre­gação feitas pelos que se sen­ti­ram pes­soal­mente atingi­dos pela decisão e que alardeiam aos qua­tro can­tos da terra que a pop­u­lação foi prej­u­di­cada, que os cor­rup­tos tomarão de assalto o poder, que ter­e­mos a impunidade como con­se­quên­cia da decisão, penso em sen­tido inverso, acho que podemos mel­ho­rar nossa rep­re­sen­tação política. E, não vou nem ressaltar que a “incom­preen­dida” decisão tem mais sus­ten­tação do que aparenta, à primeira vista, con­forme expli­carei a seguir.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, difer­ente do que muitos pen­sam, não começa no artigo primeiro. Ela começa no preâm­bulo, e lá está escrito: «Nós, rep­re­sen­tantes do povo brasileiro, reunidos em Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte para insti­tuir um Estado Democrático, des­ti­nado a asse­gu­rar o exer­cí­cio dos dire­itos soci­ais e indi­vid­u­ais, a liber­dade, a segu­rança, o bem-​estar, o desen­volvi­mento, a igual­dade e a justiça como val­ores supre­mos de uma sociedade fra­terna, plu­ral­ista e sem pre­con­ceitos, fun­dada na har­mo­nia social e com­pro­metida, na ordem interna e inter­na­cional, com a solução pací­fica das con­tro­vér­sias, pro­mul­g­amos, sob a pro­teção de Deus, a seguinte CON­STI­TU­IÇÃO DA REPÚBLICA FED­ER­A­TIVA DO BRASIL.”

Vejam, o leg­is­lador con­sti­tu­inte disse que estavam elab­o­rando o texto con­sti­tu­cional em nome do povo brasileiro. Não sat­is­feitos assen­taram, já no pará­grafo único do seu primeiro artigo: «Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Constituição”.

Pois bem. O que está cristal­ino neste ini­cio de con­versa é a sobera­nia pop­u­lar. O que está dito é que o poder orig­inário per­tence ao povo.

Ora, o que os arautos da moral­i­dade pregam é: o povo – que é nos ter­mos da Con­sti­tu­ição os “donos do poder orig­inário” –, não pos­sui a capaci­dade de bem escol­her seus rep­re­sen­tantes, são inca­pazes de escol­her, por conta disso, pre­cisam que os tri­bunais de con­tas ou cortes de justiça, retirem aque­les can­didatos cor­rup­tos, malfeitores da dis­puta para que os mes­mos não sejam escolhidos.

Por conta desta pro­funda inca­paci­dade de escol­her, este povo brasileiro, pre­cisa ser tute­lado ao extremo.

O engraçado é que dizem falarem isso em nome do povo, da sociedade civil. Mas, como, falam em nome do povo que acham ser inca­paz? Fico encab­u­lado com isso. Os mes­mos que enchem a boca para falar no «povo», são os primeiros a negarem a este mesmo povo o dire­ito de serem os respon­sáveis por suas escol­has, sen­hores do seu destino.

No caso especi­fico, do jul­ga­mento de que tra­tou o STF, a Con­sti­tu­ição não deixa dúvi­das sobre a com­petên­cia, basta ver o artigo 33 e seus parágrafos:

“Art. 33. A fis­cal­iza­ção do Municí­pio será exer­cida pelo Poder Leg­isla­tivo Munic­i­pal, medi­ante con­t­role externo, e pelos sis­temas de con­t­role interno do Poder Exec­u­tivo Munic­i­pal, na forma da lei.

§ 1º O con­t­role externo da Câmara Munic­i­pal será exer­cido com o auxílio dos Tri­bunais de Con­tas dos Esta­dos ou do Municí­pio ou dos Con­sel­hos ou Tri­bunais de Con­tas dos Municí­pios, onde houver.

§ 2º O pare­cer prévio, emi­tido pelo órgão com­pe­tente sobre as con­tas que o Prefeito deve anual­mente prestar, só deixará de prevale­cer por decisão de dois terços dos mem­bros da Câmara Municipal.

§ 3º As con­tas dos Municí­pios ficarão, durante sessenta dias, anual­mente, à dis­posição de qual­quer con­tribuinte, para exame e apre­ci­ação, o qual poderá questionar-​lhes a legit­im­i­dade, nos ter­mos da lei.”

Ora, o leg­is­lador con­sti­tu­inte, nestes dis­pos­i­tivos, deixou claro o papel de cada um na equação.

O que estavam fazendo, por vias tor­tas, era colo­car o pro­tag­o­nismo, a palavra final no órgão de con­t­role, con­trar­iando o que a Con­sti­tu­ição deixa claro como sendo respon­s­abil­i­dade das Câmaras Municipais.

Nos meus vagares, sem­pre me per­gun­tei, a per­si­s­tir esse entendi­mento, o que farão com o artigo 33?

Aqui, não se está a dizer ou negar a importân­cia dos órgãos téc­ni­cos de con­t­role. A questão é que não se pode pas­sar “por cima” do que esta­b­elece a Con­sti­tu­ição. Isso vai além do pen­sa­mento indi­vid­ual de cada um. Isso tem a ver com o poder orig­inário. Fazendo uma metá­fora – pela qual nos des­cul­pamos desde antes –, era como se fosse pos­sível o rabo bal­ançar o cachorro e não o contrário.

O que a Con­sti­tu­ição está dizendo é que a fis­cal­iza­ção, o con­t­role dos atos dos gestores públi­cos, será feitos pelos rep­re­sen­tantes do povo, por aque­les que são, em última instân­cia, os donos do din­heiro, os donos do patrimônio administrado.

Se os vereadores, dep­uta­dos ou senadores erram ao for­marem seus juí­zos, os eleitores, repito, os donos do poder, têm a chance de demiti-​los através de eleições livres e colo­car out­ros nos seus lugares.

Podem fazer o mesmo com os órgãos de con­t­role? Grosso modo, até podem, mas não com a mesma facil­i­dade que fazem através de eleições livres e reg­u­lares. Noutras palavras, por qual razão deve­mos con­fiar mais nos tri­bunais de con­tas – que pouco ou nada podemos inferir – que no jul­ga­mento da câmara que podemos tro­car com data certa?

O que a leg­is­lador fez foi garan­tir ao cidadão/​eleitor aquilo que colo­cara no preâm­bulo da Carta e seu artigo primeiro: que é ele o pro­tag­o­nista da nação. Não pode­ria ser diferente.

Mas, nem por isso, a Con­sti­tu­ição deixa de recon­hecer a importân­cia e relevân­cia dos órgãos de con­t­role ao deixar explic­ito que os seus pare­ceres só deixam de prevale­cer se esta for a von­tade de dois terços da rep­re­sen­tação leg­isla­tiva. Isso não é pouca coisa.

Aí que digo acred­i­tar que a rep­re­sen­tação par­la­men­tar possa mel­ho­rar: os eleitores, con­scientes da sua respon­s­abil­i­dade, escol­herão mel­hor seus rep­re­sen­tantes ou não.

A democ­ra­cia, cos­tumo dizer, é um negó­cio arriscado, pois é feita basi­ca­mente com o povo.

Sem­pre descon­fio daque­les que dizem falarem em nome do povo mas que não con­fiam no seu juízo. Toda hora querem dizer o que fazer, como fazer, etc.

Acred­ito ser o papel da chamada sociedade civil, das enti­dades de defesa da moral­i­dade, da transparên­cia, ao invés de quer­erem falar em nome do povo – calando-​lhe a voz –, dev­e­riam con­sci­en­ti­zar este mesmo povo da sua importân­cia e responsabilidade.

Esta não é uma mis­são impos­sível, temos, hoje, mecan­is­mos fab­u­losos de difusão de ideias e infor­mações, não há nada que se faça que não possa ser esquadrin­hado, difun­dido; temos os mecan­is­mos de transparên­cia; do acesso a infor­mação; um Poder Judi­ciário e um Min­istério Público mais pre­sentes na vida dos cidadãos.

Noutra quadra, os próprios órgãos de con­t­role pode­riam tornar mais céleres e trans­par­entes seus pare­ceres, levando-​os ao con­hec­i­mento dos cidadãos ainda no curso dos mandatos.

Recla­mam das câmaras munic­i­pais mas pouco se dão conta ou se pre­ocu­pam com o tempo que leva as Cortes de Con­tas para exam­i­nar as con­tas dos gestores.

Cabe a todos, tra­bal­har­mos, incansavel­mente, para torn­ar­mos os cidadãos/​eleitores mais con­cientes e respon­sáveis por suas escol­has e não substituí-​los nas mesmas.

Na ver­dade, bêba­dos, não são os leg­is­ladores, são os eleitores, e o porre dura qua­tro anos. Mas, uma nação de bêba­dos, talvez seja o preço cobrado por viver­mos numa democracia.

Abdon Mar­inho é advogado.

NO PIOR DOS MUNDOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

NO PIOR DOS MUNDOS.

NA CELA em que José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre a pena de mais de vinte anos de prisão em régime fechado por cor­rupção e outro deli­tos rela­ciona­dos e, que divide com outro con­de­nado, foram encon­tra­dos obje­tos ilíc­i­tos pelo sis­tema carcerário. Não, não eram dro­gas e afins, ape­nas car­regadores de celu­lares e pen­drive com músi­cas e/​ou filmes.

Como os dois con­de­na­dos não assumi­ram a posse dos obje­tos – obe­de­cendo, cer­ta­mente ao código de “ética» do cárcere – ambos sofr­eram as medi­das dis­ci­pli­nares impostas aos inter­nos do sis­tema pen­i­ten­ciário nacional, como ser pri­vado da visita de famil­iares por deter­mi­nado período.

A notí­cia, escon­dida num cando de jor­nal – oculta ainda mais pelo brilho das reluzentes medal­has olímpi­cas e pelos feitos históri­cos de nadadores como Michael Phelps ou velocis­tas como Usain Bolt –, quase passa des­perce­bida, nestes dias em que a pauta esportiva toma conta de todo o noticiário.

Claro que fatos assim não são e não têm razão de serem noti­ci­a­dos. Os presí­dios brasileiros mais parece um queijo suíço, tal a quan­ti­dade de fal­has nos seus sis­temas de con­t­role. Todos os dias, ou qual­quer busca que fazem nas celas encon­tram muito mais do que foi achado na cela já referida.

Assim, achar pro­du­tos ilíc­i­tos em cela de pre­sos no Brasil, está longe de ser novi­dade ou objeto dos noti­ciosos locais.

O que torna rev­e­lante e emblemático no fato nar­rado – e que nos leva a uma reflexão pro­funda – são os per­son­agens envolvi­dos, sobre­tudo o nom­i­nado. José Dirceu de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Qua­tro, com setenta anos de idade, que é ninguém menos que Zé Dirceu, ex-​presidente do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT, ex-​ministro do gov­erno Lula.

Nos lau­tos tem­pos de poder, ninguém exerceu o mando com tanta arrogân­cia quanto o José Dirceu. Sentia-​se o primeiro e mais impor­tante respon­sável pela eleição de Lula por ocasião de sua primeira vitória ao cargo maior da República, o artic­u­lador infalível, o suces­sor nat­ural, naquele que estava se for­mando com o «reich» petista – pro­gra­mado para durar mais que qual­quer outro na história do país, quiçá do mundo.

Apre­sen­tado pelo próprio pres­i­dente da República como o “capitão do time”, estava dada a senha a todos inte­grantes do gov­erno a quem dev­e­riam se diri­gir para “resolver» quais­quer assun­tos rela­ciona­dos às suas pas­tas e tam­bém os assun­tos extra-​pasta. Era ele, José Dirceu, o coman­dante do gov­erno, o homem que dava – nos assun­tos admin­is­tra­tivos, no trato com o Con­gresso Nacional e den­tro da instân­cia par­tidária –, a última palavra.

E ele fez isso: man­dou. Des­man­dou, deu chá-​de-​cadeira em quem quis nos seus dois anos e meio à frente da Chefia da Casa Civil, de onde foi afas­tado quando veio à tona os méto­dos uti­liza­dos para gov­ernar, naquele que ficou con­hecido com «Escân­dalo do Men­salão”, que o próprio nome sug­ere do que se tratava, mas que era ape­nas a ponta do ice­berg das out­ras fac­ul­taras que colo­cariam a nação em transe.

A engrenagem de mando mon­tada pela cúpula par­tidária era de sorte sofisti­cada – e aqui cabe esclare­cer que todos sabiam do se pas­sava no gov­erno, do pro­jeto de crim­i­noso em curso – que José Dirceu con­tin­uou man­dando e fazendo “negó­cios» nos dois lados do bal­cão gov­ernista, mesmo depois de apeado do posto de “capitão do time”. Tanto assim, que foi apan­hado nova­mente neste outro escân­dalo pelo qual cumpre pena. Man­dava tanto que, mesmo depois de con­de­nado e preso por decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, con­tin­uou a auferir van­ta­gens dos esque­mas crim­i­nosos que articulara.

Mais que isso, con­tin­u­ava com áurea de “pri­sioneiro político”, capaz de fazer os fil­i­a­dos do par­tido se prestarem, por das, vigília na frente do presí­dio da Papuda, quando lev­ado a cumprir a pena após anos de arti­man­has e que já fora reduzida numa troca de ministros.

O assim chamado “pri­sioneiro político”, ape­sar de con­tin­uar “operando» seus ten­tácu­los – e por eles recebendo, mesmo no período em que cumpria a pena – man­dava tanto no gov­erno e nas estru­turas par­tidárias que con­seguiu fazer com que os fil­i­a­dos do par­tido e/​ou sim­pa­ti­zantes, se coti­zassem para pagar as mul­tas que foram impostas e, assim gan­har a liber­dade, numa pro­gressão de pena.

O out­rora manda-​chuva do Brasil é, hoje, ape­nas um ancião, alque­brado pelo peso dos mais de setenta anos, que cumpre uma pena a qual não sobre­viverá – ape­nas numa ação penal já está con­de­nado a mais de vinte anos e out­ras con­de­nações virão, pas­sando dos setenta, é um triste fim –, já sem a mís­tica de líder estu­dan­til rev­olu­cionário, guer­ril­heiro e pri­sioneiro político durante a ditadura mil­i­tar, líder politico e capitão do time no primeiro gov­erno dos “tra­bal­hadores”, não ouve mais o brado dos mil­i­tantes par­tidários chamando-​o de “guer­reiro do povo brasileiro”.

Segundo comen­tam, parece que o próprio par­tido já não o ver com «bons olhos” de antes e dele quer dis­tân­cia. A ojer­iza não é pelos atos de cor­rupção que prati­cou nestes anos de poder – a cor­rupção, sin­ge­la­mente apel­i­dada de “malfeitos” não os escan­dal­izam, até têm apreço (desde que pela “causa”).

Não per­doam em José Dirceu, segundo dizem, é que, assim como tan­tos out­ros, não roubou ape­nas para e pela “causa”, tra­tou, ele próprio de enricar. Esse o pecado maior.

Assim, aquela ja foi o homem mais poderoso do Brasil, vive seu ocaso, no pior dos mun­dos, tendo agir como reles ban­dido a fazer con­tra­ban­dear para den­tro de sua cela – não se sabendo como – celu­lares, car­regadores, pendrive…

Um triste e humil­hante fim para quem já sim­boli­zou a esper­ança de dias mel­hores para o Brasil e que ao invés de trazer os dias mel­hores, trouxe tan­tos maus exem­p­los, cha­fur­dando na mesma lama que tan­tas as vezes acusara os eter­nos donos do poder no país de chafurdarem.

A des­graça pela qual passa José Dirceu não é algo que se deseje a ninguém, nem ao pior dos inimi­gos. Não é algo que nos dá prazer escr­ever, pois só nos des­perta pena e desalento e a certeza de que dias piores virão.

Abdon Mar­inho é advogado.