AbdonMarinho - OLIMPÍADAS: FIZEMOS BONITO. MAS, E DAÍ?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

OLIMPÍADAS: FIZE­MOS BONITO. MAS, E DAÍ?

OLIMPÍADAS: FIZE­MOS BONITO. MAS, E DAÍ?

AINDA no sábado, quando o Brasil con­quis­tou o ouro son­hado – logo em cima da Ale­manha –, um amigo faz uma piada: — gan­hamos o ouro, mas con­tinuo liso. E, pior, cheio de contas.

Há, claro, um excesso de ran­het­ice na colo­cação desde amigo. O Brasil fez muito bonito nas olimpíadas do Rio de Janeiro. Como, aliás, fez na Copa em 2014. Este é um fato.

Não pre­tendia falar sobre este tema, mas me sen­tiria em débito se dele não tratasse. Pouco antes da aber­tura dos jogos escrevi um texto crit­i­cando a real­iza­ção das olimpíadas no Rio de Janeiro, chamado «Fra­casso Olímpico». Volto ao tema, não para me retratar, mas para reafir­mar o que disse e acres­cen­tar out­ras coisas mais.

Logo depois dos jogos – emb­ora não ten­hamos alcançado a meta pro­posta –, talvez por influên­cia do inédito ouro no fute­bol, pelo sucesso na canoagem; no boxe, no tiro, na ginás­tica ou pela emo­cio­nante vitória no vôlei, o povo brasileiro pas­sou a demon­strar um certo ufanismo com relação ao evento.

A mídia, favore­cida pelos mil­hões que faturou, as autori­dades do pas­sado e do pre­sente, tam­bém, ten­tando tirar uma «casquinha» do sucesso – quase sem­pre indi­vid­ual e fruto do sac­ri­fí­cio dos atle­tas e suas famílias – e, da cor­dial­i­dade do povo brasileiro, trataram de tecer loas ao evento, dizendo que foram os respon­sáveis por isso ou aquilo. Por muito pouco, não chegaram a pro­por uma olimpíada per­ma­nente no Rio de Janeiro. E, o povo brasileiro, entrando na onda.

Faz parte da índole do nosso povo «com­prar» a causa dos out­ros. Como a festa – tanto nas are­nas, quanto nas ruas – foi muito boa, com as pes­soas den­tro e fora falando bem do país, muitos cidadãos acabam por achar que foi o mel­hor negó­cio do mundo traz­er­mos os jogos para cá. E. acabam por achar que os críti­cos – entre os quais me incluo –, somos do «con­tra», torce­mos pelo insucesso e pelo fra­casso dos nos­sos atle­tas, pelo fra­casso do país.

Antes de mais nada, não é nada disso. Eu, pelo menos, durante estes dezes­sete dias, virei um «cidadão olímpico», destes de pas­sar o fim de sem­ana inteiro assistindo todas as modal­i­dades esporti­vas, – até aque­las que não entendo muito bem o que significa.

Como todos, fiquei con­strangido com o ataque de algas que deixou as pisci­nas verdes ou com o assas­si­nato do poli­cial da Força Nacional de Segu­rança, abatido por traf­i­cantes, e indig­nado com o nadador amer­i­cano que ten­tou tratar o país como uma republi­queta de bananas.

Ape­sar de tudo, isso não me impede de achar que foi um equívoco trazer os jogos para o Brasil, assim como foi trazer a Copa do Mundo de 2014.

Reportagem da Folha de São Paulo aponta que as Olimpíadas cus­taram 39 bil­hões, destes, cerca de 17 bil­hões de reais foram pagos pelo con­tribuinte, eu, você, nós. Acred­ito que a matéria não se refira aos cus­tos indi­re­tos, com segu­rança, logís­tica, etc.

Mas ainda que tenha sido «ape­nas» 17 bil­hões – o que sig­nifica 1 bi por dia –, será que para um país que passa por prob­le­mas tão sérios e tão crôni­cos, despender 17 bil­hões – ainda que numa coisa nobre como um olimpíada, não é um excesso?

Um dos prin­ci­pais prob­le­mas brasileiros atende pelo nome de edu­cação. As nos­sas esco­las, estão sucateadas e muitas sim­ples­mente não teriam condições de exi­s­tir. Acred­ito que com R$ 1,5 mil­hão é pos­sível faz­er­mos uma escola nos mel­hores padrões do mundo (claro, se reti­ramos pelo menos parte da cor­rupção do meio), com os 17 bil­hões daria para con­struir 11 mil esco­las, inclu­sive com quadras polies­porti­vas para as cri­anças se prepararem para as olimpíadas futuras, além de estudar.

E a saúde, quan­tos não são os brasileiros que mor­rem por falta de atendi­mento, ou medica­men­tos; e pelo fato da morte ter chegado antes da cirur­gia prometida? Mil­hares. Todos os dias.

Nada mais ilus­tra­tivo que uma reportagem exibida pelo Jor­nal Nacional, da Rede Globo, um dia depois dos jogos. Em meio ao fogueio olímpico, ao ufanismo, que ela, globo, vende como ninguém, exibiu uma reportagem retratando o sofri­mento de inúmeros maran­henses que per­cor­rem por quase doze horas as esbu­ra­cadas estradas do estado para serem aten­di­das em cen­tros de hemod­iálise. Dia sim, dia não, estes cidadãos têm que enfrentar esse suplí­cio que exaure suas forças e lhes roubam dias, meses, talvez, anos de suas vidas.

Quan­tos cen­tros de hemod­iálise ou de out­ras espe­cial­i­dades não poderíamos con­struir no Brasil inteiro e assim garan­tir um mín­imo de dig­nidade e respeito aos nos­sos cidadãos?

Ape­nas ao Maran­hão, o gov­erno fed­eral deixa de repas­sar cerca de 300 mil­hões de reais/​ano, se com­para­mos à média da per capita. Entre­tanto, as autori­dades do estado ao invés de «brigar» por isso, pare­cem não enx­er­gar que não há nada demais «tor­rarem» R$ 17 bil­hões, em 17 dias de evento. Pior, ainda ficaram dando vivas ao Lula, vivas a Dilma e aos ex-​ministros comu­nistas Aldo Rebelo e Orlando Silva, segundo eles, respon­sáveis pelas olimpíadas do Rio de Janeiro. Chega a ser patético.

Fico, às vezes, com impressão que as autori­dades brasileiras não se dão conta do que sejam pri­or­i­dades nacionais. Olimpíadas, Copas do mundo, são even­tos mar­avil­hosos, momen­tos ímpares de con­graça­mento entre os povos e nações, mas, sejamos fran­cos, isso não nos per­tence, estes even­tos devem ficar ao encargo das nações que não têm os prob­le­mas que o Brasil, ainda, infe­liz­mente, não con­seguiu superar.

Será que não passa pela cabeça de ninguém o quanto é ilógico e desumano num bloco do jor­nal exal­tar a mar­avilha da festa olímpica e no outro mostrar a mis­éria dos cidadãos enfer­mos tendo que ficar dez, doze horas den­tro de veícu­los, per­cor­rendo cen­te­nas de quilômet­ros, três vezes na sem­ana, para con­seguir uma sim­ples sessão de hemod­iálise? Isso, só para ficar neste exemplo.

Ora, se o Brasil é essa potên­cia toda para orga­ni­zar grandes even­tos, dev­e­ria candidatar-​se a «pro­moter» do mundo. Só que, ao invés de pagar, dev­e­ria rece­ber por orga­ni­zar tais festas.

O brasileiro não con­segue sair do Hino Nacional: «deitado eter­na­mente em berço esplên­dido…» A festa olímpico foi linda? Foi. O Brasil fez bonito? Fez. Mas a real­i­dade é que foi uma festa para inglês ver. Nós, que ficamos indig­na­dos com a men­tira do nadador norte-​americano, pre­cisamos acor­dar para o fato de que aquilo – que não acon­te­ceu com ele –, acon­tece toda hora, em todos os can­tos do país, com muito mais bru­tal­i­dade que jamais ousamos imaginar.

A festa foi linda. Mas, e daí?

Abdon Mar­inho é advogado.