AbdonMarinho - ILHA DE ESCOMBROS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

ILHA DE ESCOMBROS.

ILHA DE ESCOMBROS.

ALGUÉM, por mais otimista que seja, con­segue enx­er­gar um bom futuro para a Ilha de São Luís? Não con­sigo. Por onde passo, o que sinto é a sen­sação de aban­dono da ilha. Não me refiro ape­nas ao aban­dono físico mate­ri­al­izado pela má con­ser­vação das suas vias, a sujeira em todos os can­tos ou o desin­ter­esse das autori­dades em cuidar com car­inho da mesma. Há, sobre­tudo, por parte das autori­dades, um certo con­formismo, como se já tivessem jogado a toalha antes de ten­tar, como se dissessem isso não é comigo, ou não posso fazer nada.

Os exem­p­los estão em todos os lugares e cada vez mais graves.

Quem anda pela ilha – como é o meu caso – vê sur­gir, sem que as autori­dades opon­ham qual­quer embaraço, as famosas invasões. A ilha está coal­hada delas. Seja na per­ife­ria, seja em áreas urban­izadas, seja em áreas tidas por nobres, lá surge uma invasão de terra, pri­vada ou pública, sem que autori­dades munic­i­pais ou estad­ual, oponha qual­quer obstáculo. E, se não há um obstáculo, mesmo mín­imo, uma dúzia de casas viram mil­hares da noite para dia. Quase todo mês ou, às vezes, toda sem­ana vejo sur­gir um destes con­glom­er­a­dos urbanos. Muitas das vezes às vis­tas das autori­dades que fin­gem não ver, não sabem o que fazer ou lhes é con­ve­niente silenciar.

Quan­tas vezes não alertei para as con­struções irreg­u­lares na Avenida Car­los Cunha, nas prox­im­i­dades da Ilhinha? Começaram com cas­in­has papelão e viraram sobra­dos sobre o mangue, com as ondas a lam­berem as paredes.

Agora começam a sur­gir out­ras invasões no São Fran­cisco, na subida da Avenida das Paparaúbas, ao lado do Con­domínio da Vale (esta bem na cara do Min­istério Público Estad­ual) e por aí vai, não tem fim.

Ao longo das MA’s e out­ras vias de grande acesso é mais o que se ver.

Não tem dois anos fiz­eram uma invasão às mar­gens da MA 204, em frente à entrada da sede do Paço do Lumiar. Não demorou muito con­sol­i­daram o esbulho, logo depois a CEMAR chegou com os postes da rede de luz e está lá mais um aglom­er­ado a exi­gir diver­sos serviços públi­cos. Ah, ape­nas para reg­istro, os poucos que talvez pre­cisas­sem real­mente de mora­dias estão lá para den­tro. Os mel­hores ter­renos, às mar­gens da rodovia, estão vis­tosa­mente cer­ca­dos com muros altos pron­tos para servir à espec­u­lação imo­bil­iária de alguns espertalhões.

É assim com quase todas essas invasões uns poucos, que pre­cisam de mora­dias, servem de «bucha de can­hão», os inter­es­sa­dos no lucro fácil do mer­cado imo­bil­iário infor­mal. O prob­lema do caos urbano fica para o poder público, para nós, idio­tas pagadores de impos­tos, e os lucros para os sabidos.

Será que as autori­dades não sabem disso? Cus­taria aos gov­er­nos pos­suirem um cadas­tro de pes­soas que efe­ti­va­mente pre­cisam de mora­dia? Sim, porque muitos que se aven­tu­ram nas invasões pos­suem casas e estão lá pelo lucro fácil. Mesmo aque­les que bradam que não tem para onde ir eram de algum lugar.

Na ver­dade as autori­dades sabem disso, mas pref­erem o dis­curso irre­spon­sável de que estão «aju­dando» os desvali­dos que não tem casa.

Mas não é só. As próprias con­struções «reg­u­lares» nos moldes do «Minha Casa, Minha Vida», não passa de um mod­elo equiv­o­cado de destruir o pouco que resta de natureza na ilha, sem con­tar os impactos na segu­rança pública.

Qual tem sido a prática? Con­struir mil­hares de casas na área rural da ilha, levando quase sem­pre, junto com as pes­soas de bem, uma série de delin­quentes, que em face da ausên­cia ou dis­tân­cia do Estado, «metem o bicho», se tor­nam sen­hores do pedaço, dom­i­nando o trá­fico, prat­i­cando extorsão e out­ros crimes do cardápio.

Isso sem falar no grave impacto ambi­en­tal, não só decor­rente das supressões veg­e­tais, mas tam­bém da matança das nascentes e do lança­mento «in natura» dos esgo­tos nos rios e cur­sos d’água. Mesmo a reserva do Batatã, foi tomada por con­struções irreg­u­lares no seu entorno e “mor­reu”, virou uma sim­ples bacia que recebe água das chuvas.

Hoje a Ilha de São Luís não conta com nen­huma reserva de água, depende, quase que exclu­si­va­mente, do Sis­tema Italuís e poços arte­sianos que, não se sabe por quanto tempo darão conta do recado. Os rios mor­reram todos, viraram esgoto a céu aberto. Só no meu cam­inho diário vejo a situ­ação de pelo menos três: O Rio São João, o Curu­ruca, o Paciên­cia. Todos víti­mas do mod­elo des­or­de­nado de ocu­pação do solo, da leniên­cia das autoridades.

Enquanto as autori­dades não demon­stram pre­ocu­pação com a destru­ição da ilha para ceder lugar à residên­cias, reg­u­lares ou não, per­mite a morte anun­ci­ada do maior patrimônio da ilha: o Cen­tro Histórico de São Luís.

Até hoje não con­segui enten­der os motivos que levaram as autori­dades a não prosseguir com o «Pro­jeto Reviver”, ini­ci­ado pelo ex-​governador Epitá­cio Cafeteira, há mais de trinta anos.

Os pré­dios do cen­tro estão ruindo ou sendo demoli­dos dando lugar a esta­ciona­men­tos. Só sobram, com alguma sorte, as fachadas com uns portões hor­ríveis, por onde entram os veícu­los. Out­ros, aban­don­a­dos, servem de abrigo aos usuários de dro­gas, enquanto seus azule­jos e pedraria são fur­tadas à luz do dia. Dos crimes diários prat­i­ca­dos con­tra os pré­dios históri­cos não escapou nem o pré­dio onde fun­cio­nou o SIOGE, atrás do Mer­cado Cen­tral, um pré­dio público de beleza sin­gu­lar que pode­ria ser trans­for­mado em bons apartamentos.

A real­i­dade do cen­tro é de fazer chorar qual­quer ser humano com um mín­imo de sen­ti­mento por esta cidade. Sabedor de tudo isso, não duvidei da notí­cia falsa de que a UNESCO reti­rara o título de Patrimônio da Humanidade. Quem duvi­daria se a cen­tro está mais para ruí­nas da humanidade do que patrimônio?

Vejo autori­dades se orgul­harem porque con­seguiram mil­hões e mil­hões para mora­dias entre­tanto, não con­seguem cap­tar recur­sos para o óbvio: recu­perar o Cen­tro Histórico trans­for­mando seus pré­dios – pela com­pra, pela desapro­pri­ação –, em aparta­men­tos a serem finan­cia­dos para população.

Não sei, talvez a solução seja tão óbvia que não con­sigam enx­er­gar, pref­erem deixar os pré­dios virarem ruí­nas, inse­guras e desabitadas, enquanto finan­ciam mora­dias no meio do resta de flo­restas nati­vas e nascentes na zona rural, lá onde Judas perdeu as botas, quanto mais dis­tante mel­hor. Assim nascem os Nova Terra, Ribeira, Turi­uba e tan­tos out­ros a dis­sem­i­nar o caos urbano, a destru­ição do meio ambi­ente, a poluição, a vio­lên­cia, a neces­si­dade de inves­ti­men­tos em trans­porte, segu­rança, malha viária e tudo mais. Isso sem conta com o impacto social que causam na vida das comu­nidades nativas.

Encerro dizendo que cer­ta­mente não pre­cis­are­mos que a ser­pente des­perte do sono pro­fundo para destruir a ilha – con­forme reza a lenda –, as autori­dades já estão fazendo um exce­lente trabalho.

Abdon Mar­inho é advogado.