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AUDI­TO­RIA NA DÍVIDA PÚBLICA DO MARAN­HÃO: UMA PRIORIDADE

Escrito por Abdon Mar­inho

AUDI­TO­RIA NA DÍVIDA PÚBLICA DO MARAN­HÃO: UMA PRI­OR­I­DADE
Por Abde­laziz Aboud Santos

Os números da dívida pública são alu­ci­nantes. O paga­mento que o Brasil faz anual­mente, rela­cionado a juros e amor­ti­za­ção da dívida, con­some, em média, 45,11% do orça­mento fed­eral. Per­centual algu­mas vezes supe­rior ao dis­pên­dio com trans­fer­ên­cias a Esta­dos e Municí­pios (9,19%); Saúde (3,98%) e Edu­cação (3,73%).
Em artigo pub­li­cado no “Jor­nal Pequeno”, em 2014, referi-​me aos estu­dos de Lúcia Fat­torelli, em que ela demon­strava que nada menos de 42,42% da pre­visão orça­men­tária fed­eral daquele ano destinavam-​se ao paga­mento de juros e serviços da dívida pública.
Em 2015, já sabe­mos que a conta junto aos cre­dores chegará ao redor de 47%, jus­ta­mente em razão do refi­nan­cia­mento da dívida (troca de títu­los do Tesouro Nacional por out­ros títu­los), o que se traduz na prática de juros sobre juros, con­sti­tu­cional­mente proibidos, bas­tando com­pul­sar a Súmula 121 do STF, que diz, tax­a­ti­va­mente, “ainda que tenha se esta­b­ele­cido em con­trato, não pode”.
Fat­torelli foi con­vi­dada recen­te­mente para exam­i­nar a dívida pública da Gré­cia, após ter prestado exce­lente serviço ao Equador (onde reduziu a dívida em 70%), mostrando que grande parte da dívida era incon­sis­tente, muitas das quais já quitadas. A mesma coisa a audi­tora iden­ti­fi­cou na Gré­cia, for­t­ale­cendo sua con­vicção de que existe um “sis­tema da dívida”, baseado na uti­liza­ção da dívida pública como veículo para desviar recur­sos públi­cos em direção ao sis­tema finan­ceiro das grandes cor­po­rações.
Seus estu­dos sobre a dívida brasileira são bem pre­cisos e clara­mente descritos: que isso vem desde o gov­erno Fer­nando Hen­rique, pas­sando pelo de Lula e, agora, pelo da Dilma; elu­cida a balela do paga­mento da dívida externa em 2005, de 15 bil­hões de dólares (Gov­erno Lula), mostrando que o Brasil tro­cou uma dívida com juros de 4% por outra de 19% ao ano, ao leiloar títu­los do Tesouro Nacional para esse fim; demon­stra que, no mín­imo, mais de 50% da dívida pública brasileira é incon­sis­tente e incon­sti­tu­cional.
O “sis­tema da dívida” é uma das mais efi­cientes estraté­gias de manutenção e for­t­alec­i­mento do poder do cap­i­tal finan­ceiro na ordem global. Seu obje­tivo é man­ter o con­t­role sobre esta­dos nacionais a par­tir das ram­i­fi­cações de seu poder na vida política e na estru­tura econômica. O con­tínuo processo de pri­va­ti­za­ção (entrega de patrimônio estratégico) no Brasil, a exem­plo da Vale do Rio Doce, Usim­i­nas, tele­fôni­cas, empre­sas de ener­gia elétrica, hidrelétri­cas, siderúr­gi­cas, e mais recen­te­mente aero­por­tos, além dos mecan­is­mos con­denáveis de finan­cia­mento pri­vado de cam­pan­has eleitorais, com­pro­vam a tese.
Não há nada mais explo­sivo no Brasil hoje do que a epi­demia da dívida, bem mais dev­as­ta­dora que a do mos­quito, per­manecendo, con­tudo, soter­rada, “invisível”. A mídia está repleta de prob­le­mas, como inflação, saúde, edu­cação, ajuste fis­cal, cor­rupção, vio­lên­cia, e, ao mesmo tempo, fecha os olhos a fatos crim­i­nosos como o de pagar­mos, todo ano, 962 bil­hões de reais, ref­er­entes a uma dívida pública repleta de incon­sistên­cias, incon­sti­tu­cional­i­dades e, incrível, sem evi­den­ci­ação de con­tra­partidas para a pop­u­lação. Porque a política de transparên­cia pública não chega lá?
Pelos grandes números, o Brasil paga, por dia, pas­mem, nada menos do que 2,63 bil­hões de reais de juros aos cre­dores. O estoque da dívida interna, no final de 2015, era de 3,9 tril­hões de reais e da dívida externa de 545,3 bil­hões de dólares. Impos­sível sair da crise e garan­tir o futuro do Brasil sem enfrentar esse desas­tre e os seus hor­rores.
Como poder­e­mos crescer e desen­volver nossa econo­mia con­sumindo 50% do orça­mento da União em paga­mento dos juros e serviços da dívida, sem com­pro­m­e­ter­mos irre­me­di­avel­mente o pre­sente e o futuro das ger­ações mais novas? A recente história política do País mostra a talante que PSDB e PT mostraram-​se impo­tentes para enfrentar e resolver essa questão, per­manecendo sub­ju­ga­dos às grandes cor­po­rações.
Assim como a União, o Estado do Maran­hão pre­cisa audi­tar a sua dívida pública. A isto já me referi em 2014, em artigo com o título: Maran­hão: o desas­tre da dívida pública. Considero-​o ainda atu­alís­simo. O gov­erno estad­ual não só deseja, como pre­cisa, urgen­te­mente, aumen­tar a sua capaci­dade de inves­ti­mento, o que sig­nifica ado­tar essa medida com a máx­ima pri­or­i­dade.
Volto aos pon­tos cru­ci­ais da questão, desta­ca­dos em man­i­fes­tações ante­ri­ores: os resul­ta­dos pre­lim­inares da audi­to­ria que mandáramos fazer, no gov­erno inter­rompido de Jack­son Lago, deix­avam claro que a União sobre­car­regava o Tesouro Estad­ual com acessórios finan­ceiros não pre­vis­tos nos con­tratos orig­i­nais, além de terem sido iden­ti­fi­ca­dos paga­men­tos em dupli­ci­dade de encar­gos e prestações; que o Banco do Brasil, na qual­i­dade de agente finan­ceiro do Tesouro Nacional, relu­tava em con­sen­tir que hou­vesse incor­rido em erro nos juros inci­dentes sobre a dívida, pois estava desacos­tu­mado a ser inter­pelado sobre a justeza dos encar­gos que cobrava; que o Estado estaria cel­e­brando oper­ação de crédito externa com o Bank of Amer­ica e a Mer­ril Lynch (BofaML), no valor de US$-661.967.121,34, para quitação dos “resí­duos” das Leis 8727 e 9496 (Pare­cer PGFN/​COF/​Nº 1224/​2013, de 24.06.2013), e que isto se tratava de refi­nan­cia­mento de uma dívida par­cial ou total­mente já quitada.
Ao ler a entre­vista do sen­hor Gov­er­nador do Estado, recen­te­mente con­ce­dida ao “Jor­nal Pequeno”, em que mostrava o que foi pos­sível realizar em 2015, o que pre­tendia realizar em 2016, e quais as difi­cul­dades finan­ceiras por que pas­sam as finanças públi­cas estad­u­ais – só de pre­catórios atrasa­dos o Estado deve R$ 858.947.026,82 — resolvi voltar à esta questão da neces­si­dade de audi­tar a dívida pública, como sug­estão ao Gov­erno, pois entendo que esse cam­inho, a médio prazo, poderá não só alargar a min­guada capaci­dade de inves­ti­mento público, como garan­tir ao poder público a cen­tral­i­dade no processo de desen­volvi­mento sus­ten­tável do Maran­hão.
A audi­to­ria da dívida não se resume a uma mera ban­deira político-​ideológica. Não se trata da questão já super­ada de aplicar um calote nas finanças da “bur­gue­sia finan­ceira”. Audi­to­ria, em ter­mos con­tem­porâ­neos, é uma política de estado e uma estraté­gia de defesa da sobera­nia nacional, feita com todo o rigor téc­nico.
Pre­cisamos mirar o amanhã sem tirar os pés do chão. Gov­ernar um estado tão com­plexo como o Maran­hão requer capaci­dade e com­petên­cia para resolver prob­le­mas, sep­a­rando os fal­sos dos ver­dadeiros. Ger­ação de com­petên­cias, con­hec­i­men­tos, emprego, tra­balho e renda são desafios maiores que qual­quer engen­haria de poder. Não há mais como atribuir aos demônios a nossa inca­paci­dade de enfrenta­mento dos prob­le­mas estru­tu­rais maran­henses.
A esper­ança está viva, mesmo com tan­tas nuvens car­regadas de tem­pes­tades. O nosso atraso é de mais de cinco décadas, em um país desnorteado. A insta­lação do novo gov­erno estad­ual e dos 217 novos que se insta­larão em menos de um ano rep­re­sen­tam a opor­tu­nidade de saltos de qual­i­dade.
O gov­erno estad­ual assumiu em 2015 a respon­s­abil­i­dade histórica, política e cul­tural de lid­erar o novo momento que se abrirá. Só o con­seguirá, todavia, se for capaz de tra­bal­har muito e com afinco, ousar pen­sar e descon­struir a engen­haria de poder que ali­men­tou e con­tinua ali­men­tando o atraso maran­hense. Não há como superar os obstácu­los sem ten­tar tirar leite das pedras e sem afas­tar defin­i­ti­va­mente os nós cegos dados a favor dos priv­ilé­gios e dos priv­i­le­gia­dos. Audi­tar a dívida maran­hense é o começo do exorcismo.

A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO.

Escrito por Abdon Mar­inho

A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO.

– Agora lascou.

Com estas palavras, me alcança um amigo, na madru­gada seguinte à decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que deliberou, em um caso con­creto, sobre a pos­si­bil­i­dade do con­de­nado em primeira e segunda instân­cias da justiça, ini­ciar o cumpri­mento da pena, ainda que com recur­sos pen­dentes nos tri­bunais superiores.

Na tarde do mesmo dia, enquanto aguar­dava o jul­ga­mento de um processo no Tri­bunal Regional Eleitoral — TRE/​MA, foi a vez de um jovem colega indagar-​me e cobrar que opinasse sobre o tema.

A decisão da Corte Suprema talvez tenha sido o ápice uma sem­ana excep­cional­mente per­tur­badora para mim e que me faz pen­sar sobre o quê aguarda a humanidade.

Duas notí­cias vin­das do inte­rior do Maran­hão – que ainda custo em acred­i­tar – remete-​nos a um mundo de bar­bárie que pen­sava não mais exi­s­tir ou que estivesse muito longe da nossa realidade.

A primeira, de São Bernardo, municí­pio de menos de 30 mil habi­tantes, nos dando conta que “pop­u­lares» invadi­ram e seques­traram pre­sos acu­sa­dos do homicí­dio de um empresário, torturaram-​nos e os mataram. Os blogues do estado divul­garam as ima­gens do fato – que não tive cor­agem de assistir.

A segunda, vinda de Col­i­nas, cidade com pouco mais de 40 mil habi­tantes, narra que ladrões “estouraram” uma agên­cia bancária, uma refém foi vítima de “bala per­dida” ou exe­cu­tada. Quando os ban­di­dos fugi­ram do local deixando a vítima nas ime­di­ações de onde ocor­rera o delito «pop­u­lares» cor­reram para o banco para pegar e se apro­priar dos maços de din­heiro deix­a­dos pelos ban­di­dos. Mais que isso, algu­mas fontes nar­ram que fes­te­jaram a “sorte” que tiveram com a empreitada.

Os dois episó­dios nada têm, em princí­pio, com a decisão tomada pelo STF, mas rev­ela aspec­tos inter­es­santes da sociedade em que vive­mos. No caso de São Bernardo, pop­u­lares, suposta­mente, incré­du­los com a ação do Estado em punir malfeitores a ponto de tor­tu­rarem e exe­cutarem aquele(s) que come­teram um crime hediondo. Fazendo isso pub­li­ca­mente, à luz do dia, alguns exibindo o rosto às claras e sem receio.

Já no episó­dio de Col­i­nas, tais pop­u­lares não demon­straram tanto pesar pelo perec­i­mento de uma vítima inocente da ação dos facíno­ras, pelo con­trário, acharam opor­tuno tirar uma van­tagem pes­soal de uma ação odi­enta, indifer­entes ao sofri­mento da vítima e de sua família se locu­ple­taram, tam­bém eles, do roubo.

Se chegarem aos autores dos fatos de São Bernardo, estes, con­fronta­dos com a Justiça decerto que dirão que agi­ram em nome da justiça, con­tra a impunidade, etc.

Já os de Col­i­nas dirão que foram capazes de roubar o banco igno­rando a vítima por que viram “out­ros” fazendo o mesmo.

Em ambos os episó­dios a questão de fundo é a impunidade. Uns dizendo que agem con­tra a impunidade e out­ros na certeza que aquilo que fiz­eram sairá impune.

Aqui, os três episó­dios con­fluem: os bár­baros acon­tec­i­men­tos do inte­rior da Maran­hão e a decisão do Supremo. Todos têm por móvel a impunidade.

Não é atoa que os veícu­los de comu­ni­cação trataram a decisão do STF como histórica no com­bate a impunidade, colo­cando na mesma matéria tanto as decisões dos min­istros quanto os casos sím­bo­los de impunidade no país.

O caso de Pimenta Neves que tendo matado a namorada, sendo ré con­fesso, exper­i­men­tou, tar­dia­mente poucos dias na cadeia.

O caso do ex-​senador Luís Estevão que tendo sido con­de­nado pelo roubo de mil­hões de uma obra em São Paulo per­manece solto de recurso em recurso.

O caso do juiz Nico­lau dos San­tos Neto; e tan­tos out­ros casos emblemáti­cos que fazem o cidadão comum crer que a Justiça trata de forma difer­ente uns e outros.

Reputo o com­bate à impunidade uma urgên­cia nacional tão impor­tante quanto o com­bate ao mos­quito aedes aegypti, mos­quito respon­sável pelas pre­ocu­pações de quase todos os brasileiros. Aliás, a infes­tação de mos­qui­tos se deve ao fato de muitos dos respon­sáveis pelos recur­sos públi­cos estar soltos.

A decisão do STF vai além de “pre­ocu­pante» con­forme manifestou-​se, tim­i­da­mente, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, ela avança sobre umas das garan­tias con­sti­tu­cionais mais caras inseri­das na Con­sti­tu­ição do país.

Está lá no artigo 5º, inciso LVII: ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal condenatória.

Estou con­victo que a decisão, por maio­ria, do Supremo vem ao encon­tro do anseio da larga maio­ria do povo brasileiro que clama pelo fim da impunidade, sobre­tudo, daque­les que sem­pre se mostraram inat­ingíveis pela lei que dev­e­ria ser para todos e, longe, de mim, por outro lado defender a impunidade.

Ape­sar disso, entendo que há algu­mas questões que mere­cem ser respondidas:

A primeira delas é que ao Supremo não cabe ree­scr­ever a Con­sti­tu­ição. Por mais que lhe caiba fazer a inter­pre­tação da mesma, não lhe têm os min­istros, o poder de dizer que aquilo que está escrito pode ser inter­pelado de outra forma.

A segunda questão é que, emb­ora a intenção da maio­ria do Supremo seja boa, o com­bate à impunidade, como disse é uma urgên­cia, tenho dúvi­das se não estão come­tendo um mal maior.

Não há for­mas mais efi­cazes de se com­bater a impunidade? Não exis­tem mecan­is­mos que façam a Justiça fun­cionar com mais efi­ciên­cia e rapidez?

A sociedade não pode ser con­strangida à escolha de Sofia.

Em nome do fim da impunidade, abrir mão do prin­ci­pio con­sti­tu­cional da pre­sunção da inocência.

O min­istro Celso de Mello, decano do STF e um dos votos-​vencidos na matéria que dotou país de uma nova ori­en­tação, em entre­vista em rede nacional, trouxe uma questão que con­sidero gravís­sima. Ele que com­põe aquele cole­giado desde 1989 asseverou que 25% (vinte e cinco por cento), das matérias crim­i­nais que chegam aquela Corte, através de recur­sos extra­ordinários são reformadas.

O número é espan­toso. Poucos casos chegam ao Supremo, se destes 25% (vinte e cinco por cento) são refor­ma­dos, quan­tos não o são no Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, onde os recur­sos chegam com mais fre­qüên­cia e abundância?

Em vigor a nova ori­en­tação, quan­tos inocen­ta­dos pos­te­ri­or­mente, não terão amar­gado o cárcere? Quem pagará por isso? Cri­arão uma tabela dizendo quanto vale cada dia em o cidadão inocente pas­sou preso?

Claro que pre­cisamos averiguar se esse número de decisões refor­madas não é um dos sub­pro­du­tos da impunidade. Mas, ainda que seja menos, o encar­ce­ra­mento de um inocente, por um dia que seja, não pode ser tro­cada por dez, cem ou mil cul­pa­dos soltos.

A grande questão é esta: se vale a pena encar­cerar inocentes em nome do com­bate à impunidade.

Na minha opinião nada é mais impor­tante que a liber­dade de um inocente, ainda que para garan­ti­mos essa liber­dade ten­hamos que tol­erar alguns cul­pa­dos soltos.

No dia seguinte após a decisão do Supremo, ten­tando encon­trar algo de pos­i­tivo na mesma, dizia a um colega: – agora, os jul­gadores de primeira e segunda instân­cias, diante da tamanha respon­s­abil­i­dade que é man­dar um inocente para cadeia, tomarão muito mais cuidado na hora de jul­gar, verão se de fato o crime foi cometido, de forma e por quem.

Con­hece­dor de mais coisas que eu, ele me des­en­co­ra­jou: – para os inocentes, as coisas ficarão bem mais difíceis.

Será que o que nos espera é mesmo a barbarie?

Abdon Mar­inho é advogado.

A REPÚBLICA MICROCEFÁLICA.

Escrito por Abdon Mar­inho

A REPÚBLICA MICROCEFÁLICA.

QUANDO, no futuro, algum his­to­ri­ador sério se debruçar para anal­isar os dias atu­ais, con­statará que os atu­ais donos do poder não legou à pat­uleia, ape­nas mil­hares de cri­anças com a grave micro­ce­falia, situ­ação que, em maior ou menor grau, as con­dena a uma existên­cia mais sofrida e imi­tada que o restante de nós. Estes, donos do poder, nos lega tam­bém a micro­ce­falia das insti­tu­ições republicanas.

Faltam-​lhes o con­hec­i­mento e, sobre­tudo, o respeito por aquilo que o ex-​presidente José Sar­ney apeli­dou de “litur­gia do cargo”. Que, noutras palavras, sig­nifica o respeito pelas próprias insti­tu­ições. A Presidên­cia, os Min­istérios de Esta­dos, assim como o Poder Judi­ciário, o Senado da República, a Câmara dos Dep­uta­dos, o Min­istério Público e tan­tos out­ros, são insti­tu­ições da nação. Seus inte­grantes e/​ou rep­re­sen­tantes pre­cisam pos­suir um mín­imo de decoro próprio para integrá-​la e, prin­ci­pal­mente, para representá-​las.

Nos últi­mos tem­pos, mais pre­cisa­mente nes­tas últi­mas década, sobre­tudo a última – a par­tir da chegada do Par­tido do Tra­bal­hadores — PT ao poder –, os padrões éti­cos pas­saram a ser nive­la­dos numa escala menor, uma espé­cie de “fulaniza­ção» dos cos­tumes. Tudo pas­sou a ser normal.

Seria inimag­inável, noutras eras, que «per­sonas» do naipe de Renan Cal­heiro, respon­dendo a tan­tas questões judi­ci­ais, éti­cas e morais, pre­sidisse o Senado da República; ou Eduardo Cunha pre­sidisse à Câmara dos Dep­uta­dos. Na ver­dade, eles e tan­tos out­ros, sequer seriam inte­grantes de tais instituições.

Pois é, mas são mem­bros, presi­dem e são impor­tantes fig­uras da política nacional. Fiadores da governança.

Mas o que podemos esperar de país em que os pres­i­dentes da República – como os dois últi­mos – são eleitos fazendo da instân­cia maior da justiça eleitoral uma “lavan­de­ria” recur­sos escu­sos e fica tudo por isso mesmo? Será que há uma “viva alma” neste país que não saiba que as cam­pan­has do ex-​presidente Lula e da atual, sen­hora Dilma Vana Rouss­eff, foram finan­ciadas com recur­sos ori­un­dos de propinas e “lava­dos» no TSE?

As notas, tanto do par­tido quanto do insti­tuto do ex-​presidente sobre o tema, são ver­dadeiras exal­tação ao cin­ismo: “as doações foram legais e declar­adas à justiça eleitoral”.

Quanto cin­ismo. O vício é de origem, dos méto­dos usa­dos para con­seguir a doação.

Em comu­ni­cado ao TSE, respon­dendo a inda­gação daquela Corte, o juiz Sér­gio Moro afirma com todas as letras que recur­sos ori­un­dos de “propinas» finan­cia­ram aque­las cam­pan­has. Tem sen­tença ate­s­tando isso.

E o que acon­te­ceu com respon­sáveis por tais fatos: os tesoureiros ou arrecadadores? Os arti­fi­cies destas tramoias, se não estão pre­sos, estão quase todos abo­le­ta­dos nos min­istérios, são autori­dades impo­lu­tas, come­teram toda sorte de crimes e ainda são pagos pelos contribuintes.

Estran­hamente, enti­dades e cidadãos que pas­sam os dias cobrando lisura nos pleitos eleitorais nada dizem ou cobram providên­cias ou a apu­ração dos fatos pos­tos nos autos e recon­heci­dos por quase uma dezena de cidadãos que recor­reram ao insti­tuto da delação pre­mi­ada em troca de diminuição de suas penas.

O silên­cio obse­quioso rev­ela bem a “fulaniza­ção» das práti­cas, dos cos­tumes, das instituições.

Querem ver outro exem­plo claro do que falo?

O Min­istério da Justiça é o mais antigo do país. Antes da com­pan­heirada chegar ao poder o seu tit­u­lar tinha a pre­cedên­cia sobre todos os demais.

Cri­ado, antes mesmo da Inde­pendên­cia do Brasil, por decreto do príncipe regente D. Pedro, em 03 de julho de 1822. Con­sta no seu site na rede mundial de com­puta­dores que “vul­tos emi­nentes do Império e da República ocuparam-​no, na busca pelo apri­mora­mento das insti­tu­ições jurídi­cas, pro­movendo mel­ho­rias nos serviços judi­ciários e a har­mo­nia entre os poderes”.

Pois bem, será que acham nor­mal ou ético que o seu tit­u­lar atual saia para encon­tros extra-​agenda com advo­ga­dos de inves­ti­ga­dos? ou que saia por aí ante­ci­pando a inocên­cia de inves­ti­ga­dos por seus sub­or­di­na­dos, no caso da inves­ti­gação da Polí­cia Fed­eral que tem por alvo o ex-​presidente Lula? ou, ainda, que saia ate­s­tando a reg­u­lar­i­dade de con­tas de cam­panha da atual pres­i­dente, antecipando-​se a juízo do Tri­bunal Supe­rior Eleitoral? Isso, ape­nas para citar os fatos de con­hec­i­mento público. Decerto que nada disso está certo, não é ético e é moral­mente reprovável.

Como é pos­sível achar aceitável que Polí­cia Fed­eral esteja inves­ti­gando fatos tidos por crim­i­nosos e, na outra ponta o min­istro da justiça, supe­rior hierárquico da insti­tu­ição, esteja dizendo que fulano ou bel­trano é inocente e que não houve qual­quer crime nas con­tas de A ou B?

Pas­mem! Quase que diari­a­mente esta­mos nos deparando com este tipo de coisa. O min­istro, no mín­imo, corre o risco de ser des­men­tido pelos fatos. Como, aliás, já o está sendo.

A falta de noção destes que estão no poder e de seus satélites é tamanha que chegam a sug­erir a sub­sti­tu­ição do min­istro da justiça, não pelas con­du­tas inad­e­quadas demon­stradas acima, mas porque o mesmo não se mostrou capaz de inter­ferir no curso das inves­ti­gações, sobre­tudo, para elidir os crimes dos “com­pan­heiros” e crim­i­nalizar os seus adver­sários. São mesmo muito audaciosos.

Mas, meu pai, que não tinha muitas letras, cos­tu­mava dizer que cada casa era o retrato do dono. Se o dono era um porco, cer­ta­mente a casa seria um chiqueiro; se dono fosse asseado e limpo, cer­ta­mente a casa seria também.

Aí, cheg­amos ao ponto cru­cial. A ban­dalha chegou a esses níveis porque temos na chefia da nação uma pes­soa abso­lu­ta­mente inepta para o cargo. Mais, que não pos­sui a dimen­são do que seja a insti­tu­ição chamada Presidên­cia da República.

Vejam, os com­pan­heiros de seu par­tido cobravam da pres­i­dente uma defesa clara do Planalto em relação aos per­rengues que passa o ex-​presidente Lula, acos­sado por denún­cias para as quais ele, sem­pre loquaz, não pos­sui nen­huma resposta.

Até acho nor­mal que quem não sabe peça con­sel­hos a out­rem, prin­ci­pal­mente se essa pes­soal sabe alguma coisa – o que não é o caso.

A sen­hora Dilma foi além na mis­são par­tidária: mandou-​se para São Paulo, às cus­tas do con­tribuinte, para, suposta­mente, aconselhar-​se com o ante­ces­sor, cuja a con­duta é objeto de inves­ti­gação poli­cial e do Min­istério Público.

Exi­s­tiria ato maior de sub­serviên­cia? Quem foi a São Paulo ren­der hom­e­na­gens a um inves­ti­gado não foi ape­nas a sen­hora Dilma, foi a insti­tu­ição que ela rep­re­senta: a Presidên­cia da República.

Isso mesmo, a Presidên­cia da República foi ren­der hom­e­na­gens a um inves­ti­gado. A sim­bolo­gia do gesto diz muito mais que a declar­ação dela de que “o ex-​presidente Lula é objeto de grande injustiça”.

A leitura que faço do ato é que a Presidên­cia da República colocou-​se a serviço de um inves­ti­gado, como se ele (o inves­ti­gado) estivesse acima de tudo, inclu­sive da lei.

A pres­i­dente é useira e vezeira neste tipo de ati­tude: ren­der hom­e­na­gens ao ex-​presidente, de ir a São Paulo, só se con­sul­tar com ele e ates­tar sua própria inap­tidão. Agora foi além. Demon­strando não pos­suir noção de coisa alguma foi servir de escudo a um cidadão inves­ti­gado por out­ras insti­tu­ições republicanas.

Só não acred­ito que cheg­amos ao fundo do poço, porque esta turma sem­pre pos­sui uma pá à mão para cavarem um pouco mais.

Abdon Mar­inho é advogado.